Odisseia processual

TSE confirma recebimento de denúncia contra Marconi Perillo 15 anos após crimes

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3 de fevereiro de 2021, 8h47

Por unanimidade, o Tribunal Superior Eleitoral negou provimento a recurso em Habeas Corpus ajuizado pela defesa do ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, e confirmou o recebimento da denúncia contra ele, por crimes praticados na campanha eleitoral de 2006, quando foi eleito ao Senado Federal.

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Ex-governador, Marconi Perillo responderá por crime eleitoral susposamente cometido há 15 anos, quando concorreu ao Senado

O julgamento foi retomado na noite de terça-feira (2/2), com voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou o relator, ministro Sérgio Banhos. A corte afastou a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva e negou o trancamento da ação penal eleitoral por entender que somente após a instrução é possível a perfeita delimitação da situação narrada na denúncia.

Perillo é acusado de quatro crimes, supostamente cometidos há 15 anos: associação criminosa, fraude processual, falsidade ideológica eleitoral e peculato. Dentre as condutas, ele teria adulterado documentos públicos e particulares para simular a regularidade das prestações de contas apresentadas à Justiça Eleitoral e também usado servidores públicos em trabalhos de campanha e aeronaves públicas para fins particulares.

O caso se arrastou por uma década e meia porque tramitou em meio a mudanças jurisprudenciais quanto a prerrogativa de foro e requisitos para processamento de autoridades. A denúncia inicialmente oferecida ao Supremo Tribunal Federal tramitou também no Superior Tribunal de Justiça até ser baixada e recebida pela 133ª Vara Eleitoral de Goiânia.

Ao analisar o caso, o TSE afastou tese apresentada pelo advogado de Perillo, Antonio Carlos de Almeida Castro, que foi definida pelos ministros como engenhosa, mas que tem sido refutada pelas cortes superiores. Um dia antes de se tornar réu, Perillo participou de reunião com líderes do PSDB goiano e definiu que será candidato a deputado federal em 2022.

Roberto Jayme/TSE
TSE afastou ocorrência da prescrição da pretensão punitiva no caso concreto
Roberto Jayme/Ascom/TSE

Histórico conturbado
Perillo era governador de Goiás em 2006, quando supostamente cometeu os crimes depois de deixar o cargo para concorrer ao Senado. A denúncia foi oferecida ao Supremo em 2008 e tinha como corréu Alcides Rodrigues, que fora eleito para o governo goiano com seu apoio.

Por conta disso, o STF decidiu pelo desmembramento do processo, para que Alcides fosse processado pelo STJ, por ocupar o cargo de governador. A decisão, no entanto, não foi cumprida, e os autos só chegaram à corte infraconstitucional em 2011, por decisão do ministro Ricardo Lewnadowski, mas por outro motivo: Perillo já era novamente governador goiano.

A defesa de Perillo então apontou que a Emenda Constitucional 46/2010 do estado de Goiás incluiu a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para instauração de ação penal contra o governador do Estado. Relator no STJ, o ministro César Asfor Rocha determinou expedição de ofício à casa em 18 de agosto de 2011.

O documento foi recebido pela Assembleia em 29 de agosto. Como não recebeu resposta, o ministro determinou, em junho, a suspensão da ação e do curso da prescrição. A decisão foi tomada com base em jurisprudência do STJ motivada exatamente pela relutância das assembleias legislativas em admitir o processamento de seus governadores.

Em 2017, a situação mudou porque o STF derrubou essa exigência de autorização da Assembleia Legislativa, ao julgar quatro ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema. Ao ser informado, o STJ retomou o curso da ação penal, e a defesa de Perillo chegou a oferecer resposta à acusação.

No início de 2018, no entanto, ele renunciou ao cargo de governador de Goiás para concorrer novamente ao Senado. Sem prerrogativa de foro, a ação teve a competência novamente alterada, sendo enviada à primeira instância da Justiça Eleitoral goiana. A denúncia foi recebida em julho de 2018, decisão contestada até sua confirmação pelo TSE, na noite de segunda-feira.

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Relator, ministro Sérgio Banhos foi seguido à unanimidade pelos colegas de TSE
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Teses engenhosas
Ao TSE, o advogado pediu a aplicação do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. O suposto crime ocorreu antes da emenda que alterou a Constituição estadual para exigir a autorização da Assembleia Legislativa. Foi essa mudança que, ao fim e ao cabo, levou o STJ a entender que, enquanto a autorização não viesse, a prescrição seria interrompida. Logo, ela prejudicou o réu.

Ou seja, a lei posterior ao fato levou à alteração do regime jurídico da prescrição e acabou sendo desfavorável ao réu, pois dificultou sua implementação, ao motivar nova hipótese de suspensão do prazo prescricional.

Alternativamente, apontou que a declaração de inconstitucionalidade das emendas que tratam da matéria foi feita sem modulação, o que significa que todos os efeitos de sua vigência foram desconstituídos. Assim, a suspensão da prescrição não pode ser mantida, pois foi tomada com base em norma de inconstitucionalidade reconhecida.

Ao iniciar o julgamento do recurso, em 3 de setembro, o ministro Banhos afastou a primeira alegação porque a necessidade de autorização prévia para processar governador jamais foi entendida como norma penal. Era, na verdade, norma processual, e assim entrou em vigor imediatamente. Quando a denúncia foi recebida, ela já vigorava.

A tese da modulação também foi recusada pelo TSE porque a prescrição decorre da inércia do órgão estatal. E não há inércia se, por causa da Assembleia Legislativa de Goiás, o Ministério Público não pôde denunciar o então governador. "Não me parece que podemos imputar qualquer inércia ao órgão estatal", disse o ministro Alexandre de Moraes.

RHC 0600364-98.2019.6.09.0000

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