Opinião

A questão da segurança jurídica na economia

Autor

  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCrim) presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) mestre e doutor em Direito Penal pela USP e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo (OAB-SP) por três gestões (2004 a 2012).

23 de dezembro de 2021, 19h37

Quanto mais evoluímos como nação, mais necessário se faz a compreensão do que significa segurança jurídica e qual a sua importância para a economia e para o Brasil.

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Se tivesse que explicar isto de modo muito simples, diria que, como em um jogo de futebol, as regras do jogo precisam ser estabelecidas e definidas antes do início da partida, além de conhecidas e respeitadas por todos os que participam do jogo.

Imagine um jogo de futebol no qual os jogadores da linha poderiam chutar a bola com os pés e alguns também utilizar as mãos, o tempo de jogo pudesse variar de acordo com o placar ou a vontade do dono da bola, ou ainda, que um gol pudesse ser anulado ao bel prazer do juiz, que poderia marcar um pênalti de acordo com seu entendimento, divorciado das regras para tanto.

Basta este exemplo para se compreender que na ausência de regras definidas e antes do início da partida, teríamos o caos e jamais um jogo de futebol.

Assim também é com a nossa sociedade. Desde os primórdios, os grupamentos de indivíduos estabeleciam regras que precisavam ser acatadas por todos. No passado, o sujeito que não cumprisse o que, coletivamente, ficasse estabelecido por todos, poderia ser expulso do grupo, e naquele tempo, esse banimento comprometia a sua própria sobrevivência.

Com a evolução, as tribos e grupamentos, passaram a criar mecanismos de feitura das regras e também as formas de impor sua observação, inclusive com a punição para quem não as observasse.

Essa evolução fez com que surgissem as leis, que nada mais são do que regras estabelecidas pela maioria, impostas a todos que desejam viver naquela comunidade (país) e, os que descumprem tais regras, leis, são julgados e podem ser punidos por este descumprimento.

A necessidade de regras para o convívio entre as pessoas busca harmonizar a vida em sociedade, o que se denomina paz social, vale dizer, uma forma de convivência tranquila e com paz entre as pessoas que aceitaram se submeter às regras, à lei.

As leis servem para evitar o caos social e devem ser aceitas e impostas a todos, não podendo ser alteradas ao bel prazer de quem quer que seja. Este império das leis é que define o nosso Estado democrático de Direito.

Vale lembrar que a lei não é imutável, mas enquanto ela estiver valendo, isto é, em vigência, não pode ser modificada. Existe um processo complexo, aceito por todos, tanto para a feitura, quanto para a modificação da lei, que só poderá ser alterada por outra lei nova, mais recente.

A imutabilidade da lei enquanto vigente é um dos aspectos da segurança jurídica necessário ao convívio social.

Isto impacta também na interpretação das leis aplicadas aos casos concretos, materializada nas decisões judiciais, que devem trazer um mínimo de imutabilidade, sem engessamento, vale dizer, uma diretriz de como o legislador pensou a lei, o que o inspirou e de como o indivíduo deve se conduzir no seu comportamento social.

As decisões judiciais representam outro ponto de escoramento da segurança jurídica, pois embora não precisam ser idênticas, tais decisões precisam indicar um mesmo rumo desejado pelo legislador quando da feitura da lei e desta forma as decisões precisam ter sintonia.

Para se entender melhor este ponto, admita-se que um empresário tome uma decisão importante em seus negócios, baseado na lei e como ela é interpretada (aplicada) pelos tribunais em suas decisões, todavia, no caso deste empresário, no seu processo, o tribunal decide de maneira contrária ao que vinha decidindo até então.

Em que pese isto não ser proibido acontecer, trará prejuízos a este empresário e o tornará exemplo aos demais empresários, que talvez, em seus negócios, não tomem decisões desta ou daquela maneira, pelo receio de, futuramente, também serem alvos de uma mudança de posição repentina de interpretação judicial.

A hipótese acima é péssima para os negócios e como se sabe, os negócios é que fazem um país grande, pois geram empregos, pagam impostos e fazem o dinheiro circular, melhorando a economia. Assim, a economia depende da segurança jurídica estabelecida no país.

É por causa disto, que se reclama tanto da ausência de segurança jurídica, pois ela impacta na própria lei, que precisa orientar com segurança o indivíduo a observá-la, sem mudanças repentinas.

Também as decisões judiciais precisam dessa segurança jurídica, pois devem revelar uma diretriz a orientar os integrantes da sociedade, sob pena da indesejável desorientação, com sérias consequências para todos.

A segurança jurídica, pois, é um direito que decorre da própria cidadania, de modo que o indivíduo que vive em sociedade, e que aderiu ao pacto social, tem o direito de exigir de todos, inclusive das autoridades, a observância das regras adotadas, refletidas nas decisões judiciais, a indicar a pacificação da jurisprudência, diante da turbulência social.

Por fim, sempre é bom lembrar que todos aqueles que vivem em sociedade aderiram, mesmo que tacitamente, às regras estabelecidas por aquela sociedade, isto que se denomina pacto social, que ocorre quando o sujeito abre mão de parcela de seus direitos em favor da coletividade, obrigando-se, individualmente, a cumprir o que ficou estabelecido por todos, por meio da lei.

A segurança jurídica é tão indispensável à economia e ao harmônico convívio social quanto o ar revela-se indispensável para a existência da vida humana, de modo que sem ar não se vive e sem segurança jurídica não se consegue obter a tão almejada paz social com a convivência harmônica das pessoas em sociedade.

Autores

  • Brave

    é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP, pós-doutor pela Faculdade de Direito Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha), presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo por três gestões (2004/2012), presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCrim).

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