Direto do Carf

O fornecimento de cestas natalinas e suas controvérsias tributárias no Carf

Autores

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

22 de dezembro de 2021, 8h00

Na última coluna do ano de 2021, manteremos a tradição de escrever sobre temas relacionados às festas de final de ano que, como quase todos os fatos da nossa vida, geram reflexos e, eventualmente, controvérsias tributárias. Hoje falaremos sobre as discussões no âmbito do Carf relacionadas ao fornecimento de cestas de Natal.

As cestas são tradicionalmente uma forma dos empregadores agradecerem aos empregados pelos serviços prestados ao longo do ano, colaborando com a comemorações de Natal deles. A origem desse costume, entretanto, remonta ao Império Britânico, no século 17, como uma forma de reconhecimento dos patrões pela ajuda dos empregados nas suas próprias festas de Natal, que seria fruída no dia seguinte, em que era concedida uma folga — acabou sendo denominado de “Boxing day”.

Entretanto, no Brasil, nem a caridade escapa ao tributo! Sob a perspectiva de quem paga, a doação de cestas de Natal pode corresponder a uma despesa cuja dedutibilidade, para apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, é objeto de questionamento pelo Fisco. Entretanto, a questão pode comportar dois regimes jurídicos, a depender do destinatário, se funcionário ou terceiro.

Spacca
Sobre a destinação a terceiros, o acórdão nº 105-12.926[1], discutiu a dedutibilidade de despesas com a aquisição de produtos para a montagem de cestas natalinas para serem doadas a um abrigo, pretendendo a empresa se aproveitar da hipótese de dedução de contribuições e doações, estabelecida no artigo 55 da Lei nº 4.506/64, que possui um regime jurídico específico relacionado a quem será o destinatário da doação (e os requisitos que devem atender) e uma limitação da dedutibilidade a 5% do lucro operacional da empresa. Nesse caso, ao final, se reconheceu a possibilidade de dedução, em abstrato, mas acabou-se mantendo a glosa desses gastos devido à falta de documentos da efetiva distribuição.

Por outro lado, em se tratando de cestas de Natal destinadas a funcionários, o arcabouço jurídico muda drasticamente. No acórdão nº 108-01.688[2] (fato gerador de 1991), por exemplo, autorizou-se a dedução dessas despesas com base no artigo 47 da Lei nº 4.506/64 (“Art. 47. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e a manutenção da respectiva fonte produtora.”) — a regra geral de dedutibilidade de despesas operacionais — e no Parecer Normativo CST nº 15/1976 — que dispõe sobre a aquisição e distribuição de brindes, desde que correspondam a objetos de pequeno valor e sejam em índice moderado, relativamente à receita operacional da empresa. No mesmo sentido, no acórdão 108-05.567 (fato gerador de 1991)[3], no qual se entendeu que "é incontestável que donativos e gratificações a funcionários colaboram com a manutenção da fonte produtora".

O Parecer Normativo CST nº 15/1976 possui alguns aspectos interessantes. Em primeiro lugar, há uma rejeição expressa ao enquadramento dos brindes (ergo as cestas) como despesas de propaganda (artigo 54 da Lei nº 4.506/64) ou como doações (artigo 55 da Lei nº 4.506/64), e o reconhecimento da ausência de uma norma específica na legislação. A partir daí, se constrói o conceito de brindes de "diminuto valor" com base no artigo 9º, V do Regulamento do IPI de 1972 (não obstante a evidente dificuldade para se determinar, in concreto que proporção atenderia a esse valor) para se reconhecer que a distribuição deles, inclusive aos colaboradores, teria a finalidade de promoção da empresa e, portanto, seria despesa operacional e dedutível. Engraçado considerar que o raciocínio, pelo menos se aplicado às cestas natalinas para funcionários, subverte a própria lógica original da concessão, como uma forma de valorização do outro, e não de si próprio.

Esse argumento, entretanto, deixa de ser aplicável com o advento da Lei nº 9.245/95, que veda a dedução de despesas com brindes, em seu art. 13, VII. A própria RFB, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 58/2013, adotou o conceito de "brindes" como "mercadorias que não constituam objeto normal da atividade da empresa, adquiridas com a finalidade específica de distribuição gratuita ao consumidor ou ao usuário final, objetivando promover a organização ou a empresa, em que a forma de contemplação é instantânea", retirando a possibilidade contemplada no PN CST nº 15/1976 de distribuição a pessoas que não sejam clientes.

Além disso, na Solução de Consulta nº 234/2007 — 9º RF, entendeu que "os gastos com gratificações em dinheiro, vales para compra de medicamentos, material escolar, cestas de natal e brindes a funcionários e familiares, distribuídos em festas natalinas, são indedutíveis do lucro líquido".

Com essa vedação expressa, passou-se a analisar a questão das cestas de Natal por outro ângulo, como no acórdão nº 1201-001.429[4], no qual se entendeu que a dedutibilidade delas estaria relacionada ao art. 13, §1º, da Lei nº 9.249/95, como despesas com alimentação fornecida indistintamente a todos os empregados[5]. Desse modo, para que se reconhecesse a dedutibilidade, dever-se-ia comprovar não apenas a concessão das cestas, mas que elas teriam sido entregues a todos os funcionários da empresa.

Esse critério foi utilizado pelo relator no acórdão nº 1201-002.248[6], para manter a glosa em razão da ausência de prova da distribuição indiscriminada das cestas. Não obstante, o voto vencedor aduziu que se a legislação permite a dedução das despesas com alimentação de funcionários, sem especificar que tipos específicos de alimento, ela considerou "à luz do princípio da razoabilidade e da função social da empresa, que não pode ser mantida a glosa desta despesa.”, fundamentando sua decisão no artigo 299, §2º do RIR/99, como despesas usuais e normais às atividades da empresa. Parece-nos que o voto vencedor desconsidera que a discussão não era de ser possível a dedução de despesas de alimentação in abstrato, mas sim o atendimento aos requisitos da legislação para tanto.

Entretanto, as cestas de Natal não ensejam discussões tributárias apenas no âmbito do IRPJ e da CSLL, mas também no tocante à contribuição previdenciária, ao se discutir se a sua concessão de modo habitual e indistinto a todos os funcionários ensejaria a sua qualificação como uma espécie de salário-utilidade, devendo ser computada na base de cálculo desse tributo.

A RFB tem entendimento de que elas seriam uma vantagem atribuída ao empregado, de forma periódica e uniforme, considerando-se tacitamente convencionadas, de modo que essa repetição afastaria a hipótese de liberalidade do empregador. No julgamento do acórdão nº 2201-003.614[7], prevaleceu o entendimento do ilustre conselheiro Carlos Henrique de Oliveira, no sentido de que, conquanto habituais, as cestas não se destinam a retribuir o trabalho prestado pelos empregados, ao passo que, conforme o art. 195, I, da CF/88, a contribuição incidiria sobre "rendimentos do trabalho" – como afirma em seu voto, "remuneração não é um buraco negro de amplidão cósmica", não podendo englobar qualquer coisa paga corriqueiramente aos empregados.

No seu entendimento, a cesta natalina seria um benefício, entendido como "[utilidades] distribuídas igualmente para todos os empregados e, até porque não, dirigentes da empresa". "São benefícios, recursos, bens, distribuídos para todos os empregados da mesma maneira, na mesma quantidade, com o mesmo objetivo: motivar e fidelizar o empregado com os objetivos empresariais."

Por uma linha argumentativa semelhante, no acórdão 2402-009.355[8] entendeu-se que a concessão das cestas de Natal seria uma forma de alimentação concedida aos empregados, aplicando o entendimento do STJ (por todos, EREsp n. 603.509/CE) de que a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação, não integra o salário de contribuição, por não possuir natureza salarial, esteja ou não a empresa inscrita no PAT.

Em prevalecendo o entendimento vencido da relatora do acórdão nº 2201-003.614, no sentido de que a concessão de cestas natalinas seria uma espécie de salário, em razão da habitualidade, ou o entendimento da RFB na SC nº 234/2007, de que seria uma gratificação, haveria reflexos tributários também sobre os beneficiários, pois não se estaria mais albergado pela isenção do artigo 35, I, "a" do RIR/2018, passando a ser tais valores sujeitos também ao IRPF. Entretanto, a jurisprudência do Carf parece ser firme no sentido oposto.

Vale observar que há uma consistência material entre os acórdãos mais recentes na 1ª Seção (relativos ao IRPJ e à CSLL) e na 2ª Seção (relativos à contribuição previdenciária), no sentido de considerar que o pagamento das cestas seria uma despesa com alimentação, sujeita, portanto, à regra do art. 13, §1º, da Lei nº 9.249/95 (em geral) ou, eventualmente, ao benefício fiscal da Lei nº 6.321/76 (dedução em dobro), e que não possui natureza salarial, independente da existência de um PAT registrado no Ministério do Trabalho.

Ainda na 2ª Seção, há precedentes sobre a impossibilidade de dedução das despesas com cestas de Natal por pessoa física que se utiliza do Livro Caixa, para apuração do IRPF. No acórdão 2801­003.781[9], foi mantida a glosa das despesas com as cestas, de modo que o relator chega a pontuar que: “basta raciocinar o seguinte: se não promover um jantar de comemoração ou não distribuir cestas de Natal os empregados parariam  de trabalhar?  Incorreria o empregador em algum dispositivo da legislação trabalhista? Está ele obrigado ou tem a ‘necessidade’ de incorrer em tais despesas?”. Na mesma linha, no acórdão 2402-008.487[10], entendeu-se que inexiste dispositivo isentando tais pagamentos do imposto de renda da pessoa física, e tampouco os gastos com as cestas básicas são despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora.

Por outro lado, na 3ª Seção de julgamento a questão parece ser mais pacífica, a despeito de contribuintes que buscaram aproveitar os gastos com cestas natalinas como créditos de PIS e COFINS (acórdãos 3301-008.916 e 3301-008.917) ou IPI (acórdão nº 3302-002.475), buscando enquadrá-los como insumos de suas atividades produtivas.

Em relação ao IPI, estes autores confessam não conseguir intuir, para além da simples aventura (ou desventura, considerando a autuação), qual a razão que levaria o contribuinte a entender de que modo as cestas seriam matéria-prima, material de embalagem ou produto intermediária. Em relação ao PIS/Cofins, esse entendimento provavelmente se baseia no argumento de que as empresas poderiam tomar créditos sobre todas as despesas operacionais, tal qual no IRPJ e na CSLL, linha que é absolutamente rechaçada no âmbito do Carf, e agora também no STJ.

Uma questão a respeito de cestas de Natal que, no passado, gerou dúvidas nos contribuintes foi a possibilidade de incidência de IPI na venda delas, em razão da montagem dos produtos em uma embalagem própria (cesta). Discutia-se a possibilidade dessa atividade ser enquadrada como reacondicionamento (RIPI/2010, art. 4º, IV), por alterar a apresentação do produto, pela colocação de uma nova embalagem.

Entretanto, para encerrar essa controvérsia, editou-se o Decreto-lei nº 400/1968, que estabeleceu em seu art. 9º que “Não se conceitua como reacondicionamento a simples revenda de produtos tributados dos capítulos 16 a 22, adquiridos de terceiros, quando acondicionados em embalagens confeccionadas com os produtos do capítulo 46, tudo da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964”. Apenas para esclarecer, os capítulos 16 a 22 compreendem os "Produtos das Indústrias Alimentícias" e as "Bebidas, Líquidos Alcoólicos e Vinagre"; o Capítulo 46 diz respeito às "Manufaturas de Espartaria e de Cestaria", abrangendo exatamente a hipótese de montagem de cestas de alimentos. Esse entendimento foi corroborado também pelo Parecer Normativo CST nº 479/1970.

Porém, há um ponto aqui que pode ensejar alguma controvérsia, em razão da redação do art. 5º, X, do RIPI/2010, que consolidou o art. 9º do Decreto-lei nº 400/68. O dispositivo estabelece que não é industrialização “o acondicionamento de produtos classificados nos Capítulos 16 a 22 da TIPI, adquiridos de terceiros, em embalagens confeccionadas sob a forma de cestas de natal e semelhantes”. Como se vê, deixou-se de utilizar a menção ao Capítulo 46 da TIPI, em prol de uma referência direta às cestas.

Logo, há duas possibilidades que podem gerar dúvida: uma seria a possibilidade de “cestas de Natal” feitas com embalagem que não se enquadrasse no Capítulo 46, por exemplo, tiras de couro ou peles preparadas, e a outra seria a hipótese de uma embalagem que se enquadrasse no referido capítulo, mas não tivesse a forma de uma “cesta”.

Entendemos que, em ambas as hipóteses, deve prevalecer o sentido do dispositivo consolidado (art. 9º do Decreto-lei nº 400/68) em detrimento de eventuais erros redacionais na consolidação, conforme dispõe o art. 13, §2º, da Lei Complementar nº 95/1998, ao determinar a preservação “do conteúdo normativo original dos dispositivos consolidados”.

Como visto, uma prática absolutamente comum da vida das empresas pode apresentar reflexos tributários complexos e das mais diversas ordens, inclusive sendo objeto de julgamentos nas três seções do Carf. Além disso, o fornecimento das cestas de Natal é uma realidade cuja categorização jurídica pode impactar diretamente sobre a sua dedutibilidade para fins de IRPJ/CSLL, a incidência ou não de Contribuição Previdenciária, e mesmo a incidência de IRPF ao nível do beneficiário, sem considerar a problemática do IPI, mencionada ao final.

Em nossa coluna de fechamento do ano, não poderíamos encerrar sem agradecer profundamente, em nome de todos os nossos colunistas, a todos os nossos leitores que comentam, referenciam e consultam as pequenas contribuições que deixamos semanalmente na "Direto do Carf". O retorno que recebemos de vocês faz valer a pena o esforço constante de elucidar temas complexos de uma forma rigorosamente técnica, mas acessível a todos.

Gostaríamos também de desejar um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO ANO NOVO para todos, com votos de que tenhamos um 2022 de muita paz e felicidades, com saúde para todos, e que possamos ultrapassar essa profunda crise social e de saúde pública que estamos vivendo.

Em 2022 seguiremos juntos, no quarto ano da "Direto do Carf", promovendo a divulgação dos entendimentos desse relevante órgão e colaborado para o desenvolvimento e o debate do Direito Tributário!


[1] Rel. Cons. Nilton Pêss, j. 14/07/1999.

[2] Rel. Cons. Ricardo Jancoski, j. 24/01/1995.

[3] Rel. Cons. José Longo, j. 23/02/1999.

[4] Rel. João Carlos de Figueiredo, j. 04/05/16.

[5] § 1º Admitir-se-ão como dedutíveis as despesas com alimentação fornecida pela pessoa jurídica, indistintamente, a todos os seus empregados.

[6] Redatora Cons. Gisele Bossa, j. 12/06/18.

[7] Redator Cons. Carlos Henrique, j. 09/05/17

[8] Relator Cons. Luís Henrique Dias, j. 12/01/21.

[9] Relator Cons. Marcio Parada, j. 04/11/14.

[10] Relator Cons. Denny Silveira,  j. 06/07/20.

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    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf e professor em cursos de pós-graduação.

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    é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi.

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