Ao mestre com carinho

Pontes de Miranda teve encontro histórico com Albert Einstein e ousou criticá-lo

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15 de dezembro de 2021, 8h42

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Monumento do Direito brasileiro (e, por que não dizer?, mundial), Pontes de Miranda tinha também conhecimentos de Física, Matemática, Biologia, Sociologia e Filosofia. E, como se tudo isso não fosse suficiente, a atuação do mestre alagoano nessas áreas ia muito além da mera curiosidade. Ele era capaz de produzir trabalhos que impressionavam os maiores nomes mundiais dessas disciplinas. No caso específico da Física, o maior nome de todos: Albert Einstein.

O encontro de Pontes de Miranda com o cientista mais famoso de todos os tempos é um dos episódios mais marcantes da trajetória do jurista, mas antes de chegarmos a ele é preciso contar como surgiu seu interesse pelas ciências exatas. O pai e o avô do alagoano eram matemáticos e, por sugestão dos dois, ele por muito pouco não foi estudar Matemática e Física na tradicional Universidade de Oxford, na Inglaterra — o que só não ocorreu porque falou mais alto a influência de sua tia Francisca, que o convenceu a cursar Direito em Recife.

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Albert Einstein durante uma de
suas conferências no Rio de Janeiro
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A escolha pelo universo das leis, no entanto, não tirou os números da vida de Pontes de Miranda, que os utilizou muitas vezes em sua obra jurídica e jamais deixou de lado os estudos da Matemática. E também da Física, o que nos leva — agora, sim — a Albert Einstein.

Em seu livro "Atrevidos Caetés: 50 encontros entre alagoanos & personalidades mundiais", o professor de Direito Fábio Lins de Lessa Carvalho relata o encontro entre o gênio do Direito e o gênio da Física. Conta o autor que os dois se corresponderam por bastante tempo em alemão, língua em que o alagoano era fluente. Em suas cartas, Pontes de Miranda demonstrou enorme conhecimento das teorias de Einstein, que achou estranho um homem do Direito se interessar tanto pelo tema, e teve até a ousadia de fazer críticas a algumas delas.

Por sugestão do alemão, o jurista escreveu uma tese sobre a teoria da representação do espaço para ser apresentada no Congresso Internacional de Filosofia, em Viena, em 1924. O trabalho, porém, foi recusado pelos organizadores do evento porque estes consideraram que não valia a pena publicar material enviado do Brasil, país sem tradição de produção intelectual.

Um relato dessa história foi feito pelo próprio Pontes de Miranda a seu biógrafo, o jornalista Ivan Barros:

Divulgação/ Arquivo Museu Nacional
Em sua passagem pela então capital do
país, o alemão visitou o Museu Nacional
Divulgação/Arquivo Museu Nacional

"Eu havia criticado sua afirmação sobre o encurvamento do espaço, dizendo que um cientista como ele não deveria descer a afirmações de causas. Einstein, através da Legação da Suíça, pediu o desenvolvimento dessa tese. Eu a desenvolvi em alemão, pedi cópia para ele, que me aconselhou a remetê-la ao congresso de filosofia que se reunia em Viena, em 1924. Remeti a tese em francês. Certo dia, recebo carta avisando-me que o Brasil não tinha reputação. Mandei essa carta a Einstein. Tempos depois eu me surpreendi com a aprovação do estudo, que foi transcrito e depois impresso nos anais do congresso".

Frente a frente
O encontro entre Pontes de Miranda e Einstein ocorreu um ano depois. Em 1925, o físico alemão veio ao Brasil para uma série de conferências — ele passou também pelo Uruguai e pela Argentina em sua "turnê" sul-americana. No Rio de Janeiro, então a capital do país, Einstein falou na Escola Politécnica, tendo o alagoano como um de seus ouvintes. Após a exposição do convidado ilustre, Pontes de Miranda, então com 33 anos, tomou a palavra e, em bom alemão, fez uma série de comentários e questionamentos sobre a teoria da relatividade.

Em seu depoimento a Ivan Barros, o mestre alagoano contou que teve vários encontros com Einstein durante essa passagem do físico pelo Brasil. De acordo com o relato do jornalista, reproduzido no livro do professor Fábio Lins, Pontes de Miranda considerava o alemão uma das duas maiores personalidades do século 20. A outra, para ele, foi o papa João 23, que recebeu o jurista no Vaticano durante o seu papado, iniciado em 1958 e encerrado com sua morte, em 1963.

* Nesta quinta-feira (16/12), a série especial sobre Pontes de Miranda continua com uma reportagem que mostra o museu dedicado a cultuar a memória do mestre em Maceió.

Outros textos da série:
— 'Pontes de Miranda é nosso maior jurista, mas infelizmente está sendo esquecido'
— Para estudiosos de Pontes de Miranda, sua obra tem profundidade sem par no mundo
— Maior livro jurídico de todos os tempos é o mais notável legado de Pontes de Miranda 
— Museu em Maceió apresenta a obra de Pontes de Miranda às novas gerações
— Opinião: Breves notas sobre Pontes de Miranda e sua contribuição à ciência do Direito
Opinião: A feitura das leis e sua interpretação na visão de Pontes de Miranda
'Apesar dos seus erros, o Direito brasileiro ainda é um dos melhores do mundo'

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