Tempos do cólera

Alguns julgados relevantes do Tribunal Superior Eleitoral no ano de 2021

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29 de dezembro de 2021, 17h37

As sociedades contemporâneas vêm passando por uma série de transformações ao longo dos últimos anos.

Spacca
As mais perceptíveis, com impacto direto no cotidiano, estão no contexto da Revolução Tecnológica (4.0).

A comunicação entre as pessoas ocorre atualmente de maneira muito mais célere e pulverizada, por vezes sem filtro ou checagem sobre sua fonte e o seu conteúdo. Informações são recebidas e transmitidas instantaneamente, com alcance exponencial.

Esse formato de interação digital, antes considerado um entretenimento, passou à condição de gênero de primeira necessidade, especialmente diante das restrições sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19, relacionado à própria higidez física e mental, seja pela disseminação do trabalho remoto, seja para manutenção das relações comerciais, familiares e de convívio social.

É bem de ver que com a política não é diferente. Considerando que o termo grego "politikos" designava aqueles que viviam na "polis", em uma sociedade organizada, não há como escapar da constatação de que esse grupo de circunstâncias descrito transformou não somente as relações sociais, mas igualmente as relações entre o cidadão e seus governantes.

A plêiade de interesses de uma comunidade varia de acordo o momento histórico de sua evolução.

É nesse cenário que as eleições de 2022 ocorrerão, revelando desafios de múltiplos fatores, atingindo diversas esferas.

No Brasil, para além das chamadas "ágoras virtuais", nas quais o cidadão verbera suas demandas sociais, o instrumento de participação popular, por excelência, é o voto.

A Justiça Eleitoral é instituição preponderante para a preservação e a garantia do Estado democrático de Direito, competindo-lhe atuar nas searas administrativa, regulamentar e jurisdicional com o objetivo de concretizar eleições transparentes, equânimes e seguras aos mais de 150 milhões de eleitores brasileiros.

O ano de 2021 foi marcante para o TSE, como experimento e preparação para o pleito que se avizinha.

Houve julgamentos relevantes e históricos que, neste momento de reflexão e balanço, buscamos apresentar.

Vale conferir o resumo de algumas das principais atividades administrativas e jurisdicionais da corte.

No plano jurisdicional, a Corte Superior Eleitoral, atenta aos impactos da revolução tecnológica, firmou dois relevantes precedentes envolvendo o uso de ferramentas digitais no contexto das campanhas.

Nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral 0601968-80/DF e 0601778-21/DF, assentou-se tese para as eleições 2022 no sentido de que o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas para promover disparos em massa, contendo desinformação e inverdades em benefício de candidatos e em prejuízo de adversários, pode ensejar cassação do registro ou diploma e inelegibilidade por oito anos com fundamento em abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social (artigo 22 da LC 64/90).

Nessa mesma linha, no julgamento do RO 0603975-98/PR, definiu-se para as eleições 2022 que ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à democracia, inclusive pela internet e pelas redes sociais, em benefício de candidato, também podem implicar cassação e inelegibilidade com esteio em abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social.

O papel do tribunal na defesa do Estado democrático de Direito, ainda considerando os notáveis avanços tecnológicos dos últimos anos, também foi observado em sua atuação na seara administrativa.

No Inquérito Administrativo 0600371-71/DF, instaurado para apurar fatos que possam configurar abuso de poder, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas e propaganda irregular, suspendeu-se a "monetização" de canais de usuários que utilizam plataformas digitais na internet para veicular ataques infundados à democracia e ao sistema de votação (YouTube, Twitch.TV, Twitter, Instagram e Facebook). A medida, inédita, visou a interromper círculo vicioso por meio do qual as ofensivas contra o Estado democrático de Direito geravam dividendos financeiros aos seus propagadores.

Referida decisão foi acompanhada de desdobramentos no campo administrativo, promovendo-se reuniões com as plataformas visando a estabelecer estratégias de combate à desinformação tendo como cenário as eleições de 2022.

A atuação do Tribunal Superior Eleitoral também rendeu percucientes debates e festejados frutos em outros importantes temas, entre eles o da infidelidade partidária, um dos mais abordados no ano de 2021.

Com efeito, em inúmeros julgados o tribunal delimitou o conceito de justa causa para fins de desfiliação partidária sem perda do mandato.

Na Pet 0600027-90/DF, o Plenário definiu que a fusão ou incorporação entre legendas é elemento suficiente para justificar a migração de parlamentar para outra grei, sem que incorra em infidelidade partidária, haja vista a supressão ou modificação substancial do programa partidário.

Por sua vez, na Pet 0600482-26/DF, o debate envolveu a (in)suficiência da carta de anuência outorgada pela agremiação autorizando a desfiliação do parlamentar, tendo a corte concluído que a carta deve estar acompanhada de elementos concretos que reforcem a justa causa para a mudança de partido.

Também relevante a tese fixada no julgamento de diversos casos semelhantes, tendo como paradigma a Pet 0600637-29/DF. Decidiu-se que caracteriza justa causa para desfiliação a imposição de grave sanção disciplinar em descompasso com a autonomia política prometida em carta-compromisso firmada entre a legenda e movimento cívico integrado pelos parlamentares.

O Tribunal Superior Eleitoral também teve oportunidade de ratificar o entendimento acerca da excepcional cisão da chapa majoritária quando o impedimento à candidatura recair apenas perante o vice e desde que preenchidos outros requisitos de natureza objetiva, de forma a preservar a vontade popular manifestada nas urnas (REspEl 0600289-85/SP).

Tema inédito submetido à corte envolveu a inelegibilidade de candidatos condenados pela prática das denominadas "rachadinhas", por meio das quais detentor de mandato eletivo contrata funcionários com verba parlamentar e retém em seu benefício parte dos vencimentos dos servidores (REspEl 0600235-82/SP).

Nesse paradigmático caso, decidiu-se que a condenação em segundo grau ou transitada em julgado, no âmbito da Justiça comum, por improbidade administrativa oriunda dessa prática é apta a atrair a inelegibilidade de oito anos prevista no artigo 1, I, "l", da LC 64/90, porquanto presentes o dano ao erário e o enriquecimento ilícito de forma cumulativa.

De outra parte, em relevante mudança de entendimento, a corte assentou a ilicitude de gravações ambientais em ambiente privado, sem o conhecimento dos demais interlocutores e sem autorização judicial, no contexto de processos em que se apuram ilícitos eleitorais. No AgR-AI 293-64/PR, definiu-se que referida prova atenta contra a garantia fundamental da intimidade (artigo 5º, X, da CF/88) e ameaça a própria estabilidade do Estado democrático de Direito (artigo 1º), pois, não raras vezes, tem como objetivo desestabilizar o processo democrático mediante artifícios que visam apenas a prejudicar candidatos que se sagraram vencedores.

Por fim, o tribunal encerrou o ano judiciário aprovando as resoluções que disciplinam as eleições 2022.

Mediante árduo e incessante trabalho, em curto espaço de tempo o plenário aprovou a incorporação das inovações legislativas e das principais alterações jurisprudenciais surgidas desde o ciclo das eleições de 2020, de modo a proporcionar aos atores do processo eleitoral segurança jurídica para 2022, versando sobre as matérias a seguir: Fundo Especial de Financiamento de Campanha (0600741-21); arrecadação e gastos de recursos e prestação de contas (0600749-95); atos gerais (0600590-84); cronograma do cadastro eleitoral (0600589-02); propaganda e condutas ilícitas diversas (0600751-65); representações, reclamações e direito de resposta (0600745-58); auditoria do sistema de votação (0600747-28); escolha e registro de candidatos (0600748-13); pesquisas (0600742-06); totalização, resultados e diplomação (0600592-54); calendário eleitoral (0600588-17).

Também se destaca, para as eleições de 2022, a Instrução 0600726-81/DF, que versa sobre as federações partidárias, cuidando-se de recente inovação introduzida pela Lei 14.208/2021 à Lei dos Partidos Políticos e à Lei Geral das Eleições e que demandou detalhado estudo e regulamentação.

Conclusão
Nesta breve retrospectiva de 2021, relembrando alguns dos julgamentos mais relevantes da Corte Superior Eleitoral, é possível perceber — com muita nitidez — a grande contribuição do tribunal para a estabilidade institucional e para a segurança jurídica, em momento de inúmeras transformações e grande turbulência, pavimentando a estrada segura para a realização das eleições democráticas de 2022.

Mais uma vez, o TSE não faltará ao seu dever constitucional e à missão confiada pelo povo brasileiro, como guardião da democracia e das eleições em nosso país.

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