
Reprodução
Para que alguém seja processado e condenado pelo crime de desobediência, não basta que desobedeça a uma ordem emitida por funcionário público. A desobediência só é caracterizada se a ordem é legal. Caso contrário, não é possível falar em crime. Essa foi a premissa usada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para trancar ação penal contra a advogada Daniela Nobre Coelho da Costa, processada por usar o telefone celular durante uma audiência trabalhista.
Na decisão, tomada nesta quarta-feira (3/2), o ministro Gilmar Mendes registrou que o artigo 367 do Código de Processo Civil permite a gravação de audiências por qualquer das partes do processo. Em seu parágrafo 5°, o texto legal fixa que "a audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico". E o parágrafo 6° estabelece que a gravação "pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial".
"Não me parece razoável que o legislador tenha garantido a gravação da audiência, independentemente de autorização judicial, e, ao mesmo tempo, identifique como crime o ato de usar o celular, quando o juiz determina que ele não seja usado", afirmou Mendes. Ainda segundo o ministro do Supremo, não há subordinação entre advogado e juiz em audiências.
A advogada Daniela Nobre Coelho da Costa foi processada a pedido do juiz Alexandre Knorst, da 3ª Vara do Trabalho do Fórum da Zona Leste de São Paulo. O juiz fez referência aos avisos alocados na porta das salas do fórum: "Na sala de audiência, desligue o celular". Para Knorst, "embora inexista lei que expressamente proíba a utilização de equipamentos de telecomunicação durante a audiência", a proibição de usar o aparelho é lícita porque "compete ao juiz, exercendo o poder de polícia, manter a ordem na audiência, e cumprir e fazer cumprir as determinações legais, como aquelas relativas a proibição das partes que ainda não depuseram tomarem conhecimento dos atos processuais já praticados".
Como a advogada insistiu em usar o aparelho, o juiz suspendeu a audiência e requisitou ao Ministério Público a abertura de inquérito para apuração do crime de desacato a autoridade federal. No caso, ao próprio juiz. O inquérito, depois, reclassificou a ação e a advogada foi processada pelo crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal: "Desobedecer a ordem legal de funcionário público. Pena — detenção, de quinze dias a seis meses, e multa".
No pedido de Habeas Corpus impetrado no Supremo, a defesa de Daniela afirmou que não se comprovou, em momento algum, a alegação de que a profissional fazia mau uso do celular. A acusação estaria "alicerçada nas informações vazias do juiz do trabalho", de que a advogada passara, por meio do celular, informações para testemunhas ou partes ainda não ouvidas do processo. Segundo o HC, ela apenas exerceu plenamente as suas prerrogativas. E que advogada usa do celular para acessar dados, documentos e cópias de processos em PDF, justamente por fazer muitas audiências trabalhistas.
Gilmar Mendes acolheu os argumentos. Para o ministro, ainda que caiba ao juiz conduzir a audiência e exercer poder de polícia, "há outras medidas administrativas previstas para aquele que, sendo parte ou advogado, tumultue o andamento dos atos solenes". Por isso, determinou que a ação penal seja trancada.
Clique aqui para ler a decisão
HC 194.092
Comentários de leitores
6 comentários
Puro abuso de autoridade
João Bosco de souza Coutinho (Advogado Sócio de Escritório)
Deve a advogada processar esse “juiz” por abuso de autoridade...
Não dá pra entender
olhovivo (Outros)
E ainda tem advogado que vomita críticas ao min. Gilmar. Só mesmo néscios jurídicos.
Decisão exemplar (1)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
A decisão expõe com primor os fundamentos jurídicos (legais) que arrebatam na raiz a imputação criminal à advogada.
Tão claros e cristalinos são as bases legais que não se compreende como o juízes das instâncias anteriores os desconheçam, ou os não enxergue.
Por mais que se admita a possibilidade de divergência de entendimento, fundada na discrepância de interpretação, o que é sempre subjetivo, mesmo isso tem limite. O contraforte da interpretação subjetiva é a evidente objetividade da norma jurídica em sua literalidade, que decorre da interpretação do texto legal segundo o significado das palavras, as quais, como já dizia Lord Denning, devem ser sempre entendidas no sentido corrente e usual, comum ao vulgo ou ao destinatário da norma, pois do contrário perde o tegumento vinculante da conduta e do comportamento desse mesmo destinatário. Por isso que toda norma legal, todo texto legal deve ser interpretado, antes de tudo, gramaticalmente: primeiro no eixo sintagmático, depois no eixo paradigmático. Somente se disso resultar um absurdo inexequível ou incompatível com outras normas ou preceitos do ordenamento é que se passa à interpretação mais elaborada segundo os cânones e princípios da hermenêutica jurídica, cuja técnica escapa ao leigo, que de regra é o destinatário do preceito legal.
Disso resulta uma única conclusão possível. A denúncia e as decisões proferidas pelas instâncias anteriores só podem ser explicadas numa vontade subjetiva tão arbitrária quanto tirânica que nutrem aqueles que as proferiram de fazer o advogado ajoelhar-se, como se súditos fossem daqueles juízes, a despeito de a lei expressamente preceituar que não há hierarquia nem subordinação entre uns e outros. Por que é tão difícil a alguns juízes entenderem isso? (continua)…
Comentários encerrados em 12/02/2021.
A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.