Opinião

Prova complexa no JEC não impõe extinção do caso, mas remessa ao juízo comum

Autor

  • Guilherme Vinicius Justino Rodrigues

    é advogada mestrando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDSP-USP) e especialista em Direito Processual Civil pela Ponticífia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

7 de fevereiro de 2021, 11h26

Uma vez constatada a necessidade de prova pericial complexa, no âmbito do Juizado Especial da Fazenda, faz sentido extinguir o processo?

O Juizado Especial não é competente para as causas cujo exame acurado dos fatos revele imprescindível a produção de prova pericial complexa [1]. Isso não impede, por outro lado, a prova pericial [2] no Juizado Especial, significa somente que, se for constada a complexidade da prova, o Juizado não é competente para julgamento.

Entretanto, a providência de extinguir o feito, na hipótese de se identificar necessária a produção de prova complexa, pode não ser a mais adequada, especialmente em se tratando de Juizado Especial da Fazenda.

É que o Juizado não concorre com a Justiça comum, como acontece no Juizado Especial Cível, ao contrário, a sua respectiva competência é absoluta [3].

Nesse contexto, ainda não é uniforme a direção que deve adotar o julgador se constatar a complexidade da prova, pois algumas turmas têm decidido pela extinção do processo, fundada em incompetência do Juizado Especial da Fazenda e outras, simplesmente, têm remetido o processo à Justiça comum.

Para ilustrar, vale apontar o seguinte julgado que extinguiu o feito:

"RECURSO INOMINADO. BILHETE ÚNICO ESPECIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. (…) PERÍCIA. (…) Divergência entre o laudo médico apresentado pela autora (fl.14) e conclusão da auditoria médica efetuada pela parte ré (fl. 64). Precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo n. 0002211-48.2019.8.26.0000). Extinção do feito sem julgamento de mérito em razão da impossibilidade de se produzir prova técnica complexa (exame físico da autora) no procedimento sumaríssimo dos Juizados especiais" (TJ-SP; Recurso Inominado Cível 0002123-57.2017.8.26.0007; Relator (a): Rubens Hideo Arai; Órgão Julgador: 3ª Turma – Fazenda Pública; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 30/04/2019; Data de Registro: 30/04/2019).

Por outro lado, o seguinte excerto, ao invés de extinguir o caso, adotou a orientação de remessa do processo à Justiça comum:

"Ação que demanda produção de prova pericial. Causa complexa, incompatível com o rito do Juizado Especial. Incabível extinção. Ação ajuizada primeiramente na Justiça comum que determinou a remessa dos autos ao Juizado Especial da Fazenda Pública. Remessa para a Justiça comum. Recurso parcialmente provido" (TJ-SP; Recurso Inominado Cível 1044064-26.2017.8.26.0053; Relator (a): Cynthia Thomé; Órgão Julgador: 5ª Turma – Fazenda Pública; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Capital; Data do Julgamento: 12/06/2019; Data de Registro: 12/06/2019).

A extinção do processo, quando da constatação da complexidade, não parece compatível com a determinação principiológica do diploma processual (CPC, artigos 3º, 4º e 10), de prevalência do julgamento de mérito, especialmente porque, além de não solucionar o conflito, ainda não entrega a prestação da tutela jurisdicional.

Nessa circunstância, a solução que mais se amolda com a estrutura de primazia do julgamento de mérito é a que, por sua vez, desloca o feito para o juízo ordinário. A propósito, essa é a providência determinada pelo §3º [4], artigo 64, do CPC, na hipótese de incompetência absoluta.

Além disso, a doutrina do professor Candido Rangel Dinamarco, nessa circunstância, também recomenda o envio do feito a juízo competente e não sua extinção:

"A falta de competência de jurisdição não acarreta a extinção do processo, mas sempre sua remessa à Justiça competente, prevalecendo a eficácia dos atos não-decisórios até então realizados no processo (CPC, art. 113) – e isso porque, não obstante se fale em competência de jurisdição, o fato de uma causa pertencer à competência de outra Justiça não significa que as demais estejam privadas da jurisdição" (Dinamarco, p. 496, 2013).

Portanto, o entendimento da turma recursal que extinguiu o processo, por conta de eventual prova técnica necessária, tem sido divergente com a doutrina e disposição principiológica do CPC. É o caso de uniformização — conforme disposto nos artigos 18 e 19 da Lei 12.153/2009 e artigo 3º da Resolução 553/2011 do TJ-SP — para estabelecer como jurisprudência, a interpretação que determina a remessa do feito para Justiça comum [5], na hipótese de incompetência, pela necessidade de prova complexa.

Não se ignora, por outro lado, a possibilidade de a parte não estar representada por advogado, especialmente pela simplicidade, que rege o procedimento sumaríssimo do juizado especial, porém, ainda nessa hipótese, é recomendável evitar-se a extinção e abrir prazo para parte constituir advogado.

A abertura de prazo para a parte sanar o vício de representação, por sua vez, obedece a proibição de decisão surpresa e, ainda, ao que disciplina o processo (CPC, § único, do artigo 111 c/c artigo 76). Além disso, proporciona a possibilidade de solução do conflito e da pacificação social, objetivo precípuo do processo.

Por isso, a necessidade de prova complexa, no âmbito do Juizado Especial da Fazenda, não leva à extinção do feito, pelo contrário, impõe a remessa deste à Justiça comum e, na falta de representação por advogado, à abertura de prazo para respectiva regularização.

Embora a competência do Juizado Especial Cível seja concorrente, nada impede que tal providência a ele seja aplicável também, à luz do disposto no artigo 10 e §4º do artigo 64 do CPC.

 


Referências bibliográficas
— THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. III, editora Forense, 31ª ed. 2001.

— DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol I. Ed: Malheiros, 7ª edição. 2013.

 


[1] AgInt no RMS 57.649/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020

[2] É o que entendeu o STJ: "A necessidade da realização de prova pericial, por si só, não afasta a competência dos juizados especiais. Precedentes" (RMS 39.071/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe de 15/10/2018)

[3] "Art. 2°, §4º. No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta".

[4] § 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.

[5] Importante destacar que, o magistério do professor Humberto Theodoro Junior, se amolda também ao entendimento de não extinguir o processo: “A prova técnica é admissível no Juizado Especial, quando o exame do fato controvertido a exigir. Não assumirá, porém, a forma de uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil. O perito escolhido pelo Juiz será convocado para a audiência, onde prestará as informações solicitadas pelo instrutor da causa (art.35, caput). Se não for possível solucionar a lide à base de simples esclarecimentos do técnico em audiência, a causa deverá ser considerada complexa. O feito será encerrado no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, e as partes serão remetidas à justiça comum. Isso porque, os Juizados Especiais, por mandamento constitucional, são destinados apenas a compor “causas cíveis de menor complexidade” (CF, art.98, inc.I)” (THEODORO, p. 436. 2001).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!