Rastros da história

Toffoli começa a votar sobre existência do direito ao esquecimento

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3 de fevereiro de 2021, 18h40

O Supremo Tribunal Federal começou a discutir, nesta quarta-feira (3/2), a aplicação do direito ao esquecimento na esfera cível invocado pela própria vítima ou por seus familiares. 

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Para Toffoli, Supremo deve responder se existe ou não direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro
Fellipe Sampaio/STF

O relator, ministro Dias Toffoli, apresentou o início de seu voto, com a parte histórica. Antes, falaram as partes e os amicus curiae. O julgamento foi suspenso e seguirá nesta quinta, quando o relator deverá apresentar a segunda parte do voto e responder à questão: existe ou não direito ao esquecimento?

Toffoli adiantou que vai sugerir uma tese que possa ser aplicada independentemente da plataforma, valendo para internet e outras mídias.

O recurso chegou ao Supremo ajuizado pelos irmãos de Aída Curi, vítima de um crime de grande repercussão praticado nos anos 1950 no Rio de Janeiro. Eles buscam reparação da TV Globo pela reconstituição do caso no programa televisivo Linha Direta sem a autorização da família. O programa foi exibido nos anos 2000.

Nessa quarta, o advogado da família, Roberto Algranti Filho, defendeu que não há precedentes para impedir o reconhecimento ao direito ao esquecimento. Ele ressaltou as consequências negativas que a veiculação do crime gera para a família, como estresse pós-traumático.

Algranti Filho discordou de quem afirma que o direito ao esquecimento se equipara à "queima de livros". Para ele, o caso trata da esfera individual e a aplicação do esquecimento não vai interferir na liberdade de expressão da imprensa, além de já ter sido reconhecida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Já a defesa da TV Globo, feita pelo advogado Gustavo Binenbojm, defendeu o direito de informar, de se informar e de ser informado e frisou que o direito ao esquecimento não é previsto em lei. 

De acordo com o advogado, a vontade do titular e decurso do tempo não podem justificar o apagamento de fatos da memória coletiva. O direito à informação, disse, “não está submetido pela Constituição a nenhuma espécie de decadência ou prescrição. O mero desejo de não ser lembrado não configura direito fundamental."

Histórico do caso
Os irmãos de Aída Curi questionam a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que entendeu que a Constituição Federal garante a livre expressão de comunicação, independentemente de censura ou licença. 

TJRJ
TJ do Rio entendeu que emissora cumpriu função social ao informar sobre o caso

Os desembargadores definiram que a obrigação de indenizar ocorre apenas quando o uso da imagem ou de informações atingirem a honra da pessoa retratada tiverem fins comerciais. Ainda segundo o TJ-RJ, a Globo cumpriu sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o caso.

No Supremo, os ministros reconheceram a repercussão geral da matéria em junho de 2017. Toffoli apontou à época que a corte teria de sopesar, de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação e, de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus desdobramentos, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada.

O ministro Luís Roberto Barroso declarou suspeição e não participará do julgamento. 

Sem previsão em lei
No Brasil, esse direito ao esquecimento não consta de nenhuma lei — foi criado por juízes. Esse foi um dos pontos mais citados nas manifestações de amigos da corte.

O advogado Carlos Affonso de Souza Neto, representando o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, destacou que a previsão desse direito não consta nem no Marco Civil da Internet, nem na Lei Geral de Proteção de Dados. Para ele, o recurso no caso Aída Curi não pode gerar censura ou restrição ao acesso à informação.

Como mostrou reportagem da ConJur, a ideia nasceu formalmente de proposta do desembargador Rogério Fialho Moreira, do Tribunal Regional da 5ª Região, e se transformou em enunciado da 6ª Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, que aconteceu em 2013. "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento", dizia o Enunciado 531. 

Mas menos de dois meses depois, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a tese do direito ao esquecimento à imprensa. Em dois processos contra a TV Globo, deu razão aos autores: eles tinham direitos de ser esquecidos pela maior emissora de TV do Brasil. Em um dos casos, condenou a Globo a indenizar o autor.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
STF reconheceu repercussão geral no tema em 2017
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Limitação problemática
O debate do esquecimento também esbarra na imprensa, que defende a liberdade ampla de expressão, e seus alvos, que exigem a supressão de textos, verdadeiros ou não. 

A advogada Taís Borja Gasparian, representando a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), chamou a atenção para os registros de pedido de desindexação ou para retirada de conteúdo do ar por políticos. Segundo ela, em anos de eleição tais pedidos disparam e não podem servir para apagar a história.

"Não se pode impor a quem quer que seja, um dever de esquecer um ato ilícito ou desabonador cometido por outrem. O direito à memória, dotado do mais alto interesse público, é diametralmente oposto à imposição de um dever de esquecimento”, afirmou a advogada Adriele Pinheiro Reis Ayres Britto, do Instituto Vladimir Herzog.

Outro ponto de grande controvérsia trata dos reflexos do esquecimento na internet. Representando o Yahoo do Brasil, o advogado André Zonaro Giaccheta defendeu que a medida pode criar uma "indústria do esquecimento" e trazer problemas do que soluções.

O advogado José Eduardo Cardozo falou pelo Instituto de Direito Partidário e Político (Pluris). Ele argumentou que o caso trata dos limites ao direito ao esquecimento e não sobre a possibilidade de sua aplicação, pois já faz parte do Estado de Direito.

O vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros entende que o recurso deve ser negado. Para ele, é exagerada a pretensão de que o “jurídico possa se descolar da realidade, do factual e do histórico”.  

Clique aqui para ler a parte inicial do voto do relator
RE 1.010.606

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