Licitações e Contratos

Novas definições e sistematizações dos consórcios nas licitações na Lei 14.133/2021

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

31 de dezembro de 2021, 8h00

Com o advento da Lei 14.133/2021, a matéria de consórcios entre licitantes para a participação em certames públicos ganhou novo regramento em definições, sistematização e inversão da sua permissão nos editais, que antes era tratada como exceção e agora é regra.

Spacca
Assim, começando pelo aspecto das definições, o artigo 6º da nova lei de licitações estabelece em seus incisos VIII e IX, respectivamente, que contratado e licitante se incluem os consórcios de pessoas jurídicas. Essa inovação preenche determinado vazio normativo, para que se tenha mais coerência da norma com a prática já difundida.

Quanto ao aspecto das condições de participação em consórcio, o conjunto normativo do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 foi aperfeiçoado no artigo 15 da Lei nº 14.133/2021.

O primeiro desses dispositivos sempre teve redação no sentido de permissão em determinados casos, em tom de excepcionalidade ("Quando permitida a participação de empresas em consórcio…"), enquanto o novo tornou como permissão como o padrão a ser considerado ("Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio…").

As sub regras desses mesmos dispositivos normativos tem pontos similares, mas ainda redação aperfeiçoada em alguns e mudanças mais significativas e outros.

De início, vale notar que o inciso I do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 e o inciso I do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 ficam em sintonia quanto à exigência de "comprovação de compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos consorciados".

O inciso II do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 exige a "indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de liderança, obrigatoriamente fixadas no edital"; enquanto o inciso II do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021, prezando por simplicidade e segurança jurídica, exige apenas a "indicação da empresa líder do consórcio, que será responsável por sua representação perante a Administração", editando situações de surpresas nos editais.

O inciso III do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 agrupa várias questões diferentes ao exigir a "apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei".

Essa redação foi mais bem sistematizada em diferentes dispositivos, sendo de se notar, em primeiro aspecto, que no inciso III do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 ficou a exigência de "admissão, para efeito de habilitação técnica, do somatório dos quantitativos de cada consorciado e, para efeito de habilitação econômico-financeira, do somatório dos valores de cada consorciado". Vale notar que não mais consta para a qualificação econômico-financeira a regra de se manter a proporção de participação de cada consorciado na sua respectiva participação.

Essa mudança acima tem um lado positivo, por desburocratizar impeditivos práticos para muitas formações de consórcios, de modo que ainda que uma divisão de proporções do contrato seja em 30% para um e 70% para outro consorciado, não mais se tem a vinculação dos percentuais para os balanços das consorciadas nessas proporções. Muitas vezes se tornava difícil encontrar a perfeita coerência de proporções entre percentuais do contrato a ser assumido e a contabilidade de cada consorciado.

Então, se idealizou na nova lei um movo de elevar a quantidade de consórcios viáveis.

Mas o lado negativo da nova regra é o risco de que empresas de frágil situação financeira ou com contabilidade problemática façam determinadas manobras em números apenas habilitação, em situações características de possíveis empresas "de fachada" apenas para compor consórcios.

Não se pode questionar que a regra tem seu mérito, mas fica esse alerta.

A respeito da sub regra do inciso III do artigo 33 da Lei nº 8.666/93, dos acréscimos de percentuais para fins de qualificação econômico-financeira, essa normatização foi estabelecida no parágrafo primeiro do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 com a imposição agora de um dever: "O edital deverá estabelecer para o consórcio acréscimo de 10% (dez por cento) a 30% (trinta por cento) sobre o valor exigido de licitante individual para a habilitação econômico-financeira, salvo justificação". A ideia por trás dessa norma é impor a avaliação mais consistente da parte econômico-financeira do todo das empresas consorciadas, já que não se está avaliando apenas uma ou outra e nem se tem uma só contabilidade, portanto, isso tem sentido de mais resguardo para a Administração.

Inobstante, para manter a coerência com o artigo 179 da Constituição Federal e com a Lei Complementar nº 123/2006, o parágrafo segundo do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 traz uma regra similar à da lei de licitações anterior, no sentido de que aquele acréscimo de percentuais "não se aplica aos consórcios compostos, em sua totalidade, de microempresas e pequenas empresas, assim definidas em lei". De fato, se todas as consorciadas, em uma hipótese, fossem micro ou pequenas empresas, a elevação de percentuais deixaria difíceis as condições para a efetiva política pública de acesso daquelas empresas ao mercado público.

Prosseguindo na análise de sub regras, tem-se que o inciso IV do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 tem redação no sentido do "impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente", enquanto o inciso IV do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 está com redação ligeiramente diferente, no sentido do "impedimento de a empresa consorciada participar, na mesma licitação, de mais de um consórcio ou de forma isolada". Uma mera questão de ajuste de texto.

Por fim, o inciso V do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 tem redação no sentido da "responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato", enquanto o inciso V do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 está com redação em harmonia, no sentido da "responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato".

Feitas essas considerações, cumpre passar a determinadas mudanças de maior significado.

O parágrafo primeiro do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 ainda tem redação impondo que "no consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira", mas tal dispositivo não consta da nova lei, com o objetivo de permitir mais isonomia entre brasileiras e estrangeiras, de modo que, agora, uma empresa de outro país pode ser a representante pela prática dos atos em nome do consórcio, na licitação e no contrato, perante a Administração. É um ponto a mais, inclusive, na preparação para a efetiva adesão do Brasil ao Acordo sobre Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio.

O parágrafo segundo do artigo 33 da Lei nº 8.666/93 prevê que "o licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio", nos termos do compromisso referido no inciso I do citado artigo, sendo isso elementar, porque não se pode assinar contrato com ente público sem antes formalizar o vínculo entre as empresas consorciadas. E redação similar consta do parágrafo terceiro do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021.

Algo um tanto inesperado, mas que reflete demanda de certos setores de governo e mercado, vem com o parágrafo quarto do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021, que é a regra imponto limites aos consorciados: "Desde que haja justificativa técnica aprovada pela autoridade competente, o edital de licitação poderá estabelecer limite máximo para o número de empresas consorciadas". Com efeito, já se tinha reclamações em situações práticas de que o consórcio sem limite de participantes poderia gerar cartéis, oligopólios e afastamento de real competitividade, com combinações de mercados. Agora o gestor público tem ao menos um dispositivo no qual possa se amparar em determinadas situações concretas, que variam conforme o tipo de objeto ou projeto e o mercado envolvido.

Para concluir, a mais radical inovação do artigo 15 da Lei nº 14.133/2021 está em seu parágrafo quinto, que estabeleceu a possibilidade de substituição de consorciado, mesmo sem o crivo da licitação: "A substituição de consorciado deverá ser expressamente autorizada pelo órgão ou entidade contratante e condicionada à comprovação de que a nova empresa do consórcio possui, no mínimo, os mesmos quantitativos para efeito de habilitação técnica e os mesmos valores para efeito de qualificação econômico-financeira apresentados pela empresa substituída para fins de habilitação do consórcio no processo licitatório que originou o contrato".

Sem adentrar em críticas nesse momento inicial de aplicação da nova lei, cabe lembrar que o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, estabelece que a licitação é afastada conforme os casos estabelecidos na legislação. Assim, se o legislador criou essa previsão, que assim se avalie a novidade em seus resultados práticos.

Antes, a "troca" de um consorciado, sem licitação, com contrato já em curso, seria impensável, sendo que a única situação que os órgãos de controle aventavam era a de se prosseguir com contrato apenas restando um dos consorciados na execução, o que não seria incompatível com as normas vigentes.

Mas a nova lei tem um claro sentido de criar uma exceção de não licitação para evitar quebra de continuidade de determinados contratos em andamento, especialmente, em obras públicas, de modo que não se precise paralisar obra e elevar prejuízos ao Erário, sendo de relevância que o legislador impôs a cautela de que a nova empresa do consórcio atenda, no mínimo, os mesmos quantitativos para efeito de habilitação técnica e os mesmos valores para efeito de qualificação econômico-financeira apresentados pela empresa substituída para fins de habilitação do consórcio no processo licitatório que originou o contrato.

Como visto, essa regra é constitucional, porque a lei pode criar exceções ao dever de licitar, mas a prática ainda demandará diretrizes para balizar a forma de escolher ou indicar o substituto do consorciado que se retirar do consórcio, até para evitar que empresas com problemas provisórios de habilitação (no momento da licitação) usem empresas "jogadoras do banco de reservas" para assegurar vitória na licitação até que possam, posteriormente, resolver seus problemas contábeis e de atestação técnica.

Para conclusão da análise da nova lei, falta uma crítica contida, mas relevante, quanto à completa omissão no tocante à estrutura dos consórcios para contratos públicos, razão pela qual gestores e licitantes ainda vão precisar de adaptações dos artigos 278 e 279 da Lei nº 6.404/76 para os instrumentos de consórcios a serem apresentados em licitações, vez que não há norma específica para o segmento governamental.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!