Trabalho contemporâneo

Trabalhistas e justiça social, entre o divino e o mundano

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21 de dezembro de 2021, 13h14

Época de Natal. Período em que há chances de, antes de pensarmos no que iremos receber, nos conectarmos com o outro para simplesmente doar.  A caridade exige conexão, um exercício de alteridade despido de vaidade, humildade sem orgulho.

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A área trabalhista constitui campo fértil para vivenciarmos as lições de amor do Cristo, trazendo para a prática diversos ensinamentos, a iniciar por cada parte da relação de trabalho agir primeiro pensando no outro, cumprindo seus deveres com o zelo e a correção típicas das pessoas de bem.

Antes de se sentir credor, ter em mente que somos eternos devedores.  Antes de exigir direitos, lembrar que adquirimos responsabilidades pelo simples fato de aqui estarmos, sem querer transferir as mazelas que vivemos para outros, pois o fardo que carregamos constitui verdadeira benção a caminho da redenção.

Aqui em nossa área costumamos repetir padrões retóricos maledicentes, sem refletir o mal que causamos. Pior, muitas vezes usamos vestes de cordeiros para satisfazer nossos interesses.

Se nossa origem foi marcada por conflito, se os primeiros direitos trabalhistas foram conquistados à custa de sangue, se o sofrimento constituiu nosso caminhar, não significa que precisamos continuar cegos pelo ódio original que apenas consegue sobreviver dentro de um padrão de luta.

Por trás da aparente necessidade de divergência entre trabalhadores e tomadores dos serviços, há um manancial de bênçãos que cotidianamente recaem sobre todos nós, ainda que não nos apercebamos ou não queiramos admitir.

Sempre que uma pessoa resolve empreender, investindo, arriscando, saindo da zona de conforto, abrem-se oportunidades para os que não possuem esta mesma condição. Um portal de inclusão com inúmeras possibilidades de mudanças de narrativas de vidas.

Não existe sentido, nem compaixão, em se tratar aquele que desenvolve uma atividade econômica como um aproveitador, um explorador de miseráveis, principalmente quando se o faz do conforto de uma poltrona sem se apresentar qualquer alternativa para ajudar efetivamente quem necessita.

Gerar oportunidades de trabalho, na quadra evolutiva em que nos encontramos, é uma tarefa divina, criando caminhos para que cada um possa seguir construindo seu próprio rumo, pouco importando o final da história, desde que se aproveite a caminhada.

Justiça social, valor consagrado em nossa Constituição e que nós, trabalhistas, nos arvoramos em dizer que buscamos efetivar, não significa impedir os passos que cada um precisa trilhar, muito menos imunizar quem quer que seja no momento da atribuição de responsabilidades.

A tentativa de, através da Justiça do Trabalho, reequilibrar as injustiças sociais a partir da imunização do trabalhador pelo simples fato dele deter de tal condição, é subverter o fim maior da própria Justiça, algo como brincar de divino por quem é mundano.  Um ativismo judicial profano.

Não existe pecado maior que abusar do poder que lhe foi atribuído, agindo de forma a trair a confiança depositada por quem não possui alternativa senão se submeter a este poder.  Pior, imunizar condutas pelo fato de a pessoa ser detentora de alguma condição específica, como hoje acontece com as defesas hiperbólicas de minorias, resulta no oposto do discurso politicamente correto: mais ódio e mais intolerância.

Chegamos a um ponto onde não é aconselhável se expressar, onde a opressão das minorias determina que todos (e todas?) adotem um mesmo padrão de pensamento, de sentimento, culminando até na forma de se falar, uma imposição agressora que não respeita a diversidade.

Estamos fazendo tudo errado, o resultado está muito claro. O padrão de distribuição de justiça social a partir da imunização do mais fraco transforma a possibilidade de comunhão em exclusão, cada vez mais desejando o empresário uma saída para redução dos postos de trabalho por automação.

O uso da inteligência artificial, ao invés de seres humanos, além das inúmeras óbvias vantagens econômicas, permite algo que nas relações trabalhistas atualmente é extremamente raro: previsibilidade.

Desde as tentativas de obtenção de ganhos através de uma reclamação trabalhista até as decisões judiciais ativistas (de qualquer cor), não há maior injustiça que buscar aquilo que não lhe pertence, obter vitória ainda que sem razão, transformando o Direito na descoberta do Eldorado.

Relações trabalhistas não constituem um garimpo para, através de filigranas jurídicas, extrair ouro, muito menos uma fábrica de moedas cujo combustível é a suposta defesa de direitos sociais.

Neste período natalino, onde a figura de Jesus toca a alma de toda a sociedade, temos a oportunidade de refletir para tentarmos ser melhores, mudando práticas a partir de um sincero arrependimento seguido do perdão, senão das nossas vítimas, ao menos de nós mesmos.

Por mais difícil que pareça o horizonte, a cada novo dia renasce a possibilidade de fazermos melhor do que antes, ouvindo a voz da própria consciência que apenas reflete a conexão divina da qual todos somos agraciados.

Sabemos que vivemos num estágio de provas, cada um seguindo sua crença para alcançar a sublime presença de Deus. O que não podemos é ignorar a realidade e continuar um padrão que já sabemos não produzir o resultado desejado.

Da minha parte, desejo que a comemoração do nascimento de Jesus seja uma oportunidade para lembrarmos as nossas responsabilidades, o dever que temos em fazer cumprir suas lições, assumindo nossa condição de devedores.

Enfim, Feliz Natal!

Autores

  • é juiz do Trabalho no TRT-RJ, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e diretor da escola associativa da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT).

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