Opinião

A segurança jurídica na atuação dos FIDCs

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15 de dezembro de 2021, 17h41

Nos últimos anos, o Judiciário tem sido provocado a resolver diversas controvérsias relativas à atuação dos fundos de investimento em direitos creditórios. Os FIDCs têm um papel primordial como veículo de captação de recursos no mercado de capitais, antecipando, a terceiros, recebíveis decorrentes de direitos creditórios. 

Por meio desse tipo de operação, o terceiro consegue antecipar, em seu fluxo de caixa, o recebimento de um crédito que lhe é devido (com deságio), ao passo que o FIDC passa a sucedê-lo na titularidade do crédito, podendo, a partir de então, perseguir a sua cobrança contra o devedor. 

Nos litígios decorrentes de tais operações, é muito comum que os devedores aleguem, em juízo, excesso de cobrança nos encargos moratórios, com base na Lei da Usura, sob o argumento de que os FIDCs não teriam legitimidade para cobrarem juros como se instituições financeiras fossem. 

Esse argumento foi minuciosamente enfrentado e refutado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que, em agosto de 2019, julgou o Recurso Especial nº 1.634.958/SP, decidindo o seguinte: "O mercado financeiro abrange o de capitais, e a operação dos FIDCs, por envolver a captação de poupança popular mediante a emissão e a subscrição de cotas (valor mobiliário) para concessão de crédito, é inequivocamente de instituição financeira, bastante assemelhada ao desconto ou redesconto bancário (…)". Logo, os FIDCs devem, sim, ser enquadrados como instituições financeiras para os fins legais. 

A solução adotada pelo STJ também se mostra consentânea com a disciplina geral prevista no Direito brasileiro, segundo a qual, "salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios" (artigo 287 do Código Civil) — compreendendo-se aí, naturalmente, os encargos moratórios. 

Em relação às cédulas de crédito bancário, o artigo 29, §1º, da Lei nº 10.931/04 dispõe expressamente que, na hipótese de transferência do crédito consubstanciado em tal instrumento, "o endossatário, mesmo não sendo instituição financeira ou entidade a ela equiparada, poderá exercer todos os direitos por ela conferidos, inclusive cobrar os juros e demais encargos na forma pactuada na Cédula"

Por conta disso, no aludido precedente, a corte concluiu: "A tese sufragada pelo acórdão recorrido acerca da incidência da limitação de juros da Lei da Usura ignora a natureza de entidade do mercado financeiro dos FIDCs, conduz ao enriquecimento sem causa do cedido e vai na contramão da evolução do Direito, que busca conferir objetivação à regular cessão de crédito, conforme se extrai da teleologia do artigo 29, § 1º, da Lei n. 10.931/2004"

Além da possibilidade de cobrança de juros nos exatos termos do título originário (objeto da cessão), a qualificação dos FIDCs como instituições financeiras também possui outras repercussões práticas.        

Recentemente, em maio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou outra controvérsia relevante para a atuação dos FIDCs, ao julgar o Recurso Especial nº 1.909.459/SC, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, ocasião em que referendou a validade da cláusula contratual por meio da qual o cedente garante ao fundo cessionário a solvência do devedor originário. 

No caso, entendeu-se nas instâncias judiciais inferiores que a operação de cessão objeto da controvérsia possuiria natureza de fomento mercantil, motivo pelo qual se trataria de cessão de crédito pro soluto e a cessionária, na qualidade de faturizadora, assumiria o risco de inadimplência dos créditos adquiridos. 

O STJ, contudo, entendeu que os FIDCs não se confundem com as empresas de factoring, as quais não atuam no mercado financeiro. Concluiu a corte, então, o seguinte: "O art. 2º, XV, da IN CVM 356/2001 prevê expressamente o conceito de coobrigação. É certo que tal previsão foi incluída na normativa com a finalidade de referendar a higidez da cláusula constante de contrato de cessão de crédito convencionado com um FIDC, por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor. Não só, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede os FIDCs de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor e, segundo dispõe o art. 296 do CC/02, o cedente ficará incumbido do pagamento da dívida se houver previsão contratual nesse sentido"

De fato, não parece haver motivo para deixar de aplicar, no âmbito do mercado de capitais, a mesma disciplina da cessão de crédito pro solvendo, conhecida de longa data no Direito brasileiro, se assim as partes tiverem pactuado no instrumento de cessão (conforme artigo 296 do Código Civil). 

Enfim, os precedentes examinados, embora relativos a questões jurídicas distintas, contêm uma convergência importante para a atuação dos FIDCs. Em sintonia com a chamada Lei da Liberdade Econômica, que preconiza a liberdade no exercício de atividades econômicas e a subsidiariedade da intervenção estatal (artigo 2º, incisos I e III), as decisões contribuem para trazer mais previsibilidade e segurança jurídica para a atuação dos FIDCs no mercado de capitais.

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