Opinião

Boate Kiss: justiça para a sociedade brasileira

Autor

  • Fabiano Dallazen

    é promotor de Justiça ex-procurador geral de Justiça do RS ex-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça da União e Estados e mestre em Direitos Fundamentais pela ULBRA.

31 de dezembro de 2021, 7h14

Os responsáveis pelas 242 mortes e centenas de outras vítimas no internacionalmente conhecido episódio da Boate Kiss foram, quase nove anos após o evento, julgados e condenados pelo Tribunal do Júri, observados o devido processo legal e o escrutínio na transmissão em tempo real do julgamento. O juiz-presidente aplicou-lhes penas de 18 a 22 anos e seis meses de reclusão e determinou a execução imediata. Ainda na leitura da sentença, liminar do TJ-RS em Habeas Corpus (HC) preventivo impediu o cumprimento imediato da sentença. A saga enfrentada pelas centenas de famílias e vítimas novamente se frustrava, agora diante de um veredicto condenatório de órgão soberano constitucionalmente.

Contudo, atendendo a pedido do Ministério Público, o presidente do STF suspendeu a liminar e determinou o imediato cumprimento das penas estabelecidas pelo Tribunal do Júri. Foi o que bastou para que se atribuísse ao autoritarismo e à vontade pessoal do ministro presidente a prisão dos condenados e a violação das regras legais e constitucionais. Nada mais equivocado e (des)propositado.

Há razões de sobra para sustar a decisão do TJ-RS em medida de contracautela, posto que viola, a um só tempo, a soberania do veredicto do júri, o Código de Processo Penal, a cláusula constitucional de reserva de plenário e súmula vinculante do STF.

Como já assentaram os ministro Roberto Barroso e Dias Toffoli no julgamento do Tema 1068 pelo STF, ainda não finalizado, "a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independente do total da pena". Trata-se, portanto, de questão constitucional e de competência do STF. Há mais: a Lei nº 13.964/2019 (pacote "anticrime"), aprovada pelo Congresso Nacional, alterou a redação do artigo 492 do Código de Processo Penal, passando a determinar expressamente a execução imediata das decisões do Tribunal do Júri quando impostas penas corporais iguais ou superiores a 15 anos: é regra vigente. Logo, a liminar monocrática de soltura e, depois, a concessão do HC no TJ-RS, pela sua 1ª Câmara Criminal, afastando a aplicação do artigo 492 do CPP, com evidente fundamento constitucional (presunção de inocência), desconsiderou o artigo 97 da Constituição Federal e a clausula de reserva de plenário, em violação à Súmula Vinculante nº 10 do STF.

A propósito, sequer é inédita ou inovadora a medida de suspensão de liminar (Lei 8.437/92) em sede de HC pelo STF. Há precedentes de 2010, na SL 453 MC, relator ministro Cezar Peluso; de 2014, na SL 787, relator ministro Joaquim Barbosa; e, mais recentemente, de 2020, quando o plenário da Suprema Corte referendou decisão liminar do presidente Luiz Fux na SL 1.395. Nenhuma inovação, como demonstrado, aliás, nas decisões do ministro Dias Toffoli negando seguimento a dois HCs dos condenados.

No país onde a sensação de impunidade campeia célere, acertou o presidente do STF ao reestabelecer a soberania do veredicto do tribunal popular, a regra de execução de pena vigente e, especialmente, como observa em sua decisão, "a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social".

Autores

  • é promotor de Justiça, ex-procurador geral de Justiça do RS, ex-presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça da União e Estados e mestre em Direitos Fundamentais pela ULBRA.

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