Opinião

Estamos diante de um novo normal?

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4 de fevereiro de 2021, 20h51

Imagine que você contrate um advogado para ingressar com demanda trabalhista contra empresa na qual laborou por anos e da qual saiu sem receber um tostão.

Seu processo cai na Vara do Trabalho X. O processo tem o seu trâmite normal e o juiz o julga improcedente, e você ainda é condenado a pagar honorários advocatícios para o advogado da empresa.

Você fica chateado e, claro, acredita que a culpa foi do advogado que contratou. Só que tempos depois você acaba descobrindo, por meio de reportagem da imprensa, que o juiz da causa e o advogado da empresa eram bem próximos, trocavam mensagens pelo WhatsApp e, pasme: ficou demonstrado que o magistrado orientava esse advogado.

Nas conversas que foram vazadas, o juiz perguntava ao advogado, antes de ele protocolar a contestação, se ela "estava robusta o suficiente". Disse ainda para que buscassem limitar o depoimento da testemunha Y, a fim de que ela não falasse coisas alheias ao processo e que pudessem prejudicar a empresa em outros procedimentos. Além disso, tinha muitas outras coisas.

Diga com sinceridade: como você se sentiria? Acharia que esse diálogo foi normal? Ou se sentiria prejudicado? Buscaria a nulidade da sentença que foi julgada em seu desfavor?

Pois é. Assim foram as conversas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol.

Muitos juristas de peso fizeram os seus comentários sobre os trechos dos diálogos entre os dois. Mas me espanta o silêncio ensurdecedor de alguns colegas, de algumas entidades de classe, de algumas seccionais da OAB. Por coisas bem menos graves do que essas notas foram escritas, manifestações foram levadas a efeito. Mas com esse episódio claro de parcialidade do juiz, de desequilíbrio das armas dentro de um processo judicial, não houve tanto barulho.

Não há problema algum em conversar com o juiz da causa, em apresentar memoriais escritos, em reforçar um argumento feito na petição. Tal proceder é normal, e eu mesmo faço isso constantemente.

Outra coisa, totalmente diferente, é essa troca de figurinhas, essa orientação clara de como agir, esse tratamento que não é nada republicano.

No WhatsApp, nos grupos de advogados dos quais participo, pouco se falou sobre isso. Aqueles que não minimizaram, silenciaram. Tenho enorme preocupação com a normalização desse tipo de relação entre uma das partes e o juiz do processo.

Só falta eu ouvir dizer que esse é o "novo normal", expressão da moda que eu simplesmente abomino. Não tem velho normal e novo normal. Ou é normal ou não é. Simples assim. E esses diálogos não foram normais!

Aqui não está se fazendo a defesa do ex-presidente Lula (embora alguns acharão isso independentemente do que eu diga). A defesa aqui é do que diz a Constituição Federal e do que estabelece a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, que cada advogado, no dia que recebeu a sua carteira, prometeu solenemente defender.

E se isso aconteceu em processo no qual uma das partes é um homem que já foi a maior autoridade do Brasil, defendido por vários dos melhores advogados do país, o que pode acontecer com alguém do Acre defendido pelo desconhecido advogado Thalles Vinícius?

Nem quero imaginar!

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    é advogado, consultor jurídico da Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Ensino, Pesquisa, Extensão Universitária no Acre (Fundape), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e pós-graduando em Direito Público pelo Instituto Elpídio Donizetti.

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