Opinião

O acordo de não persecução civil nas ações civis públicas por improbidade em curso

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

1 de fevereiro de 2021, 6h33

O artigo 17 da Lei nº 8.429/92, com a alteração trazida pela Lei nº 13.964/19 (lei "anticrime"), trouxe a possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível nas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa.

No que se refere aos inquéritos civis em andamento e às demais investigações nas quais ainda não ocorreu a propositura da ação civil pública para o ato de improbidade administrativa, não há dúvidas quanto à aplicação das novas regras que possibilitam a celebração de acordo de não persecução civil, isso porque tais normas vêm a confirmar a posição já difundida pela doutrina quanto à possibilidade de celebração de acordos nesse tipo de ação, sob o fundamento de que havia ocorrido a derrogação tácita da vedação contida no antigo artigo 17 da Lei nº 8.429/92, tendo em vista que leis criminais (que também tratam de direitos e bens indisponíveis) posteriores à lei que trata da improbidade administrativa preveem a possibilidade de realização de acordos que afastam a punibilidade nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, da Lei nº 12.850/13, que dispõe sobre as organizações criminosas, e ainda da Lei nº 12. 846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, mais conhecida como Lei Anticorrupção.

Diante desse quadro, pode-se concluir que a vedação de celebração de transação no âmbito da ação de improbidade administrativa decorreu do momento histórico e legal na qual foi criada, no qual não existiam exceções ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública, uma vez que a Lei nº 9.099/95 só veio a ser promulgada três anos após, bem como o fato de ainda não existir, à época, uma regulamentação consistente acerca das modalidades de soluções alternativas de conflitos, que também veio ocorrer alguns anos após, tendo sua maior expressão com a promulgação da Lei nº 13.140/15 e o atual Código de Processo Civil, o qual possui como um dos seus princípios basilares a conciliação.

De igual modo, a Resolução nº 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já trazia autorização para que seus membros celebrassem termos de ajustamento de conduta no âmbito da ação de improbidade administrativa.

Dessa forma, verificamos que a possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível no âmbito da ação civil pública por ato de improbidade administrativa é um tema já superado, conforme a pequena exposição trazida acima.

No entanto, em relação ao acordo de não persecução penal há, atualmente, uma divergência entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, quando à possibilidade de sua celebração nos casos nos quais já houve denúncia ou condenação, ou seja, na verdade se discute se a natureza da norma é processual ou penal, de modo que possa ou não vir a retroagir.

Assim, faz-se necessário, então, questionar se é possível a celebração do acordo de não persecução cível nos casos nos quais já houve o recebimento da petição inicial ou a condenação por ato de improbidade administrativa.

O diploma legal que alterou a Lei nº 8.429/92 (Lei nº 13.964/19, lei "anticrime") é uma lei eminentemente processual, razão pela deve ser aplicada aos processos que se encontram em trâmite, observada a respectiva fase processual.

Assim, às alterações de natureza processual deve ser aplicado o princípio do tempus regit actum, segundo o qual os atos jurídicos regem-se pela lei da época em que ocorreram, porém em relação ao acordo de não persecução cível também há se perquirir se também é norma processual de modo que somente poderá ser aplicação aos eventuais atos de improbidade administrativa nos quais ainda não ocorreu o recebimento da petição inicial.

Nessa direção é necessário, primeiramente, observar que a justificativa do projeto de lei que deu origem à Lei nº 13.964/19 (lei "anticrime") e ainda à doutrina que já defendia a possibilidade da utilização de meios alternativos de solução de conflito em ações de improbidade administrativa, em especial em razão das disposições contidas na Lei nº 12.846/13, na Lei nº 13.140/15 e no novo Código de Processo Civil, é caso de se concluir que ainda que ultrapassada a fase de defesa, desde que as partes concordem e seja garantida a reparação integral do dano e a possibilidade da aplicação de uma outra sanção.

Assim, ainda que não existam questionados práticos quanto à possibilidade ou não de celebração de acordo de não persecução civil nos casos das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa já propostas, deve-se buscar a resposta da questão de modo a privilegiar a finalidade da norma, que, nesse caso, diz respeito à busca de uma solução consensual para o conflito, tendência do Direito contemporâneo, o que propicia a diminuição da litigiosidade e privilegia a garantia individual da duração razoável do processo, prevista no artigo 5º da Constituição Federal.

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    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina, mestre em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal.

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