Carreira no serviço público

Embora abandonado pelo governo que o indicou, André Mendonça chegou ao STF

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16 de dezembro de 2021, 17h01

O advogado santista André Luiz de Almeida Mendonça, 48 anos, construiu toda sua carreira no serviço público. Advogado da União desde 2000, foi AGU de 2019 a 2020 e ministro da Justiça e Segurança Pública de 2020 a 2021, no governo de Jair Bolsonaro. No final de março de 2021, retornou ao cargo de advogado-geral da União, exercendo-o até agosto último. Foi, também, assessor especial do ministro da Controladoria-Geral da União Wagner Rosário de 2016 a 2018, durante o governo de Michel Temer.

Em julho de 2021, foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo a nomeação sido aprovada pelo Senado por 47 votos contra 32 contrários, em 1º de dezembro, depois de uma longa espera de mais de quatro meses para ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) devido à resistência do presidente do colegiado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), em pautar sua sabatina. Foi a menor votação em plenário de um nome indicado ao STF.

Fellipe Sampaio/STF
Cerimônia de posse de André Mendonça Fellipe Sampaio/STF

A aprovação do nome de Mendonça foi considerada uma vitória do presidente Jair Bolsonaro, embora o Palácio do Planalto, devido à demora do Senado de apreciar o nome do ex-ministro, tenha abandonado o candidato à própria sorte. As dificuldades de Mendonça começaram quando Bolsonaro insistiu em ter alguém "terrivelmente evangélico" no cargo para atender parte de seu eleitorado, quando a escolha de um nome para a Corte jamais deveria estar condicionada ao seu credo religioso.

O que faltou ao governo, como ficou claro durante os 105 dias nos quais Mendonça percorreu sozinho os gabinetes de senadores em busca de aprovação, foi articulação política por parte do Palácio do Planalto. Na história recente da República, nenhuma indicação do presidente da República para o Supremo demorou tanto para ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado quanto a de Mendonça.

Sabatina na CCJ
A primeira etapa para a indicação do ex-ministro para uma vaga no STF foi cumprida durante mais de 6 horas, na CCJ do Senado no dia 1º de dezembro. Os senadores seguiram o parecer da senadora Eliziane Gama (PDT-ES), relatora da indicação, e aprovaram seu nome por 18 votos a 9.

Durante sua sabatina na CCJ, o ex-ministro André Mendonça reafirmou seu compromisso com a democracia e o estado de direito. "A democracia é uma conquista da humanidade. Não há espaço para retrocesso, e o STF é o guardião desses direitos e direitos fundamentais", disse.

"Assumo o compromisso com a Justiça e com o aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito. Reafirmo meu compromisso irrestrito com a imparcialidade. Darei tratamento igualitário a todas as partes", completou.

O então indicado ao STF também se manifestou sobre a prisão em segunda instância, mas se esquivou de uma resposta mais contundente. "Entendo que a questão está submetida ao Congresso, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo", afirmou. Em outras ocasiões, ele já se manifestou favorável à prisão em segunda instância.

O próprio Mendonça fez questão de trazer à tona a questão de sua confissão religiosa, que acabou tomando vulto por causa das manifestações seguidas do presidente Bolsonaro, que insistiu em indicar ao STF alguém, segundo ele, "terrivelmente evangélico".

"A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo. Como tenho dito para mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", afirmou. "Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal", afirmou.

O ex-AGU lembrou que entre 2016 e 2018, atuou na CGU, onde teve oportunidade de coordenar as equipes de negociação dos acordos de leniência instituídos pela lei 12.186 de 2013 e assim aprimorar a efetividade da recuperação de ativos no Brasil. Nesse período, segundo ele, CGU e AGU firmaram acordos com diversas empresas, inclusive incluídas na "lava jato".

Em outro momento, Mendonça disse acreditar que delação premiada não é elemento de prova. "Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, eu entendo que o combate à corrupção tem que ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios, nós precisamos respeitar a política", afirmou Mendonça aos senadores.

"Todo mundo aqui é contra corrupção, lógico. Mas acho que há mais consensos que podemos estabelecer. Não se pode criminalizar a política. Eu aprendi nos meus estudos em Salamanca primeiro que a corrupção é um problema complexo, e o direito sancionador não é um elemento determinante para resolver esse problema", acrescentou.

Ele também argumentou que não utilizou a Lei de Segurança Nacional (LSN) na condição de ministro de Estado para perseguir ninguém e, sim, para responder a ofensas ao presidente da República. "Em boa hora, o Congresso aprovou o texto que revogou a Lei de Segurança Nacional", disse o ministro, afirmando que era sua função, como ministro da Justiça, utilizar a LSN por ofensas ao presidente, sem intenção de perseguir ninguém. "Reafirmo a preservação de direitos e garantias fundamentais. Juiz não é acusado e acusador não é juiz", salientou.

"Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação", completou.

Questões polêmicas
Mendonça também afirmou que "há espaço para posse e porte de arma" no Brasil. Ele, porém, evitou falar sobre a legalidade dos decretos de Jair Bolsonaro sobre o tema. "Há espaço para posse e porte de armas. A questão que deve ser discutida é quais são os limites. Não posso me manifestar sobre o tratamento que foi dado pelos decretos, mas a segurança pública deve ser um objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate deve ser no Legislativo, mas há um espaço para a regulação", salientou.

Disse, ainda, que não será submisso ao presidente Bolsonaro, embora o mandatário tenha sido responsável pela sua indicação. "Há uma diferença entre ser ministro do governo e ministro do STF", pontuou.

O senador Fabiano Contarato (Rede Sustentabilidade-ES) foi um dos únicos que questionou mais duramente o ex-ministro, ao lembrar diversas ações controversas de Mendonça quando ocupou o ministério da Justiça e a AGU, como assinar pedido de Habeas Corpus do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, quando este afrontou o STF dizendo que era preciso prender os integrantes da Corte.

E também indagou a opinião do indicado sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mendonça tergiversou e disse apenas que não compactua com discriminação, sem responder diretamente se votaria contra ou a favor em um eventual julgamento sobre a questão. Mas disse que defende o direito constitucional de união de pessoas do mesmo sexo.

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