retrospectiva 2021

Principais decisões do STJ no ano envolveram polícia e recuperação judicial

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31 de dezembro de 2021, 7h33

Em 2021, um dos destaques da atuação do Superior Tribunal de Justiça foi a continuidade dada à formação de jurisprudência sobre a atividade policial. A corte proferiu, principalmente, importantes decisões sobre o ingresso de agentes em domicílio — desde as motivações até os procedimentos necessários.

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Ano do STJ foi marcado por decisões sobre atuação da polícia e recuperação judicialSTJ

Já no campo do Direito Empresarial, o STJ pacificou sua jurisprudência quanto à supressão de garantias no processo de recuperação judicial.

O Tribunal da Cidadania também consolidou entendimentos sobre o uso do WhatsApp, estabeleceu determinação para dirimir a polêmica quanto ao modelo de Airbnb em condomínios, condenou policiais pelo massacre de Carandiru e firmou precedentes sobre fornecimento de medicamentos e serviços por planos de saúde.

Polícia
Em março, a 6ª Turma definiu que, caso agentes policiais precisem entrar em uma residência sem mandado judicial para investigar a ocorrência de algum crime, é necessário registrar a autorização do morador em áudio, vídeo e, sempre que possível, por escrito. A decisão ainda estipulou um prazo de um ano para aparelhamento das polícias e treinamento dos agentes.

A decisão se tornou um precedente importante e chegou a servir de base para anulação de provas em outros casos. Contudo, no início deste mês de dezembro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, anulou o acórdão do STJ. Para o magistrado, a corte não poderia ter imposto ao Executivo obrigações não previstas pela Constituição.

Eduardo Saraiva/A2IMG/Fotos Públicas
STJ vem consolidando jurisprudência sobre ingresso de policiais em domicílioEduardo Saraiva/A2IMG/Fotos Públicas

Mesmo assim, o tema rendeu mais decisões no tribunal. A mesma 6ª Turma entendeu que policiais não podem invadir imóveis sem mandado com base na existência de denúncia anônima e na visão do suposto crime, de fora da casa.

O ingresso em domicílio sem autorização judicial já vinha sendo anteriormente debatido no STJ. Nos últimos anos, o tribunal entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismocão farejadorperseguição a carro, após informação dada por vizinhos ou ainda fuga de ronda policial ou de suspeito que correu do portão ao ver a viatura. Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.

Recuperação judicial
A principal decisão do STJ sobre recuperação judicial ocorreu em maio. A 2ª Seção decidiu que o plano de RJ não pode impor a extinção das garantias prestadas pelo devedor.

Segundo Geraldo Fonseca, sócio do escritório Fonseca Vanucci Abreu Sociedade de Advogados, a corte tinha, até então, uma jurisprudência muito instável quanto ao tema: "O STJ oscilava muito no entendimento sobre se era possível ao plano prever a extinção das garantias, e se isso era forçado ao credor que não concordasse com o plano", explica.

A 3ª Turma, por exemplo, vinha admitindo a hipótese. Com o afastamento das garantias, os credores perderiam a possibilidade de executar a dívida referente às garantias fidejussórias, que são aquelas assumidas por terceiros para honrar a dívida caso o devedor não cumpra a obrigação.

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Decisões do STJ afetaram a dinâmica das recuperações judiciais no paísReprodução

Com a decisão da 2ª Seção, no entanto, prevalece o direito do credor cobrar os garantidores. Assim, o plano poderá conter cláusula para afastar as garantias, mas a eficácia deve se limitar aos credores que a aprovarem sem ressalvas.

Uma decisão tributária da corte também afetou as recuperações judiciais. Em junho, a 1ª Seção decidiu pela perda do objeto do processo que seria julgado sob o rito dos recursos repetitivos para firmar tese sobre a possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária. 

Com isso, foram liberadas as execuções fiscais que envolvam atos constritivos contra empresas em recuperação judicial — tais medidas estavam suspensas desde 2018. Para especialistas, a decisão trouxe mais clareza e segurança ao processo de soerguimento, mas também prejuízos, tanto aos devedores quanto aos credores, em desequilíbrio ao plano de recuperação.

Tributário
Também com relação às execuções fiscais, em fevereiro a 1ª Seção decidiu que devedores podem ser inscritos em cadastros de inadimplentes, como o Serasa. De acordo com a corte, a inscrição deve ser cancelada assim que o pagamento for concluído.

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Ano também foi repleto de novos precedentes tributários na corte

Já em outubro, a mesma 1ª Seção definiu que o contribuinte não pode usar embargos à execução fiscal para alegar compensação tributária indeferida na esfera administrativa. A decisão não foi bem recebida por tributaristas, que constataram incentivo à judicialização, transtornos processuais e prejuízos financeiros às empresas.

Dentre outras decisões, o tribunal estipulou, em abril, o limite de cinco anos para o Estado cobrar o imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre doações não declaradas. O prazo é contado a partir do "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".

No mesmo mês, a corte vetou o abatimento de créditos de PIS e Cofins no regime monofásico de tributação — no qual a cobrança é concentrada apenas no produtor ou importador, com alíquota zero para atacadistas e varejistas. Também foi aprovada uma súmula que afastou a incidência do ICMS sobre o serviço de transporte interestadual de mercadorias destinadas ao exterior.

Ações penais de grande repercussão
Em agosto, a 5ª Turma restabeleceu a condenação de 74 policiais militares pelo famoso massacre do Carandiru: 111 mortes em uma casa de detenção de São Paulo em 1992. Houve condenações decorrentes de quatro julgamentos pelo júri — um para cada grupo de policiais e vítimas de cada andar do pavilhão onde os agentes entraram para conter a rebelião que ocorria.

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STJ condenou 74 PMs pelo massacre do Carandiru, em 1992 Reprodução

Os réus, condenados pelo Tribunal do Júri, haviam sido absolvidos pelo TJ-SP. Para amparar o julgamento, os ministros do STJ levaram em conta a impossibilidade de se fazer uma perícia para saber qual policial militar atirou em qual preso.

O tribunal também foi responsável por um importante capítulo na saga do caso do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho (MG), ocorrido em 2019. A 6ª Turma decidiu que a ação penal referente às mortes causadas pelo desastre deve tramitar na Justiça Federal mineira. O entendimento foi de que a denúncia se baseou no suposto uso de documentos falsos para ludibriar autoridades federais quanto às condições de segurança da barragem. Por isso, foi anulado o recebimento da denúncia pela Justiça estadual.

Planos de saúde
O STJ também aprimorou sua jurisprudência relacionada à cobertura de planos de saúde em 2021. A 4ª Turma estabeleceu, por exemplo, que as operadoras não precisam fornecer medicamentos para uso domiciliar. Por outro lado, a 3ª Turma entendeu que é obrigatório o fornecimento de remédios não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), caso haja autorização excepcional da autarquia para importação voltada ao uso hospitalar.

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STJ definiu tratamentos e medicamentos a serem cobertos ou não pelos planos de saúdeReprodução

Mais tarde, a 2ª Seção instituiu que os planos de saúde não são obrigados a custear o tratamento médico da fertilização in vitro — na qual o embrião é criado em laboratório e inserido posteriormente na mãe. Os ministros lembraram que as operadoras já são dispensadas da cobertura do procedimento de inseminação artificial — na qual o sêmen é inserido artificialmente na mulher.

Recentemente, o STJ também desobrigou as operadoras do custeio de terapias baseadas no método ABA e de tratamento multiprofissional pelo método Bobath.

Processo
A 3ª Seção invalidou a conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva. Os ministros consideraram que a nova redação do Código de Processo Penal, dada pela lei "anticrime", impede qualquer possibilidade de conversão sem representação do Ministério Público ou da polícia.

A corte também reafirmou precedente importante para o Direito do Consumidor. Segundo a 4ª Turma, a decisão judicial que determina a inversão do ônus da prova deve ocorrer antes da etapa de instrução do processo. Caso ocorra posteriormente, deve garantir à parte a quem foi imposto esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas, sob pena de cerceamento de defesa.

A mesma turma ainda concluiu que o auxílio emergencial pago pelo governo federal durante a crise de Covid-19 é impenhorável, já que é um benefício de natureza assistencial e alimentar, ou seja, visa atender às necessidades da sobrevivência.

Já a 5ª Turma fixou critérios para o uso de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, para o ato de citação no processo penal. Nesses casos, é necessária uma autenticação da identidade do usuário, por meio de número de telefone, confirmação escrita e foto.

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WhatsApp pode ser usado para citação; prints divulgados geram dever de indenizarReprodução

Outros casos
O WhatsApp também foi objeto de uma decisão do STJ na esfera cível. Segundo a 3ª Turma, a divulgação de print screens do aplicativo para terceiros sem consentimento dos participantes ou autorização judicial gera o dever de indenizar. Os ministros consideraram que as conversas são resguardadas pelo sigilo das comunicações.

A mesma turma foi responsável por uma decisão polêmica quanto ao modelo de locação e hospedagem por curta temporada, utilizado pela Airbnb. De acordo com os ministros, os condomínios, por meio de assembleia, podem optar por restringir tal prática.

Foi também a 3ª Turma quem adotou o entendimento de que é abusiva a inclusão de serviços em planos de telefonia móvel sem o consentimento do consumidor, pois configura alteração unilateral do contrato.

Por fim, a 2ª Seção atestou que é necessário indenizar o consumidor pela presença de corpo estranho em alimentos industrializados, mesmo que o produto não seja ingerido. Até então, o STJ também admitia a interpretação de que o dano só ocorreria a partir da ingestão do alimento, ou ao menos se ele fosse levado à boca.

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