Opinião

Nova lei holandesa altera regime de class actions internacionais

Autores

  • Marcelo Godke

    é sócio do Godke Advogados especialista em Direito Empresarial Mercado de Capitais (securitização derivativos IPOs) Integridade Corporativa M&A Societário Project Finance Contratos Domésticos e Internacionais e em Direito dos Contratos pelo Ceu Law School professor do Insper e da Faap mestre em Direito pela Columbia University School of Law e doutorando pela Universiteit Tilburg (Holanda) e em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

  • Luciana Lie Kuguimiya

    é especialista em Direito Constitucional Direito Internacional Civil e Comercial Arbitragem Internacional e sócia do escritório Godke Advogados.

5 de fevereiro de 2021, 6h36

Em 1º de janeiro de 2020, entrou em vigor a nova lei holandesa que versa sobre class actions, facilitando pleitos reparação de danos em massa perante os tribunais daquele país (wet afwikkeling massaschade in collectieve actie). O novo sistema aproxima-se do modelo americano de class action, mas se distancia do processo coletivo brasileiro.

No regime anterior, as vítimas, representadas por fundação ou associação, poderiam requerer, em ação coletiva, apenas a obtenção de declaração judicial de responsabilidade civil ou a realização de acordo. Contudo, a efetiva reparação de danos dependia da propositura de ações individuais, criando excesso indesejado de processos versando sobre direitos que já haviam sido declarados, mas que não poderiam ser efetivados.

A novidade trazida pela lei que entrou em vigor no início deste ano refere-se à modificação procedimental, para aumentar a eficiência e a efetividade dos procedimentos coletivos, principalmente por permitir que seja feito pedido de condenação para pagamento de danos já no processo inicial, sem a necessidade de se intentar ações individuais posteriores. Ademais, no novo regime procedimental há a possibilidade de estrangeiros ingressarem na ação coletiva desde que haja concordância expressa, confirmando o caráter cosmopolita das cortes holandesas.

Note-se que a vítima residente na Holanda não é obrigada a participar do processo, podendo requerer a sua exclusão. De forma similar ao sistema americano, ao optar pela exclusão do processo, os interessados deverão intentar ações individuais imediatamente para perseguir o fim indenizatório.

Ressalte-se que a tentativa de acordo é parte obrigatória do procedimento, muito embora a sua concretização possa não ocorrer, o que não inviabiliza o prosseguimento da class action.

O sistema judiciário holandês prima por sua internacionalização e empresas de caráter multinacional ou transnacional estão sujeitas a serem processadas naquele país. Em decorrência disso, class actions muito importantes e de grande valor tramitam ou tramitaram por tribunais holandeses. Citamos, a título de exemplo, processos movidos contra Facebook, Petrobras, Volkswagem e Salesforce.

A class action holandesa difere do processo coletivo brasileiro em vários aspectos, sendo um deles a questão da competência da corte holandesa. Assim, para que uma ação coletiva seja intentada na Holanda, basta que se comprove a existência de "conexão próxima" consubstanciada em um dos seguintes requisitos alternativos: 1) maioria dos autores possui residência habitual na Holanda; ou 2) réu é residente na Holanda e circunstâncias adicionais indicam conexão suficiente com este país; ou 3) evento no qual a ação coletiva for baseada ocorreu no território holandês.

A nova lei não se aplica somente às ações coletivas em que se busca reparação monetária, podendo incidir, a título de exemplo, em questões ambientais. Dessa forma, a ação coletiva por danos em massa pode ser intentada em benefício de consumidores e empresas em casos de atos ilícitos que afetam toda uma classe, incluindo questões referentes a descumprimento contratual, infração à lei antitruste e seguros.

A fim de evitar a propositura de demandas frívolas, a nova lei impõe requisitos mais rigorosos no tocante à legitimidade ativa da class action. Assim, preliminarmente, o legitimado ativo deve provar que a class action será mais eficiente e efetiva do que a propositura de ações individuais.

Ademais, as vítimas deverão ser representadas por instituições sem fins lucrativos que possuam conselho de administração, detentoras de recursos financeiros suficientes para arcar com os custos da ação coletiva, transparentes com relação aos salários pagos aos seus empregados e às contribuições cobradas de seus membros, com experiência e conhecimento suficientes para conduzir uma class action e que forneçam mecanismos de tomada de decisão por parte das pessoas cujos interesses são representados. Exige-se, ainda, que a substituta processual possua um website de acesso público contendo informações referentes à governança, às formas de ingresso na instituição pelos interessados, ao método de trabalho e ao fim perseguido pela instituição. A corte competente pode extinguir o processo caso: 1) o autor da ação não demonstre suficientes questões de fato; 2) a classe representada seja demasiadamente pequena; 3) os interesses econômicos envolvidos sejam módicos; ou 4) a demanda seja prima facie infundada.

Em suma, as modificações introduzidas pela nova lei representam uma mudança significativa da configuração da class action holandesa, prestigiando a facilitação do acesso à Justiça e a economia processual.

A Holanda, conhecida por ter baixíssimos níveis de corrupção e por ter Judiciário composto por juízes competentes, preparados e independentes, torna-se, assim, o centro mundial das reparações coletivas de danos, de maneira eficiente e a proteger consumidores e investidores ao redor do mundo.

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    é sócio de Godke Advogados, especialista em Direito Empresarial, professor do Insper, do CEU Law School, da Faculdade Belavista e palestrante da FGV e do Ibmec.

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    é especialista em Direito Constitucional, Direito Internacional Civil e Comercial, Arbitragem Internacional e sócia do escritório Godke Advogados.

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