Opinião

Concessões e Covid-19: alternativas para o reequilíbrio do contrato

Autores

  • Marcello de Mello

    é professor e Sócio Fundador do Escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados responsável pelas áreas de Direito Civil Contencioso Civil / Comercial e Bancário mestre em Direito Empresarial na Faculdade de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

  • Anna Florença Anastasia

    é especialista em Direito Administrativo e advogada associada no GVM Advogados.

9 de fevereiro de 2021, 13h37

O ano de 2020 chegou ao fim, mas é certo que as sobreviventes relações firmadas entre o setor privado e a Administração Pública terão consequências residuais ao longo dos próximos anos. É de se dizer que, fatalmente, o poder público terá de repensar as já habituais soluções tomadas em relação a seus contratados. 

É bem verdade que o Poder Legislativo, no auge da pandemia da Covid-19, aprovou e publicou a Lei nº 14.010/2020, que trata do regime jurídico emergencial e transitório às relações de Direito Privado, em decorrência da pandemia, mas, no que tange à relação contratual junto ao Estado, não houve grande inovação nesse período. 

Dessa forma, diante de todos os percalços enfrentados, os contratos administrativos seguiram incólumes, não obstante as diversas situações de desequilíbrio que se deram em virtude da pandemia. 

Uma das formas de relação jurídica entre poder público e o particular, os contratos de concessão, cuja característica basilar é o longo tempo de vigência, são um claro exemplo de negócio jurídico que certamente irá precisar de alternativas diferentes às já expressas nas leis e nas decisões do Poder Judiciário. Esse tipo de contrato, inclusive, é marcado pela incompletude e, no mais das vezes, atrai a consensualidade para a resolução de suas lacunas. A mutabilidade das situações — e dos contratos — é a força motriz de sua continuidade. Em termos práticos, a disposição para negociar em um contrato de concessão já firmado estreita os laços entre contratante e contratado. 

Os contratos administrativos devem elencar de forma objetiva os riscos inerentes às partes, de modo que sua distribuição seja equilibrada e o negócio firmado valha a pena. Quando a relação contratual se torna extremamente onerosa para uma das partes e não há cláusula que impute o ônus a um ou outro, necessário se faz o reequilíbrio do contrato, seja por consensualidade ou por eventual disputa judicial. 

Nos casos em que o Estado se recusa a aceitar mudanças para recompor a relação contratual nos moldes da época em que foi constituída, a empresa contratada tem argumentos para alcançar o equilíbrio inicial do negócio firmado. No caso da pandemia da Covid-19, esta se enquadra como situação de desequilíbrio por absoluta imprevisibilidade — um contrato firmado há, suponha-se, dez anos, jamais abarcaria a remota possibilidade de um lockdown, por exemplo —, pelo que se aplica a teoria da imprevisão. 

Tal teoria é acolhida pela maioria dos países e seu alcance diz respeito à possibilidade de revisão contratual por fatos imprevistos de ordem econômica ou que culminem em efeitos de natureza econômica. Nessas hipóteses, a parte tem direito à total restauração da situação de equilíbrio. 

A empresa concessionária que deixou, no ano de 2020, de auferir as vantagens que lhe competiam, em virtude da pandemia da Covid-19, fatalmente não conseguiu atingir a finalidade primeira do contrato, fazendo jus a uma verdadeira reavaliação da concessão em relação ao cenário econômico. E se o argumento contrário for relacionado ao respeito à licitação ou à vinculação ao edital, tem-se que a revisão do equilíbrio econômico-financeiro não afeta em nada o objeto originalmente definido no edital, pelo contrário, as variações se dão para diminuir, incrementar ou modificar situações relacionadas ao objeto já constituído. 

Devidamente comprovada a situação de desequilíbrio, o poder concedente tem algumas alternativas: interromper a concessão, sem prejuízo de indenização, caso não haja sequer a possibilidade de continuidade até o termo do contrato; indenizar o concessionário pelos danos sofridos, ainda que a concessão siga normalmente até o prazo final; ou estender o prazo da concessão, a fim de que a empresa concessionária consiga, com essa prorrogação, auferir o que normalmente teria auferido se não houvesse ocorrido a situação imprevisível. 

A última alternativa, no entanto, costumava ser pouco aceita nos tribunais, sob o argumento de que a extensão do prazo fere o princípio de obrigatoriedade da licitação. Não obstante, a relevância de tal princípio se mostra menor do que a supremacia do interesse público, uma vez que o respeito às condições inicialmente pactuadas implica obrigatoriamente na manutenção de cláusulas e situações inadequadas. 

Em período de pandemia, a alternativa de prorrogar os contratos de concessão vai se tornar ainda mais presente. É sabido que os esforços financeiros estão voltados para a saúde pública e para o cuidado com a população, o que implica menores condições de quitar uma eventual indenização às concessionárias e empresas privadas em geral que contratam com a Administração. A prorrogação da vigência dos contratos administrativos, dessa forma, eliminaria a necessidade do pagamento de indenização pelo poder público ao contratado, bem como permitiria à empresa se reestruturar após as inúmeras dificuldades enfrentadas. 

Autores

  • é professor e Sócio Fundador do Escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados, responsável pelas áreas de Direito Civil, Contencioso Civil / Comercial e Bancário, mestre em Direito Empresarial na Faculdade de Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

  • é estudante do 10º período da graduação em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara e trainee da área de Direito Administrativo no GVM.

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