Democracia Processual

MP não pode ser única instituição a falar em processo que envolve vulneráveis

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14 de dezembro de 2021, 9h46

O Ministério Público não pode ser a única instituição pública com o direito de se manifestar em processos, principalmente naqueles que envolvem a defesa dos interesses dos vulneráveis, temática vinculada às funções institucionais da Defensoria Pública.

TJ-AM
TJ-AM não conhece recurso do MP que buscava afastar participação da Defensoria
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Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Amazonas determinou que a Defensoria Pública do estado seja ouvida como custos vulnerabilis nos autos de uma revisão criminal, pois inexiste prejuízo ao direito de participação do Ministério Público como custos legis, que inclusive apresentou seu parecer de costume.

No caso, o Ministério Público do Amazonas recorreu de um despacho, proferido em revisão criminal, que determinou a intimação pessoal do Defensor Público-Geral do Amazonas, na condição de custos vulnerabilis, para apresentar sua posição institucional de defesa dos direitos humanos dos vulneráveis e para manifestação em prazo similar ao MP.

Em suas razões recursais, o MP alegou que a decisão instituiu usurpação da atribuição constitucional do órgão acusador e autorizou atuação inconstitucional da Defensoria Pública. Já o Defensor Público-Geral sustentou que a missão da instituição é voltada à defesa de grupos vulneráveis, de modo que ela pode atuar baseada no seu interesse institucional, para fomentar precedentes e decisões voltadas aos vulneráveis.

O relator, desembargador Ernesto Anselmo Queiroz Chíxaro, afirmou que, para firmar a legitimidade institucional da Defensoria Pública, distintamente da atribuição constitucional do Ministério Público, a pertinência temática é aferível por um critério objetivo: a existência de vulnerabilidade potencial ou latente. Nesse sentido, a presença da vulnerabilidade é fator de "ordem objetiva" ensejadora da atuação defensorial como custos vulnerabilis.

Nesse contexto, o magistrado destacou que a parte que entra com revisão criminal passou por uma execução penal, conectando-o à legitimidade institucional da Defensoria Pública, face à vulnerabilidade prisional, pois "a privação de liberdade é fator que gera vulnerabilidade" ou dos estigmas dos egressos do sistema carcerário.

"O interesse ministerial de 'custos legis/dominus litis' (estado acusador) tem geralmente conflitado com o da Defensoria enquanto 'defesa pública' (estado defensor), daí a importância de ambos os órgãos serem ouvidos diante do conflito de interesses intraestatal entre ambos no sistema de Justiça", reforçou Chíxaro.

Assim, o relator entendeu que o recurso do MP é inadmissível, uma vez que, no Processo Penal, os provimentos para oitiva institucional na formação democrática de precedentes do Ministério Público e mesmo da Defensoria Pública não acarretam, por si, prejuízo algum às partes, de modo que devem ser considerados irrecorríveis.

Também inexiste interesse recursal e prejuízo quanto à invasão das atribuições ministeriais, disse o desembargador. Isso porque a decisão sobre a intervenção da Defensoria Pública foi vinculada ao interesse dos vulneráveis, de modo que inexiste ofensa à atuação ministerial ou mesmo atuação defensorial desconectada de sua pertinência temática.

"É importante que se diga que o recurso aqui julgado, com indício corporativista, não se coaduna com o interesse constitucional do Ministério Público de resguardar o regime democrático. Nesse caso, o eventual provimento do presente recurso consumaria o temor anunciado pela defensoria: ter-se-ia uma instituição pública com o direito a “falar só”, um quadro antidemocrático e de perigoso totalitarismo institucional", concluiu.

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0002660-47.2021.8.04.0000

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