Opinião

As ilegalidades envolvendo o ITBI

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29 de dezembro de 2021, 14h39

Em praticamente todo o Brasil, municípios e o Distrito Federal exigem o pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) de forma indevida, antes da ocorrência do fato gerador e sobre valores incorretos.

O Código Tributário Nacional elege como fato gerador do ITBI a transmissão definitiva da propriedade ou do domínio útil do imóvel. Isso significa dizer que o imposto somente pode ser cobrado após a transferência de propriedade, que por sua vez ocorrerá após o registro do título, translativo de propriedade, no cartório de imóveis.

Qualquer ato negocial que não implique em transferência de propriedade não estará sujeito ao pagamento do ITBI. É o caso, por exemplo, de instrumento de promessa de compra e venda, cessão de direitos decorrentes de promessa de compra e venda e arrematação de direitos aquisitivos.

Em todos esses cenários o imóvel continuará em nome do proprietário enquanto não forem cumpridas as obrigações previstas no instrumento preliminar, e outorgada definitivamente, e registrada, a escritura compra e venda.

Caso típico de cobrança indevida de ITBI ocorre com o registro de instrumento de promessa de compra e venda. Não raro, com o intuito de conferir publicidade ao ato negocial, e, consequentemente, maior segurança jurídica, os particulares solicitam o registro da promessa de compra e venda na matrícula do imóvel. A despeito da não ocorrência do fato gerador, a maioria dos cartórios de imóveis, fiscais do recolhimento de tributos, condiciona o registro ao recolhimento do ITBI, por determinação municipal/distrital.

A cobrança do ITBI ocorre sucessivamente a cada vez que o promitente comprador transfere seus direitos a terceiros, e novamente quando da celebração e registro do instrumento definitivo de compra e venda, em clara lesão ao patrimônio do particular que se vê obrigado a recolher várias vezes esse imposto de elevada alíquota.

Exige-se, ainda, o pagamento do ITBI na aquisição de direitos aquisitivos em leilões judiciais. A aquisição de direitos aquisitivos se distingue por completo da aquisição da propriedade do imóvel. Nesse caso, o devedor não é proprietário do imóvel, mas detém direito à aquisição do mesmo, direito esse que normalmente decorre de promessa de compra e venda ou contrato de compra e venda com alienação fiduciária. Isso significa que o arrematante assume a posição do devedor naquela relação jurídica, com todos os direitos e obrigações dela decorrentes. Quando do cumprimento de todas as obrigações previstas no instrumento, o arrematante então deverá exigir a outorga da escritura pública de compra e venda (em se tratando, o instrumento preliminar, de promessa de compra e venda) ou o cancelamento da alienação fiduciária, atos que, registrados na matrícula, transferem a propriedade do imóvel ao arrematante, momento em que deve ser exigido o pagamento do ITBI.

Neste ano, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o ARE 1.294.969, reafirmou o entendimento, já pacificado há anos, no sentido de que: "O fato gerador do imposto sobre transmissão inter-vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro".

Embora a decisão não represente nenhuma novidade, nota-se, ao menos aqui no Distrito Federal, significativo reflexo da mesma nos procedimentos adotados pelos cartórios de notas, que até então exigiam o pagamento do ITBI como condição para a lavratura de escritura pública, ainda que o ato não implicasse em transferência de propriedade e ainda que antes do registro da escritura.

Para a minha surpresa, recentemente, ao solicitar a lavratura de escritura pública de compra e venda perante cartório de notas, a escrevente da serventia, de forma espontânea, sem que se fizesse necessária intervenção minha no sentido de ilegalidade da cobrança antecipada, indagou se eu pagaria o ITBI antes da escritura ou se deveria incluir na minuta da escritura a menção de que o ITBI seria recolhido posteriormente.

De fato, confesso que o recolhimento a posteriori a que ela se referiu significa após a lavratura da escritura pública de compra e venda, mas antes do registro da mesma. Nessa situação, ainda há ilegalidade, uma vez que, como visto, o ITBI é exigível apenas após o registro do instrumento translativo de propriedade.

De toda sorte, a conduta revela uma mudança significativa nos procedimentos adotados por esse cartório de notas em específico, e tendência de mudança desse entendimento pelos demais cartórios de notas do DF.

Caso seja exigido do contribuinte o pagamento antecipado do ITBI, há mecanismos hábeis para questionar essa exação. A Lei de Registros Públicos assegura ao interessado o direito de se insurgir contra exigência do oficial de cartório pelo processo de dúvida registral, julgado pela Vara de Registros Públicos. Infelizmente esse instrumento, de natureza administrativa, não tem atingido o fim a que se propõe diante da morosidade no julgamento.

O mecanismo mais eficiente é o acionamento judicial pela via do mandado de segurança buscando o reconhecimento do direito líquido e certo do particular de não ser compelido ao pagamento do ITBI antes da efetiva transferência da propriedade.

Se o particular optar por realizar o pagamento do imposto, quando for outorgada a escritura definitiva de compra e venda, deverá solicitar declaração do município/DF no sentido de que o imposto foi pago de forma antecipada. Deve ser demonstrado, nesse cenário, de que se trata do mesmo negócio jurídico, antes de natureza preliminar, e ora de natureza definitiva.

Mas não para por aí. Outra ilegalidade muito comum que envolve o ITBI consiste na cobrança do imposto sobre valor superior ao valor devido.

O Código Tributário Nacional considera a base de cálculo do ITBI como o valor venal do imóvel. Como já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, o preço efetivamente pago pelo adquirente do imóvel tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal, considerado como o valor de uma venda regular, em condições normais de mercado.

Além disso, o ITBI é um imposto sujeito a lançamento por homologação, ou seja, compete ao contribuinte declarar o valor da transação e efetuar o recolhimento da quantia correspondente. Nessa natureza de lançamento, não há intervenção do Fisco no momento da apuração do imposto.

O Fisco somente poderá interceder para fixar valor diverso daquele declarado no instrumento como base de cálculo se comprovar que naquela transação os valores ali consignados não refletem a realidade, no bojo de procedimento administrativo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme exige o artigo 148 do Código Tributário Nacional.

Não por acaso, por se tratar de expressa disposição legal, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido da indispensabilidade de abertura de processo administrativo para que a administração tributária possa arbitrar valor diverso daquele apresentado pelo contribuinte para efeito de base de cálculo.

Entretanto, o que ocorre Brasil afora é que os municípios e o Distrito Federal realizam avaliações unilaterais dos imóveis, muitas vezes em valores superiores aos valores de mercado. E exigem o pagamento do ITBI sobre esses valores.

De forma objetiva, os municípios e o Distrito Federal desprezam os valores contidos no instrumento, presumem a má-fé de todos os contribuintes e exigem o pagamento do imposto sobre quantia superior, ignorando por completo o procedimento previsto nos artigos 148 e 150 do Código Tributário Nacional.

Na prática, são raras as situações nas quais o ITBI é pago sobre o valor da transação, pois os municípios e o DF, em geral, fixam os valores venais para fins de ITBI em patamar acima aos valores praticados pelo mercado. Isso se tornou particularmente evidente após a crise no mercado imobiliário vivida no país desde 2013.

Em São Paulo, há bairros, como o Morumbi, em que se nota uma diferença para cima de mais de 900% entre o valor de mercado dos imóveis e o valor fixado, para fins de ITBI, pelo município.

Para combater mais essa ilegalidade, o contribuinte pode impetrar mandado de segurança, com pedido liminar, buscando o reconhecimento de seu direito líquido e certo em recolher o ITBI sobre o valor da transação, ou ajuizar ação de repetição de indébito contra o município/DF buscando a devolução do valor pago em excesso.

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