Governo Judiciário

Em 2021, STF assumiu liderança do combate à Covid e enterrou "lava jato"

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29 de dezembro de 2021, 14h12

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, tem uma resposta engatilhada a cada vez que lhe perguntam se existe ativismo do Judiciário. Em pelo menos três ocasiões, ao longo deste ano de 2021, ele afastou a hipótese de interferência nos demais Poderes. Inclusive em entrevista ao Anuário da Justiça, editado pela ConJur.

SCO/STFNo vácuo político em âmbito federal, STF assumiu protagonismo de coordenação do combate à epidemia de Covid-19

"Na minha visão, há excessos no acionamento do Judiciário pelo próprio Legislativo, que ocasionalmente acusa o Supremo de interferência. Tenho defendido que o STF deve, sempre que possível, reanimar o processo político, devolvendo aos agentes políticos, com os incentivos devidos de atuação, diversos conflitos que chegam prematuramente ao Judiciário. Esse comportamento estimularia os demais Poderes a, cada vez mais, resolverem interna corporis as suas questões políticas, acionando menos o Poder Judiciário", disse ele.

Pode ser, mas o fato é que em 2021, quando o país assistia à inação e má vontade do governo de Jair Bolsonaro, principalmente no combate à pandemia da Covid-19 e na distribuição de vacinas, o STF assumiu, cada vez mais, o protagonismo nas ações necessárias para manter o país em ordem e impôs sua agenda, com uma série de decisões marcantes.

Nada mais crucial para a volta à normalidade do que controlar a disseminação do vírus. Com o início da campanha de vacinação contra a Covid-19 no país, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar em janeiro e impediu a União de se apropriar dos instrumentos para a imunização, como agulhas e seringas, que foram contratados pelo estado de São Paulo.

No entendimento do ministro, o governo federal não tinha o direito de se apropriar de bens ou serviços providenciados por um estado ou município, pois isso fere a autonomia constitucional dos entes da federação.

"A incúria do governo federal não pode penalizar a diligência da administração estadual, a qual tentou se preparar de maneira expedita para a atual crise sanitária", afirmou o ministro. Em março, a liminar foi referendada pelo Plenário.

Foi só o começo de uma série de decisões do STF nesta área, que, na prática, colocaram o Tribunal como gestor das ações no combate à disseminação da doença. Ou seja, o Supremo passou, efetivamente, a determinar o rumo do que tinha que ser feito, apesar do negacionismo do governo, ditado pelo presidente Bolsonaro.

No mesmo mês, o Supremo decidiu, por 9 a 2, que estados e municípios podem restringir celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, durante a epidemia do coronavírus. A maioria do Plenário entendeu que a liberdade de professar religião em cultos não é um direito absoluto e pode temporariamente ser restringida para assegurar as garantias à vida e a saúde. 

"O Brasil, que já foi exemplo em importantes atividades de saúde pública, como política de vacinação, atualmente é o líder mundial em mortes diárias por Covid-19. Em números aproximados (e uso aqui os mais conservadores), temos cerca de 2,7% da população mundial, mas 27% das mortes por Covid-19 que ocorrem no planeta dão-se aqui, sob nossos olhos", disse o ministro Gilmar Mendes em seu voto.

Uma das iniciativas mais importantes veio em abril. No início daquele mês, a crise sanitária no país causada pela epidemia de Covid-19 estava em um dos seus piores momentos, batendo recordes de mortes diárias e de casos de infecção. Nesse contexto, o ministro Luís Roberto Barroso determinou, liminarmente, que o Senado adotasse as providências necessárias para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia.

Vista como "política" e de interesse apenas da oposição, a CPI, que funcionou no Senado durante quase seis meses, começou titubeante, mas sua agenda acabou se impondo, mostrando as omissões do governo e enveredando por casos escabrosos de corrupção na compra de imunizantes no âmbito do ministério da Saúde. 

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DivulgaçãoSupremo também jogou a pá de cal sobre o caixão da "lava jato", cujos métodos ilegais foram revelados em mensagens hackeadas

Fim da "lava jato"
Em outra seara, o STF surpreendeu o mundo político com uma série de decisões que, na prática, ajudaram a estancar as ações da autodenominada operação "lava jato". Críticos da atuação do Judiciário costumam dizer que a ação do STF foi determinante para o fim da operação, que já vinha em descrédito desde que vieram à tona as relações nada ortodoxas entre o ex-juiz Sérgio Moro e a chamada "República de Curitiba", personificada na "força-tarefa" comandada pelo ex-procurador Deltan Dallagnol.

Em março, o país foi surpreendido pela decisão do ministro Luiz Edson Fachin que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha o então juiz Sergio Moro como titular, para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP), e em duas ações envolvendo o Instituto Lula.

Com isso, as condenações do petista foram anuladas e ele voltou a ter todos os seus direitos políticos, podendo disputar eleições. O que Fachin admitiu na decisão é que não havia conexão entre os supostos crimes que o Ministério Público Federal atribuía a Lula e a investigação de atos de corrupção na Petrobras. 

Em seguida, a 2ª Turma do STF decretou a suspeição de Moro. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram por reconhecer a parcialidade de Moro. Gilmar afirmou que, enquanto esteve à frente da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Moro interferiu na produção de provas contra acusados, dirigiu as investigações do MPF e juntou documentos de ofício, sem manifestação do órgão.

Com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia (em 2018 ela tinha votado contra a suspeição), Moro foi declarado suspeito, por 3 a 2, nos casos envolvendo o ex-presidente Lula na finada "lava jato". "Todos têm o direito de ter um julgamento justo por um juiz e um tribunal imparciais", declarou a ministra.

Em junho, o Plenário confirmou a decisão da 2ª Turma e, com o resultado, as acusações contra o ex-presidente foram anuladas. Prevaleceu o voto divergente de Gilmar Mendes, para quem a decisão de suspeição tem efeitos mais amplos do que a de incompetência de um juízo.

Entre eles, o de anular os atos processuais que, no caso de incompetência, podem ser ratificados e mantidos no processo pelo novo juiz. Portanto, a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para julgar Lula não fez com que o julgamento da suspeição perdesse objeto.

As decisões contra Moro, no entanto, foram só a pá de cal sobre a atuação da turma que, durante seis anos, atuou ao arrepio da lei para perseguir seus desafetos. Mais significativamente, o PGR Augusto Aras acabou com a informalidade e com o vácuo de autoridade que permitiu que as forças-tarefas fossem tão longe, substituindo-as pelos Gaecos, grupos especializados em combate à corrupção.

Como se não bastasse, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) também extinguiu as varas especializadas em lavagem de dinheiro, justamente as equivalentes paulista e sul-matogrossense das varas que deram celebridade a Moro e Marcelo Bretas em Curitiba e no Rio.

A juíza federal Raecler Baldresca, que liderou a comissão que ficou responsável por estudar a possibilidade e recomendar mudanças, disse ao site Jota que a alteração foi para "aumentar a eficiência das varas". Segundo ela, as varas especializadas em lavagem receberam cerca 1/3 dos processos das outras. Ainda assim, a celeridade delas não era maior, nem o acervo era menor.

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