Opinião

Drop down, a operação societária do século 21

Autor

  • Marcelo Nobre

    é advogado pós-graduado em Direito Societário pela GVLAW ex-conselheiro nacional de Justiça (CNJ) e ex-conselheiro e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp).

17 de dezembro de 2021, 13h43

As ações humanas, conquanto se repitam desde que a história passou a anotar seus passos, se realizam em permanentes inovações e, no âmbito do Direito, naturais transições e novidades vão se firmando, na medida em que as relações humanas assim o exigem.

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Aqui abordamos um tema que ganha cada dia mais importância, apesar da escassez de doutrina e decisões judiciais, que é o drop down, novidade no Direito Empresarial brasileiro, embora seja cada vez mais utilizado em reorganizações societárias, abrindo caminho para ajustes empresariais, podendo evitar o desmoronamento de grandes negócios ou ampliar significativamente bons negócios já existentes.

O drop down é uma operação societária de sucesso no mundo e também no Brasil. Ela surgiu anos atrás, após debates acadêmicos, judiciais e doutrinários, nos quatro cantos do mundo. Trata-se de uma evolução nas operações societárias, atendendo as exigências do século 21 e já são milhares de exemplos de sucesso mundo afora, sendo um dos últimos o da companhia aérea Alitalia, que se reestruturou operacionalmente.

Os institutos jurídicos evoluem naturalmente junto com o amadurecimento da sociedade e o drop down é uma evolução importante que merece análise mais acurada, para melhor aproveitamento das grandes vantagens que representa.

O desafio dos estudiosos do Direito Societário no mundo era o de encontrar uma operação societária que resolvesse a insegurança jurídica na aquisição de ativos de uma empresa e que contribuísse para a continuidade das atividades empresariais e a solvência dessas perante os credores, sem necessitar cindir ou transformar a sociedade.

A transferência de ativos que reestrutura operações societárias sem comprometer a saúde financeira da empresa é o drop down. E esse tipo de operação societária não acarreta nenhum desembolso — transfere ativos e recebe ações  e propicia a manutenção dos negócios.

Porém há, ainda, muita dúvida sobre o instituto, e por isso escolhemos dois aspectos pelos quais se pode perscrutar as operações de drop down: o que elas são e o que elas não são.

Iniciemos pelos fragmentos que compõem sua caracterização jurídica costumeira. É possível definir o drop down como a operação por meio da qual uma empresa A transfere ativos para a empresa B e, em troca, A recebe de B ações da sua sociedade.

A operação não promove alteração no quadro dos sócios da empresa A, não representa nenhuma modificação no seu capital social, mas apenas transferência de ativos que representam valor econômico em troca da participação societária na empresa B, que se encontra em melhores condições para manter o negócio funcionando e rentável. Nesse sentido, os ativos podem ser parte do negócio da empresa A, podem ser carteira de cliente de um setor que ela vai desativar ou podem ser bens. Isso não gera qualquer divisão do seu capital social e não compromete a saúde financeira.

O sentido mais profundo de tal operação se situa na análise de oportunidade que a empresa A faz, no sentido de avaliar que a empresa B possui melhores condições de gerar riquezas com os mesmos ativos sem qualquer irregularidade e preservando seus investimentos ao se tornar acionista.

Para a empresa B, a operação é uma importante oportunidade para ampliar seus negócios, aproveitando a estrutura e as operações já existentes da empresa A.

No mundo corporativo os passos são dados visando a aumentar progressivamente os lucros, ampliar, expandir, gerar mais riquezas. Nenhum outro sentido teria a atividade humana empresarial se não fossem os escopos primários e naturais de sua manutenção no mercado sempre de maneira lucrativa.

Por mais de uma razão construíram-se raciocínios de julgamento da atividade empresarial, em especial das grandes empresas, que apresentam elevados superávits no final de cada exercício fiscal. Desse julgamento não escapam nem mesmo as autoridades fazendárias, que buscam receber débitos tributários fazendo tresloucadas operações vinculativas entre empresas, a fim de garantir o acesso a patrimônio de empresa não devedora de tributos. E o alvo da vez é o drop down, que, de forma enviesada, vem sendo intencionalmente confundida com o instituto da cisão.

Mas o que o drop down não é? Não é cisão empresarial, porque esta é a "operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão", conforme o artigo 229 da Lei 6.404/1976 (Lei das SA)[1].

Na cisão é vertida parcela do patrimônio ou todo o patrimônio para outra empresa, por meio de pagamento, com redução do capital social ou extinção da empresa; no drop down, a empresa B, que recebe os ativos, devolve participação societária à empresa A, que não sofre qualquer alteração em seu capital social e em sua capacidade financeira.

A cisão também depende da avaliação do patrimônio, justificação prévia, aprovação em assembleia das duas empresas ou reunião dos sócios de ambas. Já o drop down protege o patrimônio da empresa e não prejudica eventuais credores, pois na troca de ativos por ações não há perda financeira de nenhuma espécie.

O professor José Alexandre Tavares Guerreiro destaca que a Comissão de Valores Mobiliários já se pronunciou sobre a possibilidade do capital de uma empresa ser integralizado, não apenas por dinheiro, mas por bens quantificáveis e valoráveis. Na Lei das Sociedades Anônimas o artigo 7º [2] permite a composição de uma empresa societária ser formada com bens, ativos.

Para ele, a sociedade empresarial é conceituada no código civil como um complexo de bens e por isso é que no drop down a empresa B pode receber a integralização do seu capital social com um conjunto de bens em sua dinâmica, os chamados ativos líquidos que podem ser bens corpóreos, incorpóreos, moveis, instalações —, devolvendo ações para a empresa A, e isso jamais poderá ser confundido com cisão, pois, afinal, nada foi cindido, separado ou dividido.

Neste ponto é importante mencionar que o drop down pode caracterizar uma estratégia para continuar no mercado, porque a empresa A, que transfere ativos de um negócio seu, continua ativa e ainda recebe em contrapartida ações da empresa B.

Assim, quando há entrega de ativos para a empresa B, aqueles ativos serão potencializados, pela maior permeabilidade no mercado, consolidação da marca, solidez e robustez econômica, modelo de gestão, entre outros. E como no drop down não há redução do capital social da empresa nem comprometimento da sua saúde financeira, não há prejuízo para credores ou para o Fisco.

Por outro lado, também convém referir que o drop down não é transformação societária, pois a empresa A continua viva, funcionando sem o que lhe acarretava prejuízo, e agora com ações que incrementam sua capacidade econômico-financeira e sem qualquer alteração em seu quadro societário ou seu capital social.

Pedro Mosqueira [3] lembra que "operações são negócios jurídicos; circulação é transferência de titularidade, e não apenas movimentação física; mercadorias são bens objeto de comércio". Nesse sentido, drop down é uma operação de reestruturação societária que envolve transferência de ativos e não circulação de mercadoria. Tem natureza societária, pois a empresa A recebe ações da empresa B e não envolve qualquer circulação de mercadoria.

De qualquer maneira, muito ainda precisa ser construído para o pleno entendimento da importância e significado dessa operação, inclusive no Poder Judiciário, onde falta consolidação de posicionamentos jurisprudenciais baseados em argumentos e fundamentos do Direito Comercial.

Porém, é certo que está aberta uma janela de oportunidade para ampliação de negócios promissores, permitindo o desenvolvimento saudável do país e evitando que toda a sociedade sofra com os solavancos sociais que empresas em dificuldades provocam, arrastando décadas de sofrimentos e de prejuízos irrecuperáveis.

É preciso evoluir com inovações societárias que correspondam ao século 21 e que mantenham os negócios operando e gerando todo o bem que as pessoas e as nações tanto almejam.

Por tudo isso, em razão das recentes judicializações da matéria, a compreensão do Poder Judiciário sobre a importância da operação societária do drop down e as suas consequências é tão fundamental, pois desse entendimento é que decorrerá o fortalecimento do instituto, com amplo benefício para toda a sociedade, em especial nesse momento histórico em que o mundo passa por profundas transformações na geração e circulação de riquezas, na criação e desenvolvimento de novos negócios.

O que o Poder Judiciário decidir agora terá repercussões em negócios prósperos que permitem a manutenção dos empregos diretos e indiretos e movimentam a economia do país.

 


[2] "Artigo 7º – O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro".

[3] MOSQUEIRA, Pedro A. A. A não incidência de ICMS em operações Drop Down. Disponível em http://www.fiscosoft.com.br/main_online_frame.php?page=/index.php?PID=336086.

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