Opinião

A impenhorabilidade do bloqueio de até 40 salários mínimos para pessoas jurídicas

Autor

  • Leonardo Martins

    é advogado especialista em Direito Tributário pela Uniritter/Laureate e coordenador jurídico no escritório Franchi & Galvani Advocacia Empresarial.

31 de dezembro de 2021, 16h11

No âmbito das execuções, sejam elas de natureza civil, trabalhista ou fiscal, o objetivo resta sempre o mesmo, qual seja, o prosseguimento em favor do credor, buscando a satisfação do crédito executado através de todos os atos expropriatórios disponíveis pelo sistema processual.

Nessa linha, obedecendo inclusive a ordem de penhora prevista no artigo 835 do Código de Processo Civil [1], quase idêntica ao artigo 11 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980) [2], observa-se que o ativo mais almejado é sempre o dinheiro, o qual ocupa a primeira posição em ambas as listas.

A fim de buscar a satisfação da dívida, visando primeiramente ao dinheiro, o Judiciário, a pedido do exequente, utilizava a ferramenta Bacenjud, atualmente atualizada por meio do sistema Sisbajud [3], que busca o bloqueio de valores em todas as contas do executado, até o limite do valor do débito, podendo ser inclusive repetida em sequência, pela função popularmente conhecida como "teimosinha", resguardando a liberação do excedente quando da conclusão da ordem.

No momento em que é cumprida a ordem de bloqueio de valores, a "penhora online", respeitando o Código Processual Civil, mais especificamente em seu artigo 854, §3º, e incisos [4], é intimado o executado, no prazo de cinco dias, para arguição de que os valores constritos são impenhoráveis, ou que o bloqueio ultrapassou o limite da dívida, ou seja, é oportunizado que o devedor possa requerer o desbloqueio dos valores com base nas possibilidades previstas na legislação.

Nesse sentido, em relação ao procedimento de bloqueio de valores no âmbito judicial, ora comentado, traz-se à baila situação que ocorreu na Execução Fiscal estadual de nº 5002090-96.2020.8.21.0077, que tramita perante à 3ª Vara Judicial da Comarca de Venâncio Aires (RS), onde, a partir do deferimento de bloqueio de valores, foi obtido resultado parcialmente positivo no último dia 13, ao alcançar valores, mas não suficientes para a quitação da dívida.

Seguindo o regular trâmite processual, a empresa executada, que atua no mercado de confecção de roupas, dentro do prazo estabelecido no artigo 854, §3º e incisos [5], e frente ao bloqueio de valor pouco inferior a R$ 5 mil, se manifestou buscando o reconhecimento da impenhorabilidade dos valores constritos, alegando, principalmente, quanto à impenhorabilidade dos valores até o limite de 40 salários mínimos, com fulcro no artigo 833, inciso X, do CPC [6], bem como no entendimento jurisprudencial acerca da matéria, adotado pelo Superior Tribunal de Justiça [7], que definiu que tal montante é impenhorável, independentemente de onde estiver depositado, não havendo restrições ao tipo de conta e não se limitando somente às contas poupanças, conforme prevê a legislação.

Em face do pedido, no último dia 15, foi proferida decisão [8] deferindo o desbloqueio de valores para a pessoa jurídica executada, nos seguintes termos: "Vistos. Defiro o pedido de bloqueio online de valores suficientes para saldar o débito (Evento 32). Contudo, se faz necessária a análise da manifestação da parte executada no Evento 34, a qual pretende a liberação dos valores bloqueados, alegando impenhorabilidade pois a monta constrita é inferior à 40 salários mínimos. De fato, a quantia supramencionada é impenhorável por entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, independentemente de estar depositada em caderneta de poupança. É estendida a impenhorabilidade aos valores inferiores a 40 salários mínimos depositados em conta corrente ou fundos de investimento ou mesmo guardados em papel-moeda, salvo em casos de abuso, má-fé ou fraude. Ante o exposto, declaro a impenhorabilidade do valor bloqueado e determino a sua liberação em favor do executado, devidamente corrigido. Segue minuta do SISBAJUD demonstrando o desbloqueio de valores. Intimem-se. Por fim, diga o exequente sobre o prosseguimento. No silêncio, arquive-se administrativamente. Cumpra-se com urgência. Diligências legais". 

Diante da decisão acima, faz-se importante mencionar que a mesma é rara, mas não isolada. Comumente observa-se na jurisprudência que a utilização do critério para o desbloqueio dos valores até o limite de 40 salários mínimos, previsto no artigo 833, inciso X, do CPC [9], compreende mais as pessoas físicas, na linha lógica de que equivalem aos salários e que tal monta seria a reserva familiar, necessária para a subsistência, indicando em alguns julgados que seria exclusivamente essa a intenção do legislador e, por consequência, a sua aplicação pelo mesmo viés.

Todavia, a decisão em questão já foi também adotada em 2019, na Execução Fiscal federal de nº 5006652-13.2017.4.04.7110, com trâmite na 1ª Vara Federal de Pelotas (RS), em que foi determinado o desbloqueio do valor de R$ 3.038,23 [10] da conta de uma empresa de turismo, justamente pelo mesmo fundamento, devido ao montante ser inferior a 40 salários mínimos.

No caso em tela, que tramita na Justiça estadual de Venâncio Aires, a decisão ainda não transitou em julgado, já tendo havido inclusive a interposição de embargos de declaração pelo Fisco estadual, alegando omissão quanto ao entendimento acerca da regra da impenhorabilidade contida no artigo 833, inciso X, do CPC [11], mas, até o momento, segue mantida a decisão de desbloqueio.

Tais tipos de decisões, ou seja, aquelas não unânimes e que fogem do usual, chamam a atenção para a constante mutabilidade das decisões judiciais, que por vezes demonstram apenas um posicionamento diverso para determinado dispositivo de lei, ou podem inclusive carregar também um pouco de sensibilidade pelo todo, na situação atual, o cenário pandêmico. Com um olhar no fato de que o bloqueio em valor não suficiente, durante um período que prejudicou toda a sociedade financeiramente, parece mostrar aderência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade [12], na linha de que o objetivo da execução é a satisfação do crédito do exequente, e não ficar apenas penalizando o devedor, inclusive a teor do artigo 836 do Código de Processo Civil [13], pelo qual "não se levará a efeito a penhora quando ficar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução".

Sendo assim, a decisão abordada demonstra posicionamento jurisprudencial favorável às pessoas jurídicas, estendendo a garantia das pessoas físicas, contida no artigo 833, inciso X, do CPC [14], no tocante à impenhorabilidade dos valores até o limite de 40 salários mínimos, não sendo tal entendimento majoritário, pelo contrário, mas, conforme também demonstrado, não é isolado, podendo indicar uma extensão da garantia em gradual aceite, ou apenas decisões distintas, em desconformidade com o posicionamento pátrio acerca da controvérsia.

 


[2] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 24/12/2021.

[3] Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/sistemas/sisbajud/>. Acesso em: 24/12/2021.

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    é advogado em Porto Alegre/RS, especialista em Direito Tributário pela Uniritter/Laureate e coordenador jurídico no escritório Franchi & Galvani Advocacia Empresarial.

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