Retrospectiva 2021

Inovações e novas interpretações no Direito Societário marcaram o ano

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16 de dezembro de 2021, 10h01

Chegando o fim de ano e a mais do que esperada assembleia social informal denominada "festa da firma", é hora também de reavivarmos o que 2021 trouxe para o Direito Societário. É preciso analisar três eixos: legislação, jurisprudência e movimentações da sociedade, que acabam incentivando inovações legislativas ou novas interpretações judiciais.

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No ambiente legal, duas leis chamam especial atenção no ano. A primeira, a Lei nº 14.195/21, resultado da conversão da multicitada MP do Ambiente de Negócios, e a segunda, a Lei Complementar nº 182/21, conhecida como o Marco Legal das Startups.

A Lei do Ambiente de Negócios trouxe diversas inovações (em grande parcela decorrente de demanda da comunidade empresarial), especialmente: a) na facilitação para abertura de empresas (com nota para a emissão "automática" de alvará de funcionamento para atividades de grau de risco médio); b) veiculação da possibilidade de criação de várias classes de ações preferenciais e ordinárias e a efetivação do voto plural (temas afeitos ao Direito Societário estrito); c) da facilitação burocrática do comércio exterior, criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (note-se que, ao contrário do habitual, em que esses sistemas informacionais ficam disponíveis somente à Fazenda, o Sira servirá a créditos públicos e privados); d) a extinção das empresas individuais de responsabilidade limitada; e) além da revisão de competências do Drei (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração), alterações processuais e cambiais e outras mudanças.

Digna de nota, a criação de várias classes de ações era uma demanda necessária para a introdução do voto plural, uma antiga demanda dos acionistas minoritários, especialmente sócios fundadores de startups que, pelo próprio processo de financiamento da sociedade, acabam cedendo o controle do capital, mas precisam do controle da sociedade para poderem implementar a sua tese de negócio integralmente.

Andou bem o legislador, ainda, ao inibir a possibilidade de abusos por parte dos minoritários ao reservar a impossibilidade do voto plural para determinadas matérias, como a remuneração do administrador ou em transações com partes relacionadas relevantes.

A questão é que essa mudança cessa o paradigma brasileiro de "uma ação, um voto" e nos alinha com práticas do mercado de ações mundial (os Estados Unidos, por exemplo, preveem o voto plural desde 1850), tornando mais inteligível o ambiente de investimento nacional para o capital externo.

Já o Marco Legal das Startups chega em sua redação final um tanto desidratado, porém ainda com notável avanço ao agregar ao contexto regulatório societário: a) introdução da definição legal de startup e os critérios para enquadramento; b) flexibilização das normas das sociedades anônimas, para a fase de negócio da startup; c) incremento da normatização para o investidor; d) além da criação do sandbox regulatório, facilitação para a participação de licitações e outras normas.

Acredito que os destaques ficam para a definição legal de startup, que é, na verdade, uma fase de um modelo de negócio em desenvolvimento, mas muitas vezes confundida no senso comum com um tipo de sociedade empresária. Com a definição (organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados) e o estabelecimento de critérios (dispostos no §1º do artigo 4º) se amplia a clareza para o investimento, tanto para os organizados fundos de venture capital quanto para o investidor comum.

Além do estabelecimento objetivo do conceito e do critério de enquadramento, o Marco Legal é um importante avanço na flexibilização das normas das sociedades anônimas, garantindo a possibilidade de atração do investimento com a proteção jurídica social.

Analisando este ano a partir da perspectiva das principais decisões judiciais, duas delas merecem destaque. A primeira quanto a (ir)responsabilidade do sócio minoritário não administrador, veiculada pelo REsp 1.861.306, e a segunda quanto ao critério de apuração de haveres do sócio retirante, assentando o entendimento da aplicação do balanço de determinação quando omisso o contrato social, como se observou do REsp 1.877.331.

Veja que as decisões tratam de temas quase triviais na vivência do Direito Societário, mas que padeciam de certa insegurança ante a escassez de provimentos jurisdicionais sobre as hipóteses, mormente pela corte de uniformização.

Ponto de relevante observação é que n REsp 1.861.306, ao afirmar a impossibilidade de direcionar a cobrança de débitos sociais contra o sócio minoritário não administrador, ao de homenagear o artigo 50 do Código Civil (inclusive ao encontro da redação dada pela Lei da Liberdade Econômica), repercute incentivando o investimento minoritário e o financiamento dos projetos empresariais. Dado o costumeiro cenário de insegurança jurídica (que não chega a ser um privilégio do Brasil, mas aqui toma contornos dramáticos), a confirmação da proteção do investidor minoritário pode incentivar a diversificação de investimentos e injetar ânimo no mercado societário. Logo, a decisão carreia muito mais do que o que se denota objetivamente para as pessoas envolvidas no feito.

Por outro lado, a decisão do REsp 1.877.331 deve ser brindada por homenagear o sentido físico do texto legal, no caso o artigo 606 do Código de Processo Civil. É bem verdade que parte da comunidade financeira tem bastante resistência ao apurar o valor de haveres sociais com fulcro no balanço de determinação, pois argumentam que essa técnica valoriza excessivamente o que foi feito no passado, o que pode ser positivo ou negativo para os envolvidos. Nesse passo preferem o fluxo de caixa descontado por proporcionar, teoricamente, uma visão mais ampla do que a sociedade tem capacidade de gerar no futuro.

Contudo, essa insatisfação é facilmente solucionada pela inclusão da regra expressa de aplicação da técnica do fluxo de caixa descontado (para a apuração de haveres) no contrato social, já que o artigo 606 somente se aplica, como diz o próprio texto, na omissão estatutária. Assim, a decisão incentiva e educa para o planejamento societário.

No que se refere ao mercado e as movimentações da sociedade civil, a principal expectativa para 2022 é uma melhor compreensão sobre os rumos da economia pós-Covid-19 e seus impactos nos orçamentos privados — das famílias e sociedades — e públicos.

Há, ainda, uma expectativa presente de que o mercado de M&A continue com vigoroso crescimento (apenas no primeiro semestre deste ano foram movimentados R$ 258 bilhões, contra R$ 229 bilhões movimentados em todo o ano de 2020), o que deve ser positivamente influenciado pelas já mencionadas Lei do Ambiente de Negócios e Marco Legal das Startups. Contudo, é preciso entender como a relação de incerteza entre câmbio e juros impactará esse mercado.

Com esse resumo do agitado ano de 2021, acredito que podemos sair para as festas de fim de ano com a expectativa de um 2022 de muito trabalho no Direito Societário.

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