Investigando os investigadores

MP-RJ denuncia delegado por chefiar organização criminosa e obstruir Justiça

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28 de dezembro de 2021, 14h41

O Ministério Público do estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), denunciou o delegado Maurício Demétrio Afonso Alves e o policial civil Adriano Santiago da Rosa, por integrarem organização criminosa voltada à prática dos crimes de obstrução de Justiça e violação de sigilo funcional.

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Delegados utilizam a máquina pública para atender interesses pessoais 
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Maurício Demétrio já foi acusado também de usar a Polícia Civil para extorquir dinheiro de comerciantes, criar dossiês contra desafetos e de tentar interferir nas investigações do caso da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes.

A denúncia desta segunda-feira (27/12), que deu origem à segunda fase de uma investigação, apelidada de carta de Corso, levou à prisão de Adriano. As investigações são um desdobramento da primeira fase da operação, promovida em junho deste ano, quando Maurício e outros policiais civis foram presos. 

Segundo o MP, o delegado foi o mentor de uma operação forjada para tentar obstruir e enfraquecer investigações que já estavam em andamento contra ele e seu grupo. Maurício Demétrio chegou a envolver e prender em flagrante o delegado Marcelo Machado Portugal, quem justamente o investigava. Machado foi solto logo após pagar fiança. Ao longo das investigações ficou constatado que Demétrio queria prejudicar Portugal, seu desafeto.

A apreensão de aparelhos celulares do delegado, na primeira fase da investigação, permitiu a obtenção de novas provas contra ele. Segundo o conteúdo extraído, com autorização judicial, dos aparelhos telefônicos, Maurício contava com o apoio de Adriano, lotado no Setor de Inteligência Policial da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial, para obter dados sigilosos de diversas pessoas, com o objetivo de prejudicá-las.  

De acordo com o jornal O Globo, Demétrio pediu a Santiago uma lista com os telefones de agentes que trabalhavam com ele. Santiago disse que a listagem seria utilizada pelo delegado para saber se algum dos telefones de seus policiais estava sendo interceptado.

O braço-direito de Demétrio disse ainda ao Gaeco que era provável que o chefe passasse os números para um "contato em operadora de telefonia ou alguém que trabalhasse no Guardião (equipamento que faz escutas telefônicas em grande quantidade)".

Poucos resultados
O caso do delegado chama a atenção para os números da eficiência policial. Em média, no país, de cada 1.000 ocorrências levadas ao conhecimento da polícia, apenas 100 se tornam procedimentos de apuração policial (60 inquéritos e 40 termos circunstanciados de ocorrência). Do resultado, menos da metade tem a autoria identificada e, desses, cerca de 5% apenas terminam com a condenação do criminoso.

A quarta edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade – Porque o Brasil precisa de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios”, do Instituto Sou da Paz, apontou que a taxa nacional de esclarecimento de homicídios é de 44%. Apenas seis estados solucionam mais da metade dos casos de assassinato.

Os dados completos foram apresentados por apenas 17 estados brasileiros  revelando a necessidade de maior transparência e um banco nacional de dados para medir com mais precisão a eficiência da Polícia brasileira. 

No Rio de Janeiro, estado que Demétrio atua, o salário inicial de um delegado é de mais de R$ 18 mil, e em alguns estados esse salário ultrapassa os R$ 20 mil, o que demonstra que a baixa qualidade do serviço nem sempre é influenciada pela baixa remuneração.

Operações obscuras
No dia 23 de novembro de 2020, seis dias antes do segundo turno das eleições municipais, Maurício, por meio do advogado Thalles Wildhagen Camargo, fez chegar ao conhecimento do delegado da Polícia Federal Victor Cesar Carvalho dos Santos, primo do advogado, a notícia de que um portador não identificado entregaria uma grande quantia em dinheiro, de origem desconhecida, ao então candidato a prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.  

Uma equipe da PF chegou a ser mobilizada para abordar o então candidato, de acordo com as informações repassadas por Thales ao delegado da PF mas, de acordo com Victor, a operação não teria acontecido a partir do momento em que lhe foi revelado que as informações para a promoção da abordagem haviam partido do delegado.  

Em outro episódio, Maurício informou ao agente da Polícia Federal Enrico Cortes Villela Delle Piane, que um outro delegado, morador de Petrópolis e que havia atuado na Corregedoria, estaria traficando drogas em seu veículo, nos deslocamentos entre a capital e a Região Serrana. Ele chegou a se encontrar presencialmente com o agente da PF para repassar os dados que seriam utilizados em uma futura operação para prender o delegado, porém, após diversas mensagens eletrônicas, sob a alegação de que ele e sua esposa haviam contraído Covid, Maurício cessou o repasse de informações ao agente.  

Além disso, também de maneira ilegal, Maurício determinou que Adriano fizesse uma devassa de dados restritos de inúmeros cidadãos, entre eles autoridades e seus familiares, tendo acesso, inclusive, a informações sobre movimentações bancárias das vítimas, com o objetivo de produzir dossiês.

Ao jornal O Globo, a defesa de Demétrio afirmou que "acha que pode haver uma perseguição de cunho pessoal" por "um promotor que ele [Demétrio] denunciou no CNMP"."Acho que pode haver (uma perseguição) de cunho pessoal, porque as provas são fraquíssimas e não se sustentam. Pode ser que esse Celso o esteja perseguindo", disse Raphael Mattos.

Em resposta ao jornal, o promotor citado, Celso Quintella Aleixo, disse, em nota, que "ao contrário do alegado pelo advogado, as provas dos processos contra o delegado Maurício Demétrio são numerosas e robustas, sendo esse o motivo de estar preso e sendo processado criminalmente". 

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