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Há menos exigências para ser ministro do STF que do TCU?

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

21 de dezembro de 2021, 8h02

O provocativo título serve para analisar a escolha ocorrida este mês de dois ministros para diferentes tribunais brasileiros. O Senado aprovou a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, onde já tomou posse, e aprovou Antonio Anastasia para o Tribunal de Contas da União, já confirmado pela Câmara dos Deputados.

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O curioso é que, pela Constituição, os requisitos para ser ministro do TCU aparentam ser mais rigorosos do que para o STF.

Para ser ministro do TCU, a Constituição exige: (a) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade; (b) idoneidade moral e reputação ilibada; (c) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija (d) notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública (artigo 73, parágrafo 1º).

Para ser ministro do STF, a Constituição exige “apenas”: (a) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade e (b) notável saber jurídico e reputação ilibada (artigo 101).

Portanto, para o TCU há que se ter notório conhecimento em diversas matérias (jurídicas + contábeis + econômicas + financeiras) ou conhecimento de administração pública. Além disso, exige que o indivíduo tenha mais de dez anos de experiência nessas áreas do saber.

Em comparação, para ser ministro do STF, os requisitos constitucionais são mais “leves”, havendo “apenas” exigência de notável saber jurídico, nada mencionando acerca das demais áreas do conhecimento, nem sendo exigida experiência na área jurídica.

Para ambos os cargos o limite de idade é igual, bem como a de ter reputação ilibada – o que é distinto de idoneidade moral, exigido na Constituição apenas para os ministros do TCU. (Peço ao atento leitor a gentileza de não me perguntar como alguém pode ter “reputação ilibada” e não ter “idoneidade moral”, pois não saberia responder, porém, é o que consta das normas – basta comparar o artigo 73, parágrafo 1º, II, com o caput do artigo 101, ambos da Constituição Federal).

Só brasileiros natos podem ser ministros do STF (artigo 12, parágrafo3º, IV, Constituição Federal), não havendo tal exigência para compor o TCU (artigo 12, parágrafo 2º, Constituição Federal). E, para diversos aspectos, tais como garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens, os ministros do TCU se equiparam aos ministros do Superior Tribunal de Justiça, e não aos do STF (artigo 73, parágrafo 3º, Constituição Federal).

A função primordial do TCU é: (1) apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da República e (2) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração federal, dentre outras (artigo 71, Constituição Federal), todas importantíssimas. As funções do STF são igualmente importantes, relevantes e estratégicas, pois implicam: (1) enquanto Corte Constitucional, na guarda da Constituição (o que é distinto de ser dono da Constituição, como já expus em outro texto), e (2) enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário, em uma gama de competências jurisdicionais (ver artigo 102, Constituição Federal, que embaralha essas duas funções em seus diferentes incisos e alíneas).

É substancialmente diversa a forma de indicação dos ministros do STF e do TCU.

No caso do STF, todos os 11 ministros são indicados pelo Presidente da República e por este nomeados, depois de aprovados por maioria absoluta do Senado Federal (artigo 101, parágrafo único, Constituição Federal). O ministro André Mendonça seguiu essa trilha, passando a ocupar a vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello.

O presidente da República tem muito menos poder na indicação de ministros do TCU, pois só tem efetiva discricionaridade na indicação de um dentre nove ministros. Outros dois devem ser indicados pelo presidente, mas dentre categorias de servidores públicos que exercem suas funções naquele tribunal (auditores e membros do Ministério Público junto ao TCU). Os demais seis ministros são indicados pelo Congresso, sendo metade desses pelo Senado e a outra metade pela Câmara (artigo 73, parágrafo 2º, Constituição Federal). O senador Antonio Anastasia preencherá a vaga que cabe ao Senado, antes ocupada pelo ministro aposentado Raimundo Carreiro. A única vaga de indicação “livre” do presidente foi preenchida em dezembro de 2020 pelo ministro Jorge de Oliveira, que tem direito a permanecer no cargo até 2049, quando completará 75 anos.

É pertinente essa distinção dentre a forma de indicação para o TCU e o STF, se considerarmos que o papel principal do Tribunal de Contas da União é auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo das contas do Poder Executivo (artigo 71, I, Constituição Federal). Logo, se dentre os nove componentes da Corte de Contas federal muitos fossem indicados livremente pelo presidente da República, teríamos o controlado indicando seus controladores, o que seria completamente inadequado. Desnecessário lembrar ao leitor que o TCU não faz parte do Poder Judiciário, a despeito de ter em seu nome a palavra “tribunal”. No caso do STF sua missão principal não é fiscalizar diretamente a algum órgão ou Poder, mas fazer cumprir a Constituição.

Será possível afirmar que a Constituição estabeleceu mais exigências para ser ministro do TCU do que para ser ministro do STF? Em termos, pois os distintos requisitos correspondem às diferentes funções que essas cortes exercem em nossa República. Embora seja adequado que um ministro do STF tenha mais do que conhecimento jurídico, outros saberes não são requisitos para sua nomeação. O exercício da função de ministro do TCU exige maior interdisciplinaridade, motivo pelo qual se busca para esse cargo quem tenha conhecimentos além do saber jurídico. São funções distintas, para as quais são exigidos saberes diferentes.

De todo modo, e meio a latere dessa discussão, penso que o melhor seria acabar com a vitaliciedade nesses cargos, adotando mandatos e restringindo as funções do STF às de Corte Constitucional, conforme escrevi há mais de uma década, em texto acadêmico[1]. Afinal, é da essência de uma república a alternância dos cargos. Porém, como operacionalizar isso no atual estágio político-constitucional brasileiro?

[1] SCAFF, Fernando Facury. Novas dimensões do controle de constitucionalidade no Brasil: prevalência do concentrado e ocaso do difuso. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 50, p. 20-41, 2007.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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