Intermediação de serviços

Plataformas de serviços jurídicos ficam com o lucro sobre o direito do consumidor

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6 de fevereiro de 2021, 7h32

O corregedor do Conselho Federal da OAB, Ary Raghiant Neto, analisa o trabalho de plataformas que compram cessão de créditos futuros de consumidores, patrocinam ações judiciais sem estarem inscritas na Ordem dos Advogados do Brasil e faturam com lucros altíssimos sobre o direito de terceiros.

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Para o advogado, "o problema não está na transação em si, mas na intermediação de serviços jurídicos envolvendo alguns advogados selecionados". "A escolha que deveria ser do consumidor acaba sendo transferida para a empresa. Perde o consumidor, perde o advogado da região onde o consumidor reside, mas a empresa ganha em média 90%, com base em aparente direito de terceiro, o que não me parece nada justo e equilibrado."

Pergunta — Como a OAB analisa esses aplicativos/plataforma digitais que compram direitos de consumidores em litígio contra empresas do setor de turismo?
Ary Raghiant Neto — O problema não está na transação em si, mas na intermediação de serviços jurídicos envolvendo alguns advogados selecionados. A escolha que deveria ser do consumidor acaba sendo transferida para a empresa que, a pretexto de adquirir direitos, na verdade, usa o consumidor para demandar nos Juizados, onde não há custo inicial, transfere-lhe uma pequena parcela do valor auferido na condenação judicial ou no eventual acordo, e paga seu próprio advogado que patrocinou o consumidor sem que tenha sido contratado por este último e com ele tenha qualquer vínculo jurídico. Perde o consumidor, perde o advogado da região onde o consumidor reside, mas a empresa (aplicativo/site) ganha em média 90%, com base em aparente direito de terceiro, o que não me parece nada justo e equilibrado.

Pergunta — Esses aplicativos exercem ilegalmente atos privativos da Advocacia? Por quê?
ARN — O Estatuto da OAB, Lei 8906, de 1994, diz que o patrocínio de ações judiciais e a consultoria na área jurídica são atos privativos de advogados inscritos na Ordem. As plataformas não estão inscritas, mas insistem em oferecer soluções jurídicas e fazem, ainda, a intermediação de serviços para advogados selecionados, afrontando a lei e exercendo atividade que não lhes cabem. Elas sabem disso, mas como não havia fiscalização e a atividade gera um grande lucro, conforme explanado no item anterior, insistem em fazê-lo de igual modo.

Pergunta — Na sua avaliação, esses aplicativos ajudam a fomentar a judicialização no país?
ARN — 
Com certeza, digo que sim. Basta ver o crescimento exponencial das demandas após a entrada no mercado das plataformas. Mas isso não preocupa a OAB, porque, se há demandas, é sinal que há conflitos que precisam encontrar a pacificação de uma ou outra maneira. O que interessa a OAB é assegurar que seja cumprida a lei para garantir ao advogado escolhido pelo consumidor o livre exercício da profissão. Hoje temos alguns escritórios concentrados nos grandes centros, atuando em milhares de demandas dessa natureza, mesmo que os consumidores residam noutras regiões do país, por conta dessa intermediação das plataformas.

Há, sem dúvida, um direcionamento para alguns profissionais que atuam para as plataformas e não para os consumidores, e isso não legal, pois a nossa legislação proíbe a intermediação.

Pergunta — A seção do Rio de Janeiro e Espírito Santo já ingressaram com ação contra esses aplicativos , com vitória preliminar no TRF-2? Pode ser um caminho para outras seccionais?
ARN — A seção do Rio e do Espírito Santo, em conjunto com o Conselho Federal da OAB, ingressarem em juízo e obtiveram liminares para sustar essa prática por parte das plataformas. O Conselho Federal hoje possui um órgão chamado Coordenação Nacional de Fiscalização que atua no plano nacional, sempre em parceria com as seccionais, para combater o exercício ilegal da advocacia e, também, para criar uma política nacional de fiscalização, oferecendo a todas as seccionais, notadamente as menores, apoio no papel fiscalizador.

Pergunta — Na opinião do senhor, no atual cenário de pandemia, esse tipo de atividade é prejudicial à advocacia, mas também a fornecedores e consumidores ?
A
RN — Em relação aos advogados, o que há é uma concentração motivada pelo direcionamento ou intermediação das plataformas para os seus próprios advogados. Basta indagar ao consumidor que outorgou a procuração, a maioria nem sabe quem é profissional que lhe patrocina. O prejuízo do consumidor está no valor das indenizações, pois quando eles cedem para as plataformas, estas pagam 10% em média daquilo que o consumidor teria direito, ficando o restante para a própria plataforma.

Pergunta — Como o senhor vê o uso da tecnologia para propor ações massivas e onerar o Judiciário?
ARN — A tecnologia é importante para filtrar informações, auxiliar na elaboração de peças processuais, na pesquisa de jurisprudência etc. Enquanto instrumento à disposição do ser humano, é de grande valia. O Judiciário também vem usando algoritmos, robôs e outras tecnologias para os seus julgamentos. É uma realidade inevitável.

Pergunta — Como a OAB vai acompanhar a atuação desses aplicativos no futuro próximo?
A
RN — A OAB Nacional está se estruturando por meio do uso de tecnologias e de investimentos em recursos humanos também, para acompanhar toda essa movimentação. A Coordenação Nacional de Fiscalização foi criada e está sendo estruturada justamente para executar essa atividade. Mas também as seccionais estão atentas aos aplicativos, de modo que a atuação dar-se-á de modo conjunto entre o Conselho Federal e as 27 OABs estaduais.

Pergunta — Há alguma orientação do Conselho Federal para seccionais e subseções?
ARN — 
Sim. Fizemos alguns eventos e seminários com o pessoal de fiscalização das seccionais, a fim de aprovar um planejamento estratégico com o foco na fiscalização e no resultado das ações conjuntas. Temos tido bastante êxito quando trocamos informações e atuamos lado a lado.

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