Processo Tributário

O valor da causa e o processo tributário antiexacional

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

19 de dezembro de 2021, 8h00

Nossa atenção será voltada nesta semana para questão que reputamos pouco explorada no ambiente do contencioso tributário: o valor da causa nas ações tributárias, especificamente as antiexacionais.

Desde bem antes, vimos admitindo que o processo é instrumento do Direito material, seu disparador [1], de maneira que a questão relativa ao valor da causa das ações tributárias deve ser igualmente analisada sob essa perspectiva, a do Direito Tributário, seu pano de fundo.

Restringiremos nossa manifestação aos processos antiexacionais, isto é, aqueles de iniciativa do contribuinte — em sua tríplice manifestação, preventiva, repressiva ou reparadora —, uma vez que as exacionais (as do Fisco), basicamente as execuções fiscais, têm modelo cirurgicamente definido pela LEF.

Pois bem.

Determina o Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 291[2] que a toda causa [3] deve ser atribuído um valor certo e que deve corresponder à medida econômica da controvérsia posta.

Tratando-se de processo tributário seu objeto necessariamente envolve uma obrigação de natureza patrimonial, já que abarca o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária decorrente da prática do ilício tributário, relacionado esse (o ilícito) ao inadimplemento: 1) do tributo; ou 2) da obrigação acessória — caso enquadrável na subclasse dos processos "indiretamente" tributários, na terminologia sugerida por Paulo Cesar Conrado [4].

Dessa condição ontológica da obrigação tributária (ser patrimonial), há de se reconhecer que o valor econômico do bem que o particular pretende proteger é sempre aferível, supondo a identificação da base tributável, do percentual àquela aplicado e, ao final, do crédito tributário controvertido.

A questão complicadora dessa operação deriva, potencialmente, do momento em que a apuração econômica do crédito tributário é promovida pelo autor da ação, ora imediatamente, ora remotamente, considerado, entre e outra dessas possibilidades, o instante do protocolo da petição inicial — peça em que deve estar indicado o valor da causa.

Usando outros termos: a identificação econômica da causa, no processo tributário, está diretamente relacionada com o tipo de medida judicial utilizada pelo contribuinte.

Tratando-se medida judicial antiexacional anulatória, o crédito tributário já está definido no seu ato constitutivo, tenha sido ele emitido pelo Fisco na modalidade do lançamento de ofício [5] ou pelo contribuinte (via lançamento por homologação), de maneira que o valor da causa é aferido imediatamente e deve corresponder ao montante do crédito constante do ato ou à parcela sob controvérsia.

Na ação reparatória, a quantificação do indébito tributário (crédito do contribuinte) é detectável, também, imediatamente, uma vez que compreende a somatória dos pagamentos feitos pelo contribuinte num determinado período, limitado a cinco anos contados de cada pagamento, tendo em vista o prazo de prescrição da ação de repetição do indébito [6].

Para essas modalidades de ações antiexacionais segue-se o critério definido no inciso II do artigo 292 do Código de Processo Civil/2015, segundo o qual o valor da causa deve corresponder ao montante em controvérsia, constante do ato que se quer anular ou requalificar (modificar) como "indevido" (no caso, o pagamento) [7].

As ações antiexacionais preventivas, utilizadas diante da ameaça de "concretização indevida do ato constitutivo do crédito tributário" [8], porque dotadas de efeito prospectivo (para o futuro, ex nunc), é que nos trazem uma certa complexidade: justamente por se dirigirem a prestações futuras, a apuração econômica da controvérsia que veiculam somente pode ser aferida remotamente.

Entretanto, tal aspecto não afasta o dever de o proponente da demanda indicar valor certo, consagrando-se o problema na sua apuração, para fins de indicação na petição inicial, mas jamais na impossibilidade de ser calculado.

Para essa situação, a de discussões judiciais que envolvem prestações vincendas, cuja tutela jurisdicional projeta efeitos temporalmente indeterminados, o código processual de 2015 define como solução o critério fixado no §2º do já citado artigo 292, segundo o qual o valor da causa deve corresponder à soma das prestações devidas em um ano, postergando-se para o momento da liquidação da sentença a definição da soma pecuniária envolvida na causa (ou definição do seu proveito econômico) [9].

Ainda que não seja possível identificar o equivalente monetário da controvérsia no momento da elaboração da petição inicial, há de se reconhecer que no ambiente do processo tributário esse valor é estimável, isto é, passível de apuração diante da natureza patrimonial da obrigação tributária.

A classificação da causa como "de valor estimável" na codificação processual — seja a vigente, seja a revogada — aponta para a possibilidade de a controvérsia ter conteúdo expressável em dinheiro, e não de esse valor "em dinheiro" ser elevado.

O critério normativo é objetivo: controvérsia economicamente calculável (imediata ou remotamente) e controvérsia não calculável (nominada de inestimável pelo código) são coisas diferentes.

No grupo das demandas com valor estimável estão inseridas as ações que discutem questões direta ou indiretamente tributárias, como retratado anteriormente.

Inestimáveis, por outro lado, são apenas as demandas colateralmente [10] atreladas à relação tributária, que envolvem, por exemplo, emissão de certidão de regularidade fiscal, aplicação de sanções políticas — condicionar a expedição de notas fiscais ao oferecimento de garantias, interditar estabelecimento ou apreender mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos, entre outras.


[2] "Artigo 291 – A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível".

[3] Reputamos que a expressão "causa" posta no código se refere a controvérsia.

[4] Para melhor compreensão da ideia de processo "indiretamente" tributário remetemos a leitora e o leitor ao seguinte artigo desta coluna: https://www.conjur.com.br/2021-nov-14/processo-tributario-consideracoes-processo-indiretamente-tributario.

[5] Não foi feita menção ao lançamento "por declaração" porque entendemos que não se trata de espécie autônoma de constituição da obrigação tributária, mas típica modalidade de lançamento de ofício, uma vez que adotamos como critério de classificação dos "tipos" de lançamento o sujeito que promove o ato e não o grau de participação do contribuinte no ato, como admite a doutrina tradicional tributária.

[6] Código Tributário Nacional:
"Artigo 165 – O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento".
"Artigo 168 – O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
Lei Complementar 118/2005".

"Artigo 3º – Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei".

[7] "Artigo 292 – O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida".

[8] A respeito das especificidades das ações antiexacionais preventivas remetemos a leitora e o leitor ao seguinte texto de Rodrigo Dalla Pria nesta coluna: https://www.conjur.com.br/2021-mai-16/processo-tributario-acoes-tributarias-antiexacionais-preventivas.

[9] Importante destacar que o Código de Processo Civil/1973 já continha regra com o mesmo conteúdo, de maneira que solução normativa sempre houve para a quantificação do bem da vida em ações tributárias preventivas.
Código de Processo Civil/1973
"Artigo 260 – Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações."

[10] Colateralmente porque não se referem a questões direta ou indiretamente tributárias, mas consagradas em decorrência da relação mantida entre fisco e contribuinte.

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    é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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