Estratégias à vista

Defesa de Trump pede extinção do processo de impeachment

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4 de fevereiro de 2021, 11h33

O Senado dos EUA já recebeu as alegações iniciais, por escrito, da acusação e da defesa, para o julgamento do ex-presidente Donald Trump, que começa em 9 de fevereiro. Os documentos deixam bem claro a estratégia das partes. A defesa vai atacar possíveis falhas nos procedimentos processuais e se defender, como pode, no mérito. A acusação vai fazer o inverso: atacar no mérito e se defender de supostas falhas nos procedimentos processuais.

Michael Vadon
Se a defesa for bem-sucedida no ataque aos supostos problemas processuais, irá matar o processo de impeachment no nascedouro. A maioria dos senadores republicanos, que quer proteger Trump contra uma condenação e subsequente cassação de seus direitos políticos porque isso é um grande risco eleitoral para eles, torce para isso acontecer. Será complicado votar a favor de Trump, em julgamento do mérito.

No documento de apenas 14 páginas que enviou ao Senado, a defesa apresenta oito alegações (a defesa usa o termo averments, que é sinônimo de allegations). Cada um deles discute um aspecto das acusações, mas todos desaguam no argumento da inconstitucionalidade do julgamento do impeachment de Trump pelo Senado, por um motivo ou outro.

O primeiro argumento da defesa — e o mais sustentado — é o de que o impeachment é previsto na Constituição para remover uma autoridade pública do cargo. E não se pode remover do cargo um ex-presidente, que não mais o ocupa. Nesse caso, o Senado vai julgar um cidadão privado. E o Senado não tem jurisdição para julgar cidadãos privados.

Com base nesse entendimento, a defesa pede a extinção do processo de impeachment, por estar prejudicado.

No documento de 77 páginas que a acusação encaminhou ao Senado, a acusação vai, obviamente, defender a constitucionalidade do julgamento. Apesar de Trump ter cometido o crime de incitar uma insurreição já no período de transição do governo (no início do ano), não há "exceção de janeiro" prevista na Constituição, que garanta imunidade à Trump.

O argumento é o de que os constituintes não pretenderam dar carta branca a um presidente, nos dias finais de seu governo, para cometer delitos como abuso de poder, violação de juramento e incitação de insurreição contra o governo dos Estados Unidos. E poderá apresentar pareceres de muitos juristas que defendem a constitucionalidade do impeachment — embora a defesa também diga que dispõe de pareceres contrários.

Aliás, dezenas de juristas assinaram uma carta, declarando que Trump pode ser condenado em um julgamento pós-presidência. Alguns dos signatários são membros da poderosa Federalist Society, uma organização conservadora que ajudou o ex-presidente a escolher os três ministros que nomeou para a Suprema Corte e centenas de juízes federais.

Outra sustentação de inconstitucionalidade do processo seria o de que os deputados federais (os "promotores" no julgamento) negaram o devido processo ao ex-presidente, quando prepararam o artigo de impeachment (ou de acusação), antes da votação em plenário. Os deputados teriam "pulado" o trabalho de investigação das comissões da Casa, em que são apresentados fatos, provas e testemunhos ou depoimentos.

A acusação irá se defender dizendo que essa parte foi feita a toque de caixa, mas foi feita. E foi o Comitê Judiciário que preparou o artigo de impeachment que foi encaminhado ao Senado. Além disso, o impeachment foi aprovado na Câmara com apoio bipartidário — dez deputados republicanos votaram a favor do impeachment.

No que se refere ao mérito, a acusação se mostra bem mais forte do que a defesa. Começa relatando os esforços do ex-presidente para inflamar seus partidários, assim que a contagem dos votos indicou a vitória de Joe Biden, com discursos, declarações e mensagens pelo Twitter. Depois, vieram convocações para o comício de 6 de janeiro, o dia da invasão do Congresso. E as palavras dele nesse comício, que teriam incitado a "turba" à insurreição.

A defesa alega, em seu documento, que Trump sugeriu uma marcha pacífica para o Congresso, para protestar contra a homologação dos votos do Colégio Eleitoral. A acusação diz que isso é verdade. Mas, sem seguida, veio a sua retórica inflamatória.

Depois de estimular seus partidários a marchar para o Congresso, ele disse, entre outras coisas: "Lutem como um inferno ou vocês não terão mais um país"; "Vocês nunca terão seu país de volta se mostrarem fraqueza. Vocês devem mostrar força e devem ser fortes".

Pessoas na audiência gritavam: "Vamos tomar o Capitólio" (prédio do Congresso); "Vamos invadir o Capitólio"; "Lutemos por Trump". Segundo a acusação, em vez de tentar serenar os ânimos e conter a invasão, Trump disse simplesmente: "Obrigado".

Também estimulados por Trump, os invasores queriam "enforcar" o vice-presidente Mike Pence, um traidor, porque ele se recusou a reverter o resultado das eleições na sessão conjunta do Congresso, com o argumento de que a Constituição não lhe dava esse poder.

A acusação diz que ouviu de pessoas da Casa Branca que Trump se deleitava com a ação dos invasores no Congresso. E só sob muita pressão, ele enviou uma mensagem, pedindo aos invasores que voltassem para casa "com amor e em paz".

A defesa alega, sobre o que constituiria uma incitação à insurreição, que o ex-presidente apenas exerceu o seu direito à liberdade de expressão, previsto na Primeira Emenda da Constituição. Mas se sabe que incitação à violência não é protegida por esse direito.

Curiosidade
A Constituição dos EUA diz que o presidente, o vice-presidente e funcionários civis dos Estados Unidos podem ser destituídos de seus cargos por motivo de acusação e condenação por traição, suborno e altos crimes e contravenções penais [high crimes and misdemeanors].

O professor da Faculdade de Direito da Universidade do Missouri, Frank Bowman III, escreveu em um artigo para o The Atlantic, que essa é a expressão mais problemática e enganosa da Constituição. Ninguém sabe exatamente o que significa.

Com origem nos anos 1700, "altos crimes" pode sequer ser um crime previsto em lei. Pode ser, por exemplo, uma quebra de confiança pública ou um não cumprimento do dever que, segundo um julgamento do Congresso, deve resultar em afastamento da autoridade para o bem de todos. É possível, ainda, que o adjetivo "high" (alto/alta) se refira à má conduta de altas autoridades.

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