Opinião

Quais as lições de 2021 para a advocacia criminal?

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27 de dezembro de 2021, 10h01

É certo que há correntes de historiadores que nos contam os fatos do passado após longos anos, de modo que se torna difícil analisar, ainda no decorrer do ano, quais os ensinamentos e lições de 2021. No entanto, por amor ao debate e ao sacerdócio do criminalista, permitimo-nos debater algumas das questões que envolvem a advocacia criminal neste ano.

É certo, também, que desde o início da pandemia, inúmeros avanços alavancaram a advocacia e sacudiram suas estruturas. Saímos de um processo que estava em evolução rumo à advocacia 4.0 para, em menos de dois anos, consolidar a advocacia 5.0, evidenciando-se o desenvolvimento tecnológico da profissão e seus entornos. Além, evidentemente, do crescimento de crimes cibernéticos, das inovações legislativas relativas aos crimes de gênero, da consolidação da Investigação Defensiva e de decisões paradigmáticas que marcaram o ano.

Ao longos dos últimos anos ganhou espaço na doutrina especializada as discussões teóricas sobre os Crimes Digitais ou Cibernéticos. Ocorre que, apenas após o avanço tecnológico que ocorreu durante a pandemia do Covid-19, o número dos crimes digitais no Brasil cresceu de forma exponencial.

Segundo informações da Coordenadoria de Estatística e Análise Criminal (CEACrim) da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo, houve um aumento no estado de 265% dos crimes praticados no meio digital, enquanto em Minas Gerais essa modalidade de crime teve um aumento de 50%, segundo informações da própria Polícia Civil [1]. No âmbito do Distrito Federal, houve um aumento de 200% de crimes praticados na internet desde o início da pandemia, sendo registrado até 6.545 ocorrências no primeiro semestre de 2021, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado [2].

O crime de estelionato, em especial, ora principal figurante no meio digital, segundo informações da própria CEACrim [1], cresceu mais de 500% em número de ocorrências digitais entre os anos de 2019 e 2020, apenas no estado de São Paulo. Paralelo a isso, as Leis nº 13.964/2019 [3] e nº 14.155 [4], alteram significativamente as normas penais e processuais relativas ao crime de estelionato.

A partir do pacote anticrime e da referida alteração feita em 2021, o crime de estelionato passou a exigir representação criminal, enquanto a norma de competência para julgamento e investigação passou a ser definida pelo local do domicílio da vítima, desde que praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores.

É a partir desta alteração conjunta que defendemos um novo caminho para a atuação do advogado criminalista, em especial em defesa dos interesses da vítima e no meio digital. Como demonstrado acima, a demanda de crimes digitais aumentou de maneira exponencial, mas a precariedade da estrutura policial civil, exige a participação ativa do advogado em defesa dos interesses da vítima.

Esta última alteração da norma de competência realizada em 2021, permite que o advogado possa prosseguir, em companhia da autoridade policial, com a representação e investigação do crime de estelionato digital (transferência de valores), no domicílio da vítima. Têm-se conhecimento que a antiga norma de competência pelo local do crime, praticamente impossibilitava a atuação da investigação policial, ensejando na ausência de punibilidade dos estelionatários do meio digital.

Por outro lado, além da mudança da norma de competência, a possibilidade da Investigação em Fontes Abertas abriu um novo mercado para o criminalista, sendo — segundo nosso entendimento — uma das lições de 2021. Desnecessário aqui falar, sobre a permanência do crescimento em exponencial destes crimes, em especial pela chegada do metaverso.

Outro cenário que, digamos, abre um novo espaço para o criminalista após a pandemia do Covid-19, mas em especial durante o ano de 2021, é a atuação do Advogado Criminalista como Assistente da Vítima nos crimes de gênero. Oportuno registrar que a Lei nº 11.340, desde 2006, traz em seu artigo 27 e 28, a assistência judiciária gratuita e o direito à presença de advogado, em todos os atos, desde a fase policial até o encerramento da fase judicial [5].

Alguns autores, inclusive, posicionam-se no sentido de que a figura do Assistente da vítima de violência doméstica possui maior protagonismo jurídico e assistencial, se comparado com o Assistente da Acusação, este trazido no Código de Processo Penal. A figura do assistente da vítima pode atuar desde o âmbito social, com oferecimento da Ação Penal (crimes privados), pedidos de medida protetiva, entre outras requisições. Frisa-se que as principais diferenças se referem à desnecessidade de autorização judicial e à submissão ao posicionamento do Ministério Público, por ser direito pleno da vítima, diferentemente do que ocorre no contexto genérico do assistente da acusação [6].

Neste cenário, oportuno registrar que durante o ano de 2021 o legislador trouxe inúmeros dispositivos legais que protegem alguns dos direitos das vítimas dos crimes de gênero, tais como a criação do crime de Violência Psicológica contra a Mulher, Violência Política contra a Mulher, o crime de stalking (perseguição), novos tipos penais previstos no Código Penal [7]. Além do mais, houve ainda a afirmação da necessidade de respeito pelos agentes processuais à dignidade da testemunha e da vítima durante o processo, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal, conforme previsão da Lei nº 14.245. Por fim, importante mencionar a decisão do STF que julgou inconstitucional a utilização da tese legítima defesa da honra no plenário do Tribunal do Júri [8], ora tão empregada no século passado, quando imperava no judiciário o machismo estrutural.

Tais novos elementos se analisados em conjunto à crescente dos crimes contra a mulher ocorrido durante os últimos dois anos [9], simbolizam um novo caminho para a Advocacia Criminal. Não só como defensor dos interesses da vítima, mas também como "um chamado" à necessidade da realização de uma defesa do acusado, em respeito à dignidade da vítima, sem ferir os princípios mínimos da humanidade.

Por fim, analisamos um "terceiro" tópico sobre a atividade forense do criminalista. Digamos que o ano de 2021 foi marcado por importantes decisões do Supremo Tribunal Federal, sejam elas consideradas "equivocadas" ou "acertadas", por parte da doutrina processual penal.

A título de exemplo, grandes juristas, tais como Alberto Zacharias Toron, Kakay, Aury Lopes Jr, Lênio Streck, Jacinto Coutinho, Alexandre Morais da Rosa, entre outros, sempre foram críticos ferrenhos dos abusos e ilegalidades cometidos durante a Operação Lava Jato, mas tais ilegalidades foram mantidas pelas instâncias superiores em razão, especialmente, do ativismo judicial, da espetacularização do processo penal, do apelo midiático e do clamor social.

Ocorre que, apenas em 2021, após a atenuação dos ânimos, o STF, STJ e outros tribunais anularam as principais condenações da operação, sejam decorrente do parcial Sergio Moro, de sua substituta ou do juiz federal Marcelo Bretas. Indiscutível que tais anulações decorreram de nulidades que eivaram de vício os processos desde o seu início, mas apenas após quase 08 anos de operação o STF se manifestou sobre as ilegalidade ora cometidas. Destacamos as decisões do caso Lula [10], as anulações em um dos processos de Eduardo Cunha [11], bem como as anulações de sentenças do juiz federal Marcelo Bretas [12].

Tais anulações representam as vitórias dos advogados criminalistas que, nas trincheiras, passaram os últimos anos na luta pelo respeito à Constituição e a legalidade processual.

Conquistas como as narradas acima, vinculadas à correta aplicação dos princípios básicos do processo penal, tais como o juiz natural, a imparcialidade, a presunção de inocência e as normas de competência, representam o fortalecimento da ciência jurídica constitucional num regime democrático, tão vulgarizada pelo senso comum.

Aprende-se, portanto, mesmo que a luz esteja pequena e apenas no fim do túnel, o ano de 2021, em que pese os seus percalços, nos mostra que vale a pena acreditar numa justiça que respeite os pilares da Constituição.

Além dos elementos e fatos aqui trazidos, entendemos que ano de 2021 simboliza uma quebra de paradigma na advocacia criminal, com a consolidação e surgimento de institutos e ferramentas, como utilização da tecnologia nos julgamentos (realidade 3D no caso da Boate Kiss), consolidação da investigação defensiva, crescimento das grandes operações e o fortalecimento na área do Compliance.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 – Disponível em: https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/crimes-digitais-tem-forte-alta-em-varios-estados-saiba-como-prevenir-05052021. Acesso em: 15 dez. 2021;

2 – https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/10/4955015-mais-crimes-digitais-durante-a-pandemia.html. Acesso em: 15 dez. 2021;

3 – BRASIL. Lei nº 13964, de 2019. .

4 – BRASIL. Lei nº 14155, de 2021.

5 – BRASIL. Lei nº 11340, de 2006

6 – https://www.conjur.com.br/2019-jul-18/franklyn-roger-assistencia-vitima-violencia-processo-penal. Acesso em: 15 dez. 2021;

7 – BRASIL. Decreto-Lei nº 2848, de 1940;

8 – http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462336&ori=1. Acesso em: 15 dez. 2021;

9 – https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/comportamento/violencia-contra-a-mulher-aumentou-em-2021-veja-onde-encontrar-ajuda. Acesso em: 15 dez. 2021

10 – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56327483. Acesso em: 15 dez. 2021.

11- https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/12/07/trf-1-anula-condenacoes-de-eduardo-cunha-e-henrique-alves-por-fraudes-no-fgts.htm. Acesso em: 15 dez. 2021.

12 – https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/12/derrocada-de-pilares-da-lava-jato-contribuiu-para-anulacao-a-conta-gotas-de-processos.shtml. Acesso em: 15 dez. 2021.

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