Jurisprudência do STF

Decisões de Fux no caso da boate Kiss respeitaram soberania do júri

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23 de dezembro de 2021, 18h41

As decisões do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, suspendendo a eficácia de liminar em Habeas Corpus concedida a quatro condenados no caso da boate Kiss, respeitaram a soberania do veredicto do júri e a jurisprudência da Corte. É o que afirmam integrantes do Ministério Público.

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Fux autorizou prisão imediata de quatro condenados no caso da boate Kiss

O desembargador José Manuel Martinez Lucas, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concedeu liminar em Habeas Corpus para impedir o juiz de primeiro grau de determinar a prisão imediata de quatro réus condenados pelo tribunal do júri por homicídio e tentativa de homicídio pelas 242 mortes e mais de 600 feridos causados pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada de 27 de janeiro de 2013.

O ministro Fux concedeu medida cautelar em suspensão de liminar para derrubar a decisão do desembargador. Para o ministro, a execução da condenação pelo tribunal do júri independe do julgamento de apelação ou qualquer outro recurso. E a imediata prisão imposta pelo corpo de jurados representa o interesse público na execução da condenação.

A 1ª Câmara Criminal do TJ-RS confirmou a liminar do desembargador. Porém, Fux tornou sem efeito eventual decisão colegiada do TJ-RS que pudesse ser favorável aos réus do caso da boate Kiss e proibiu a soltura deles.

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu à ConJur a decisão do ministro. "Com todo respeito ao TJ-RS, não se podia esperar outra reação do vértice do Poder Judiciário que não a decisão do presidente Fux." Isso porque as decisões do tribunal do júri são soberanas.

Além disso, Medeiros apontou que o TJ-RS violou a Súmula Vinculante 10 do STF ao afastar a aplicação do artigo 492, I, "e", do Código de Processo Penal, inserido pela Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019). O dispositivo estabelece que o presidente do tribunal do júri determinará a execução provisória das penas superiores a 15 anos, sem prejuízo de recursos que vierem a ser interpostos. Os quatro já condenados no caso da boate Kiss receberam penalidades entre 18 e 22 anos de prisão.

A Súmula Vinculante 10 estabelece que "viola a cláusula de reserva de plenário (Constituição Federal, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".

O promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul Fabiano Dallazen disse à ConJur que o juiz presidente do tribunal do júri que determinou a prisão dos condenados indicou os motivos pelos quais a medida é necessária, com base no artigo 492, I, “e”, do CPP, que está em vigor.

Dallazen também citou voto do ministro Luís Roberto Barroso no Recurso Extraordinário 1.235.340, Tema 1.068 de repercussão geral, que discute a possibilidade de execução imediata da pena após condenação pelo júri. Barroso e Dias Toffoli votaram pela medida, enquanto Gilmar Mendes divergiu. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.

Ao votar pela constitucionalidade da execução da pena, Barroso afirmou que "o fundamento da exequibilidade das decisões tomadas pelo corpo de jurados não está no montante da pena aplicada pelo respectivo juiz-presidente, mas na soberania conferida aos veredictos do tribunal popular, por vontade expressa do texto originário da Constituição". 

Portanto, a violação da soberania das decisões do júri é uma questão constitucional, de competência do STF, o que autoriza as intervenções de Luiz Fux, avaliou o promotor do MP-RS.

Dallazen ainda ressaltou que há precedentes do STF suspendendo liminares em Habeas Corpus, como (SL 453 MC e SL 787). O caso mais recente foi o da Suspensão de Liminar 1.395, quando o Plenário referendou decisão de Fux que suspendeu a liminar em HC do ministro Marco Aurélio autorizando a soltura de André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap.

Para Sauvei Lai, promotor de Justiça do MP-RJ, membro-auxiliar da AJCRIM/STF da PGR e professor de processo penal, "independente do acerto ou não da decisão do STF, o que não se discute aqui, reconhece-se que ela está calcada em farta legislação e jurisprudência, devendo o inconformismo das partes ser objeto dos recursos jurídicos cabíveis, evitando-se eventual exploração política e maniqueísta, uma vez que não há respostas simplistas às complexidades postas no caso".

Advogados criticam
Advogados ouvidos pela ConJur afirmaram que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, de autorizar a prisão imediata dos quatro condenados no caso da boate Kiss é ilegal e inconstitucional. Isso porque a suspensão de liminar não pode ser usada para reverter Habeas Corpus e porque violou a presunção de inocência. 

Os advogados Rodrigo Faucz Pereira e Silva, colunista da ConJur, e Jader da Silveira Marques enviaram requerimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em que questionam as decisões de Fux.

No documento, os advogados argumentam que a decisão de Fux de suspender a eficácia da concessão de HC por um Tribunal de Justiça estadual, de maneira monocrática e individual, aplicou a execução imediata de pena após condenação em primeiro grau, de modo que violou o duplo grau de jurisdição, a presunção de inocência e irretroatividade da lei penal.

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