Opinião

Dia Nacional do Ministério Público: em SP, instituição ainda busca democracia interna

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18 de dezembro de 2021, 17h15

É sempre muito importante celebrar o Dia Nacional do Ministério Público, uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado e que tem por relevante missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis — como estabelece, aliás, o artigo 127 da Constituição Federal.

Em São Paulo foi lançado pela Procuradoria-Geral de Justiça um vídeo institucional celebrando a data, com especial destaque para "o compromisso de continuar promovendo 'uma firme defesa da democracia'". Produzido pelo Centro de Comunicação Social da instituição, o vídeo reúne membros, servidores e colaboradores do Ministério Público de São Paulo "como que recitando trechos da Constituição Cidadã de 1988".

Todavia, não se admite que um trabalho de comunicação social como este possa ser tomado ou confundido com um discurso vazio ou contraditório. Pois a defesa da democracia requer luta contínua, requer empenho, vigilância permanente e, acima de tudo, requer atitude. Sem atitude, o que se tem são palavras vazias. Sem atitude, restam apenas discursos amorfos, inconsistentes.

É bastante lógico supor que uma entidade ou instituição que tem por missão constitucional a defesa do regime democrático esteja, ela própria, no pleno exercício dessa prática.

Afinal, parafraseando velhos e conhecidos ensinamentos — "se você quer mudar o mundo, comece arrumando a sua cama" —, uma instituição incumbida de tão relevante missão de defender o regime democrático deve começar arrumando a própria casa.

Democracia pressupõe certos valores, atributos e princípios, entre os quais ressalta-se a igualdade política. Não é bem isso o que ocorre no Ministério Público de São Paulo, cujo sistema representativo mais se assemelha a uma espécie de oligarquia. Pois, de fato, todos os cargos de direção são reservados e estão concentrados numa pequena parcela de membros da instituição, ocupantes dos cargos de procurador de Justiça.

De fato, somente os procuradores de Justiça — que representam apenas 15% dos integrantes da carreira — podem concorrer e ocupar o cargo de procurador-geral de Justiça e todos os demais cargos da administração superior do Ministério Público: Subprocuradorias-Gerais de Justiça, Ouvidoria, Conselho Superior, Corregedoria-Geral, Órgão Especial, Comissão Processante Permanente e comissões de concurso para seleção de candidatos ao ingresso na carreira.

Tanto se fala e tanto se recita a democracia, mas não se viu até o momento qualquer proposta legislativa ou promoção de amplo debate institucional visando a alteração da (obsoleta) Lei Orgânica Estadual nº 734/93, de modo a permitir a elegibilidade de 628 promotoras de Justiça e 1.034 promotores de Justiça para cargos e funções da administração superior do Ministério Público, notadamente para a Procuradoria-Geral de Justiça. Providência como essa reclama atitude.

Independentemente da proposta legislativa, de exclusiva iniciativa do procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo, diga-se de passagem, é importante observar que tramita pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.231/SP, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) em 16/9/2019, objetivando a elegibilidade de 628 promotoras de Justiça e 1.034 promotores de Justiça de São Paulo ao cargo de procurador-geral de Justiça.

Como dito, a ADI está em andamento. A Procuradoria-Geral de Justiça do estado de São Paulo está habilitada nos autos. A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se, quanto ao mérito, favoravelmente ao pedido da Conamp.

Seria uma belíssima demonstração de atitude, de firme defesa da democracia, se o atual procurador-geral de Justiça ingressasse com manifestação nos autos dessa ADI visando afastar essa odiosa restrição à participação de promotoras e promotores de Justiça, membros do Ministério Público que atuam em primeira instância. Eles representam nada menos que 85% dos integrantes da carreira. E não há justificativa sensata que os impeça de participar da formação da lista tríplice para a escolha de procurador-geral de Justiça. Isto seria uma atitude, algo concreto em defesa da democracia.

A par dessas providências, outras mais dependem da exclusiva iniciativa do procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo — entre as quais ressalta-se a necessidade de urgente alteração da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, que já se mostra bastante obsoleta em diversos outros pontos, refratária e avessa aos mais básicos princípios e valores imanentes a um Estado democrático de Direito.

A eleição para o Conselho Superior da instituição é outro exemplo claro disso. Cerca de 1.960 promotoras, promotores, procuradoras e procuradores de Justiça elegem seis membros para esse colegiado, enquanto outros três — necessariamente procuradores de Justiça, ressalte-se — são eleitos por apenas 42 procuradores de Justiça, integrantes do Órgão Especial. Se democracia pressupõe igualdade, tanto quanto se propala, seria interessante que alguém pudesse esclarecer onde há igualdade nisso e talvez justificar esse tipo de norma bizarra.

Enfim, democracia pressupõe igualdade. E o estabelecimento da igualdade reclama atitude.

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