Dia Nacional do Ministério Público: em SP, instituição ainda busca democracia interna
18 de dezembro de 2021, 17h15
É sempre muito importante celebrar o Dia Nacional do Ministério Público, uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado e que tem por relevante missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis — como estabelece, aliás, o artigo 127 da Constituição Federal.
Todavia, não se admite que um trabalho de comunicação social como este possa ser tomado ou confundido com um discurso vazio ou contraditório. Pois a defesa da democracia requer luta contínua, requer empenho, vigilância permanente e, acima de tudo, requer atitude. Sem atitude, o que se tem são palavras vazias. Sem atitude, restam apenas discursos amorfos, inconsistentes.
É bastante lógico supor que uma entidade ou instituição que tem por missão constitucional a defesa do regime democrático esteja, ela própria, no pleno exercício dessa prática.
Afinal, parafraseando velhos e conhecidos ensinamentos — "se você quer mudar o mundo, comece arrumando a sua cama" —, uma instituição incumbida de tão relevante missão de defender o regime democrático deve começar arrumando a própria casa.
Democracia pressupõe certos valores, atributos e princípios, entre os quais ressalta-se a igualdade política. Não é bem isso o que ocorre no Ministério Público de São Paulo, cujo sistema representativo mais se assemelha a uma espécie de oligarquia. Pois, de fato, todos os cargos de direção são reservados e estão concentrados numa pequena parcela de membros da instituição, ocupantes dos cargos de procurador de Justiça.
De fato, somente os procuradores de Justiça — que representam apenas 15% dos integrantes da carreira — podem concorrer e ocupar o cargo de procurador-geral de Justiça e todos os demais cargos da administração superior do Ministério Público: Subprocuradorias-Gerais de Justiça, Ouvidoria, Conselho Superior, Corregedoria-Geral, Órgão Especial, Comissão Processante Permanente e comissões de concurso para seleção de candidatos ao ingresso na carreira.
Tanto se fala e tanto se recita a democracia, mas não se viu até o momento qualquer proposta legislativa ou promoção de amplo debate institucional visando a alteração da (obsoleta) Lei Orgânica Estadual nº 734/93, de modo a permitir a elegibilidade de 628 promotoras de Justiça e 1.034 promotores de Justiça para cargos e funções da administração superior do Ministério Público, notadamente para a Procuradoria-Geral de Justiça. Providência como essa reclama atitude.
Independentemente da proposta legislativa, de exclusiva iniciativa do procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo, diga-se de passagem, é importante observar que tramita pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.231/SP, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) em 16/9/2019, objetivando a elegibilidade de 628 promotoras de Justiça e 1.034 promotores de Justiça de São Paulo ao cargo de procurador-geral de Justiça.
Como dito, a ADI está em andamento. A Procuradoria-Geral de Justiça do estado de São Paulo está habilitada nos autos. A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou-se, quanto ao mérito, favoravelmente ao pedido da Conamp.
Seria uma belíssima demonstração de atitude, de firme defesa da democracia, se o atual procurador-geral de Justiça ingressasse com manifestação nos autos dessa ADI visando afastar essa odiosa restrição à participação de promotoras e promotores de Justiça, membros do Ministério Público que atuam em primeira instância. Eles representam nada menos que 85% dos integrantes da carreira. E não há justificativa sensata que os impeça de participar da formação da lista tríplice para a escolha de procurador-geral de Justiça. Isto seria uma atitude, algo concreto em defesa da democracia.
A par dessas providências, outras mais dependem da exclusiva iniciativa do procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo — entre as quais ressalta-se a necessidade de urgente alteração da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, que já se mostra bastante obsoleta em diversos outros pontos, refratária e avessa aos mais básicos princípios e valores imanentes a um Estado democrático de Direito.
A eleição para o Conselho Superior da instituição é outro exemplo claro disso. Cerca de 1.960 promotoras, promotores, procuradoras e procuradores de Justiça elegem seis membros para esse colegiado, enquanto outros três — necessariamente procuradores de Justiça, ressalte-se — são eleitos por apenas 42 procuradores de Justiça, integrantes do Órgão Especial. Se democracia pressupõe igualdade, tanto quanto se propala, seria interessante que alguém pudesse esclarecer onde há igualdade nisso e talvez justificar esse tipo de norma bizarra.
Enfim, democracia pressupõe igualdade. E o estabelecimento da igualdade reclama atitude.
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