Liberdade de expressão

Abraji aciona Supremo Tribunal Federal contra assédio judicial a jornalistas

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22 de dezembro de 2021, 9h45

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade visando garantir mais proteção em casos de assédio judicial contra jornalistas, prática coordenada de distribuição pulverizada de processos contra um mesmo alvo, com o intuito de intimidação.

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ReproduçãoAbraji aciona Supremo Tribunal Federal contra assédio judicial a jornalistas

A ação pede a interpretação conforme a Constituição de artigos do Código de Processo Civil e da Lei Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/1995) que preveem ao autor da ação a escolha do foro do lugar do ato ou do fato, nas demandas sobre reparação de danos decorrentes do exercício da manifestação do pensamento e crítica.

Assim, a Abraji pede para que, sempre que caracterizada uma situação de assédio judicial, os processos sejam reunidos em série e julgados na comarca de residência do réu, isto é, do jornalista ou comunicador. Com isso, será possível evitar que o profissional tenha gastos excessivos com sua defesa para comparecer a JECs situados nos locais mais diversos do país.

"O Brasil lutou muito para que o acesso à justiça fosse democratizado, e a Abraji não pretende diminuir esse acesso. O que se pretende é uma ordem para estipular que, em caso de abuso do direito de ação, os processos sejam reunidos e tenham trâmite perante o foro do domicílio do réu. Dessa forma, já que não se pode evitar o abuso, pelo menos que facilite aos assediados a gestão da sua defesa", disse a advogada Taís Gasparian, do escritório RBMDFG, que representa a Abraji.

O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, espera que a ADI impeça o cerceamento da liberdade de imprensa. "A retaliação contra reportagens investigativas por via judicial vem se tornando cada vez mais frequente no Brasil e, infelizmente, um instrumento de promoção da democracia e do estado de direito, como os JECs, se tornou uma arma para que pessoas envolvidas em algum tipo de infração ou crime procurem esconder suas atividades do público", disse.

O uso dos JECs como ferramenta de assédio judicial a jornalistas tem sido cada vez mais frequente no Brasil. Um dos primeiros ocorreu em 2008 e teve como alvo a jornalista Elvira Lobato, à época na Folha de S. Paulo. Lobato respondeu, após publicação de uma reportagem sobre a Igreja Universal, a mais de 100 processos apresentados por pessoas ligadas à igreja quase que simultaneamente, revelando características de um ataque orquestrado. 

Em poucas semanas, a jornalista se viu diante de dezenas de convocações para comparecer a audiências de conciliação em cidades muito distantes até das capitais dos estados. No caso dos JECs, o não comparecimento do réu caracteriza sua revelia, isto é, os processos podem ser julgados sem que a versão da defesa seja ouvida. 

Em 2020, o escritor João Paulo Cuenca foi alvo de mais de 150 processos, em razão de uma postagem no Twitter que fazia uma paródia de uma frase histórica. Da mesma maneira, foram orquestradas proposituras simultâneas, em diversas cidades do país, com narrativas e argumentos parecidos.

Tais Gasparian, que defendeu Elvira Lobato, busca desde então alternativas para diminuir o impacto de quem procura instrumentalizar o Poder Judiciário contra a liberdade de expressão. "Não há remédio jurídico para enfrentar o assédio judicial. É necessário que o STF se pronuncie sobre essa questão de modo a mitigar os danos dos que são atacados", disse a advogada.

Gasparian ressalta ainda que a ADI apresentada pela Abraji não pretende restringir o direito de ação, um dos pilares do Estado Democrático e um direito humano. A estrutura dos Juizados Especiais Cíveis foi desenhada para facilitar o acesso à justiça e equilibrar desigualdades jurídicas e processuais em causas menos complexas.

São muito utilizados para demandas de consumidores contra grandes empresas e corporações, o que justifica diversas facilidades aos autores, como a possibilidade de ingressar com os processos na cidade de sua residência, a não obrigatoriedade de advogado e a gratuidade. 

O assédio judicial, ainda que se utilize desses instrumentos legítimos, "inverte de forma selvagem princípios éticos e jurídicos para deliberadamente sabotar a realização da Justiça e obstruir os ideais democráticos", afirma Eugênio Bucci, jornalista e professor, em parecer anexado à ação movida pela Abraji.

Bucci também acrescentou que a finalidade dessas ações não é buscar a justiça, e sim "sequestrar as energias do sistema de Justiça para perseguir pessoas que se dedicam a apurar a verdade factual, tão indispensável à política civilizada".

A ação também conta com um parecer do jurista Cássio Scarpinella Bueno, que afirma ser responsabilidade do STF garantir formas de gerenciar essas situações em que houver abuso no direito de acesso à justiça, e que violam não só a liberdade de expressão do réu, como o exercício da sua ampla defesa. 

Além do pedido final para que sejam interpretados conforme a Constituição os artigos pertinentes do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais, à luz dos direitos constitucionais da liberdade de expressão e de ampla defesa, a Abraji também solicita na ação uma medida liminar para que os processos sejam julgados de tal forma, ou ainda, subsidiariamente, que sejam suspensos até o julgamento final da ADI, para evitar qualquer prejuízo na proteção dos direitos e liberdades fundamentais. 

Dispositivos questionados
A ADI da Abraji pede que seja estabelecida interpretação conforme a Constituição ao artigo 53, IV, "a", do Código de Processo Civil e ao artigo 4º, III, da Lei n. 9.099/1995. Os dispositivos determinam que é competente o foro do lugar do ato ou fato para a ação de reparação de dano. O objetivo é "afastar, nos casos em que configurado o abusivo exercício do direito de ação, a incidência das normas que possibilitam a escolha do foro do lugar do ato ou do fato, para as demandas que visam à reparação de danos decorrentes do exercício da manifestação do pensamento e crítica, especialmente quando exercido através de veículo de comunicação ou imprensa, de modo a que seja estabelecida a competência territorial do órgão jurisdicional do domicílio do réu".

"Nestas hipóteses, a competência para processamento e julgamento dessas demandas seguiria, necessariamente, a regra do artigo 46 do CPC, segundo o qual a 'ação fundada em direito pessoal (…) será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu'", acrescenta a Abraji.

A associação também pede a "interpretação conforme" aos artigos 55, §3º; 69, II e §2º, VI, do Código de Processo Civil, "para impor a (i) prevenção do juízo do domicílio do réu para o processamento e julgamento dessas demandas e a (ii) centralização de processos repetitivos, perante um mesmo Juízo, em razão do dever de cooperação recíproca dos integrantes do Poder Judiciário, naquelas situações em que restar configurado o assédio judicial". Com informações da assessoria de imprensa da Abraji.

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ADI 7.055

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