Opinião

A Covid-19 e a Revolta da Vacina

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9 de fevereiro de 2021, 7h13

A discussão atual acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 remete-nos à famosa Revolta da Vacina, que aconteceu bem nos primórdios do século 20, em 1904, durante o governo do presidente Rodrigues Alves. Naquela ocasião, o nosso ministro da Saúde era ninguém menos do que Oswaldo Cruz, o maior médico sanitarista brasileiro. O Rio de Janeiro, capital federal, era uma cidade suja, mal cheirosa e sem saneamento básico. Qualquer moléstia oriunda da Europa levava a óbito uma quantidade enorme de pessoas, pelo somatório da precariedade das condições urbanas com a falta de imunização da população local.

Imbuído do propósito de mudar tal realidade, Rodrigues Alves, que mais parecia prefeito do Rio de Janeiro do que presidente do Brasil, encampou a nossa primeira grande campanha de vacinação em massa, notadamente contra a varíola, dando carta branca e amplos poderes a Oswaldo Cruz.

A pergunta é: "Qual a lição que essa campanha nos deixou e qual a relação dela para com os dias atuais, nesta pandemia da Covid-19?"

Naquele contexto, Oswaldo Cruz entendia que o objetivo de imunização da população deveria ser alcançado a todo custo. Prestigiado pelo presidente e no afã de erradicar a varíola do Brasil, cometeu talvez o único grande erro da sua brilhante carreira: passou a vacinar a população na marra, sem dó, nem piedade. Sem uma campanha de conscientização prévia. Mandava as moças levantarem as saias à força para receberem a dose da vacina. Tal modo de condução da campanha, em pleno início do século 20, não foi acolhido pela população, em geral, que reagiu, fazendo eclodir a revolta de 1904.

Vindo para 2021, nós temos um cenário diametralmente oposto. O governo central não só nega a existência da pandemia como faz campanha subliminar contrária à necessidade de vacinação da população, incitando-a a não se vacinar e rompendo, dessa forma, com a tradição brasileira exitosa de campanhas de vacinação em massa, que já erradicou do Brasil, por exemplo, a poliomielite.

À luz de uma análise conjuntural da Carta de 1988, a solução, a nosso ver, é a seguinte: nem Rodrigues Alves, nem o presidente atual. Rodrigues Alves violou o núcleo duro do artigo 5° da CF/88, visto que desrespeitou a garantia individual do cidadão de ter a sua inviolabilidade física preservada. O atual pratica atos indefensáveis diários, na medida em que há vários diplomas legais no Brasil que preveem a obrigatoriedade da vacinação. Todos esses diplomas, frise-se, plenamente constitucionais.

E se referidos diplomas são constitucionais, por que tanta polêmica? Não deveria havê-las. Tais diplomas preveem mecanismos de restrição indireta, que jamais tiveram a sua vigência questionada. Vacinação compulsória é diferente de vacinação forçada. Uma criança não vacinada, por exemplo, não tem direito a uma vaga na rede pública de ensino ou à percepção do Bolsa Família, e qual é o problema disso? Absolutamente nenhum. É importante ponderarmos que a Covid-19 não é uma doença individual, mas coletiva, que se propaga, inclusive, por meio de pessoas assintomáticas. A solução mais recomendada e exitosa já existe no nosso ordenamento, bastando, portanto, ser aplicada. Vacinação em massa, já!

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