Opinião

É possível esquecer? A importante missão do Supremo Tribunal Federal

Autor

  • Kayo César Araújo da Silva

    é advogado mestre em Direito Constitucional pelo IDP/DF professor de Direito Constitucional Administrativo e Eleitoral e membro pesquisador dos grupos de pesquisa “Observatório do Financiamento Eleitoral” e “Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988”.

5 de fevereiro de 2021, 12h14

Se antes a informação que era entregue pela imprensa perdia, ao final do dia, profundidade no senso coletivo da sociedade, hoje, com a internet, o acesso do interessado à informação acaba sendo separando por um único clique na tela de seu smartphone.

Foi inserido nesse ambiente de acesso instantâneo à informação que o Supremo Tribunal Federal, na quarta-feira (3/2), começou a julgar o Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ buscando aferir se há, no ambiente constitucional, um direito de ser esquecido.

Apesar de o processo subjetivo ter relação com a discussão sobre a legalidade da veiculação do "Linha Direta Justiça", da TV Globo, que decidiu reviver, de maneira sensacionalista (característica típica de programas ruins), o assassinato de Aída Curi, em 1958, o recurso extraordinário com repercussão geral conhecida [1] pode dar contornos interessantes à temática.

Quem advoga a favor do direito ao esquecimento sustenta haver um direito fundamental do cidadão em não permitir que um fato ocorrido no passado — ainda que verdadeiro — venha a ser exposto pela atividade jornalística, tendo como fundamento a supressão da publicação e a percepção de que haverá transtornos e/ou sofrimentos a intimidade, vida privada, honra e imagem do cidadão diante da ausência do interesse público na publicação da referida informação.

Esse entendimento provoca, de plano, tensão com o tipo de liberdade de expressão e comunicação inscrito pelo constituinte em 1987.

Não pode (ou melhor, não deve) o STF, julgar esse recurso extraordinário interpretando o "(…) Direito em tiras, aos pedaços" [2]. Ao considerar a Constituição como uma unidade, não se pode cerrar os olhos para as limitações que, evidentemente, são lançadas pela própria Constituição brasileira, concebida por diversas pautas, entre as quais destacam-se a democratização da opinião, o fim da censura e a responsabilização de tudo o que ofender.

A história jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal perfila dois conjuntos de informações que, ao serem observados, podem auxiliar o intérprete no entendimento dos caminhos desse processo.

Enquanto, por um lado, já há uma série de decisões monocráticas que buscam proteger o cidadão que foi condenado no passado e que hoje, mesmo ultrapassada a exigência de tempo descrito pelo Código Penal, segue recebendo efeitos contínuos e perpétuos daquela condenação [3], do outro, o Plenário há mais de dez anos vem assentando o andar livre e desembaraçado das publicações.

Ao julgar a ADPF n° 130, o plenário do STF decidiu afastar do ordenamento jurídico a famigerada Lei de Imprensa, uma vez que ela, se seguisse vigente, acabaria por reduzir o âmbito de normatividade, não garantindo a eficácia plena e a aplicabilidade imediata do direito fundamental à comunicação.

Foi por um caminho também semelhante que o plenário, ao julgar a ADI n° 4815, acabou dispensando as biografias da exigência de prévia autorização para a circulação.

Nesses dois julgados, ficou claro o livre andar do conteúdo, bem como o direito de reparação dos que forem lesados com a publicação.

Esse fato em si evidencia a inexistência de prevalência abstrata de um direito fundamental sobre outro, devendo, para a solução, ser considerado que tipo, lugar e circunstância em que a notícia foi construída e se, naquela ocasião, utilizou-se regularmente o direito à comunicação.

Tomando como base o princípio da responsividade inserta no texto constitucional, o responsável pela publicação deve ser cauteloso na utilização das informações e, em sendo problemáticas, inverídicas ofensivas, e ausente de interesse público, deve o Judiciário reconhecer o abuso e responsabilizar quem provocou o ilícito, seja no âmbito cível, administrativo e/ou criminal.

Anexo a isso, a Suprema Corte brasileira não pode, a pretexto de proteger um direito (?), autorizar que atos sejam censurados, prática deliberadamente vetada aqui há quase 33 anos.

Ao agir assim, a prática acabaria por transformar o Poder Judiciário num grande censor de ideias, da história e do destino de cada um de nós, prejudicando ainda mais a memória de um país que segue sem lembrar das marcas de seu passado.

O assunto é grave e tem o Supremo Tribunal Federal importante missão de pacificar a questão.

Eis, aqui, uma leitura constitucionalmente possível.

 


[1] Tema n° 786 – Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares.

[2] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 34

[3] Exemplos desse tipo: ARE n° 1004569 – Rel. Min. Fachin, HC n° 139321 – Rel. Min. Gilmar Mendes, e HC n° 131945 – Rel. Min. Dias Toffoli.

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