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Crianças e torturados do "caso Evandro" vão receber pedido de perdão do estado

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27 de dezembro de 2021, 18h14

O grupo de trabalho sobre o caso Evandro, da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Paraná, publicou relatório final identificando possíveis erros na condução do processo e da investigação do assassinato do menino Evandro, em 1992.

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Acusados de matar Evandro receberão pedido de desculpas do governo do PR
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Após a divulgação do relatório, o governo do Paraná se responsabilizou por entregar um pedido de desculpas formal à família de Evandro Ramos Caetano, bem como aos investigados que sofreram torturas para confessar os crimes.

Na época com seis anos, o garoto desapareceu entre o trajeto de casa e da escola. Após alguns dias, o corpo dele foi encontrado em um matagal em Guaratuba, no litoral do estado, com órgãos arrancados e pés e mãos cortados.

A carta de desculpas também será apresentada aos familiares de Leandro Bossi, desaparecido no mesmo município e no mesmo ano, e na época com 11 anos. 

O secretário estadual da Justiça, Ney Leprevost afirmou que o relatório concluiu que os crimes cometidos contra as crianças nunca foram desvendados de forma cabal, irrefutável e definitiva. Segundo ele, na época dos fatos, um grupo de legalidade questionável foi enviado a cidade e cometeu uma série de erros que geraram uma imensa sucessão de equívocos, contaminando toda a investigação. 

"Mas, ainda pior: recentemente uma série documental exibida pela Globo Play, apresentou provas de que este grupo liderado por um oficial já falecido, torturou os acusados para que confessassem o crime e ainda, dentro da mansão do ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, cometeu sevícias indescritíveis contra as mulheres que na época estavam sendo investigadas, forçando-as a assumir que teriam mandado matar o menino Evandro para praticar um ritual de magia negra", ressaltou o secretário.

Após assistir à série, ler o relatório, tomar conhecimento dos depoimentos espontâneos prestados ao grupo de trabalho e ouvir os áudios da tortura, Leprevost diz que formou convicção de que os acusados foram vítimas de gravíssimas violências físicas e resolveu pedir perdão também a eles pelos crimes de tortura cometidos no passado pelo Estado. 

"Utilizar a máquina estatal para cometer tortura é crime. Neste caso vemos muitas vítimas: as crianças, seus pais, os acusados que foram torturados, pessoas que tiveram a vida profissional destruída, as instituições públicas que foram induzidas a erro, o município de Guaratuba que ficou anos e anos sendo discriminado e até o contribuinte paranaense que pagou por tudo isto. É a teoria de São Tomás de Aquino, tão ensinada nas faculdades de Direito, aplicada na prática: uma maçã podre fez toda investigação apodrecer", afirmou Ney.

O relatório final propôs a criação de um comitê de prevenção à tortura e anunciou a criação de uma rede estadual de aviso de desaparecimento de pessoas no Paraná. A intenção é que, com a rede, todas as delegacias sejam informadas simultaneamente sobre os novos os caso e propôs a criação de um comitê de prevenção de tortura no estado.

Nos próximos dias, as famílias das crianças desaparecidas e dos torturados irão receber cópias do relatório. Isso poderá auxiliar os advogados dos torturados nos pedidos de anulação do julgamento e para os pais das crianças acionarem o Estado na esfera cível pedindo indenizações  pela sequência de danos sofridos. 

Leia a carta que será enviada para Celina Abagge, que tem 82 anos de idade e foi vítima de tortura e sevícias:

"Venho por meio deste informá-la que o relatório coordenado pelo Departameto de Direitos Fundamentais deste órgão e elaborado pelo Grupo de Trabalho “Caso Evandro: Apontametos para o Futuro” está concluído e será de grande utilidade para a proteção dos direitos humanos e a prevenção de crimes contra as crianças.

Tal documento será disponibilizado para a senhora e para os demais condenados pelo crime para que, se for de interesse de seus advogados, possa ser anexado ao pedido de anulação do julgamento. 

Ressalto que o Grupo de Trabalho funcionou de forma independente e multidisciplinar com objetivo claro de aprender com os graves erros do passado para iluminar os caminhos que serão percorridos no futuro. 

Faço questão de publicizar que após assistir a série Caso Evandro, ouvir os áudios, tomar conhecimento dos relatos espontâneos e ler o relatório elaborado pelo Grupo, do qual não fui parte integrante, formei convicção de que a senhora e os outros condenados pelo crime foram vítimas de torturas gravíssimas. Tal prática configura-se crime e é totalmente inaceitável.

Cabe salientar que não tenho prerrogativa legal para declará-la inocente e nem mesmo para anular seu julgamento. Sendo que tal medida só poderá ser adotada, na forma da Lei, pelo próprio poder Judiciário, ao qual encaminharei cópia desta carta e do relatório. 

No entanto, na condição de secretário de Justiça, Família e Trabalho, expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de violência contra seres humanos para obtenção de confissões e peço, em nome do Estado, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora.

Pedido de perdão este também, simbolicamente, extensivo a toda e qualquer outra pessoa que por ventura tenha um dia sofrido tortura estatal em território paranaense. 

Também informo que será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo como gerou uma série de danos.

Na firme esperança de que “mesmo escapando da justiça dos homens, os maus jamais conseguirão fugir da justiça de Deus”, assino desejando-lhe um Ano Novo com saúde, justiça e paz!"

Ney Leprevost
Secretário de Justiça, Família e Trabalho do Paraná

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