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Consequencialismo e Direito: a ação política da "lava jato"

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1 de fevereiro de 2021, 19h57

O consequencialismo procura identificar os resultados de uma conduta como elemento de validação da mesma. É o que nos indica, em relação ao Estado, o princípio da eficiência do artigo 37 da Constituição que, ao invés da legitimação antecedente da moralidade, legalidade, publicidade e impessoalidade, valida o ato administrativo pelo resultado consequente da prática do ato.

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No âmbito da ética o consequencialismo é identificado na doutrina de Jeremy Bentham e Stuart Mill em que afirmam que uma ação é moralmente valiosa (útil) pelo efeito de elevar o bem estar da coletividade. Ao contrário, o imperativo categórico de Kant estabelece que uma conduta moralmente valiosa é aquela em que o indivíduo age a partir de um princípio objetivamente universal, independente de outra finalidade (ou consequência). A ideia de uma validação moral antecedente da conduta e não subsequente, tem pautado o debate sobre moral e representa um desafio constante para avaliar a ação humana.

Na multiplicidade de ambientes sociais em que a ação humana é realizada, há uma constante convivência e, muitas vezes, conflito nas escolhas que os dois paradigmas legitimam. Todavia, cada um dos sistemas, conforme o ambiente em que operam, tendem a prevalecer sobre o outro. No ambiente político, o consequencialismo representa um forte presença legitimadora das decisões tomadas, já que é um ambiente de composição  e de intensa legitimação entre atores que possuem perspectivas e princípios (que consideram universais)  diferentes. A apropriação consequente de uma escolha ou decisão acaba por ser um fator de validação universal da ação política.

No âmbito do direito, por sua vez, o imperativo categórico tende a predominar. Isso porque o Direito surge como instrumento de contenção e limitação do poder (e consequentemente do agir político). O Direito parte de princípios universais construídos na história humana que buscam exprimir um sentido de Justiça, valor universal em si. Portanto, desde a Lei do Talião que procurava a proporcionalidade entre o dano causado e a pena aplicada ("olho por olho"), passando pelo Carta Magna que  premia a imparcialidade no julgamento de uma pessoa apenas pelos seus pares, o que gerou o instituto do Júri, e o princípio do Juiz imparcial (não uma mera expressão do poder do Rei), o Direito evoluiu como um sistema de controle do poder em busca de implementar a Justiça, fundamento da própria paz social. Quando a aplicação do Direito afasta-se destes princípios a consequência natural é a perda de legitimidade do Estado e a predominância do poder político nas decisões afetas à Justiça.

Assim, não é fato menor o que aconteceu com a "lava jato". Ação de investigação e de denúncia criminal, tornou-se uma ação política em que "o fins justificam os meios". Com isto, o comportamento daqueles que agem em nome do Estado, seja o Ministério Público, a Polícia ou o Juiz, acabam vendo a sua conduta justificada pelo objetivo que almejam. O meios são relativizados em favor de fins que entendem indispensáveis. Só que os agentes de justiça, assim considerados no artigo 133 e seguintes da Constituição, agem a partir de pressupostos que são fontes de legitimação constituídas na história humana como limitadores do arbítrio do poder. Não existe justiça sem esses limites, obtidos em revoluções e, nas palavras de Winston Churchil, aqui usadas com certa liberalidade, "com suor, sangue e lágrimas".

Ao ler os diálogos entre o então Juiz  Moro e o Promotor Deltan, não consigo expressar outro sentimento do que a revolta. Ninguém que defende a operação Lava Jato pode defender a conduta que eles praticaram. Quebram os exatos princípios de integridade que aparentemente queriam defender. E nenhum cidadão que estivesse na situação de acusado no ambiente de congraçamento entre o Juiz e Promotor, como o que agora se revela, teria outra palavra a expressar sua situação do que o sentimento de revolta. A frase popular de "pimenta no olho do outro é colírio" expressa bem a posição daqueles que ainda defendem o que ocorreu. O problema é que pimenta é pimenta e não colírio. E ela pode voltar-se contra qualquer um.

No final, só consigo lembrar a frase do Promotor ao Juiz que, para mim, retrata com tristeza a tragédia do sistema jurídico brasileiro: "Obrigado por informar".

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