Opinião

As competências no Direito Ambiental

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14 de dezembro de 2021, 6h03

O Direito Ambiental brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Ele tem se modificado para melhor se adaptar as necessidades hodiernas. Assim, a definição das competências é matéria necessária para a criação de legislações ambientais e para a devida prevenção e repressão aos danos ambientais. Ademais, é essencial a definição da via responsável para o julgamento do delito. O artigo, portanto, visa a expor as competências normativa, administrativa e jurisdicional do Direito Ambiental.

A competência normativa, que é a de quem tem a legitimidade para legislar sobre a matéria, está disposta no artigo 24 da Constituição Federal, em seus incisos VI, VII, VIII. A competência normativa, conforme a CF, é concorrente. Nesse sentido, a União tem competência para ditar normas gerais, ressalvadas as competências privativas elencadas no artigo 22 da nossa Carta Maior, como é o exemplo das águas. A elaboração das normas gerais tem um contraponto, qual seria a definição dessa expressão. A doutrina majoritária entende que as normas gerais são aquelas que defendem princípios, dessa maneira, o artigo ou a lei não precisa trazer o nome do princípio, ele deve trazer o conteúdo, a essência deste. Posto isso, os estados e municípios devem respeitar as normas gerais ao elaborarem suas legislações complementares.

A competência municipal, por sua vez, passou por polêmica jurídica por não estar disposta no artigo 24 da CF. Entretanto, o artigo 30, em seu inciso I, traz a possibilidade do município legislar concorrentemente em assunto local, assim como o inciso II traz a possibilidade de suplementar a legislação estadual e federal, no que couber. O município, portanto, é ente competente para legislar sobre Direito Ambiental.

A competência normativa, além disso, superou, recentemente, a polêmica do conflito de competência. A tese da norma mais restritiva foi, por muito tempo, defendida como preponderante em caso de conflito de competências. Essa solução, entretanto, era inconstitucional, uma vez que a nossa constituição não traz essa normativa. Prevalece, pois, a norma geral da união. Essa discussão foi superada no julgamento sobre o uso do amianto pelo STF. A Lei federal 9055/95 admitia o uso de variações do amianto. A Lei de São Paulo 12684/04, ao seu tempo, proibiu qualquer variação do referido minério. O STF deu ganho de causa para o estado que possuía legislação mais restritiva. Isso abriu espaço para muitos juristas tentarem validar a tese de que a norma mais restritiva prevalecia. Essa interpretação, porém, foi equivocada.

O STF, no Informativo 509/2008 e na ADI 3937, entendeu que a norma geral não era a Lei federal 9055/95, mas, sim, a Convenção da OIT 162. A convenção internacional, então, passou a ser o paradigma e foi dotada de tintas de generalidade. Por isso, as leis estaduais mais restritivas prevaleceram sob a lei federal, já que esta não era mais a norma geral. Concluímos que a norma especifica pode, apenas, trazer detalhamento sobre a regulação ambiental. Para ela poder ser mais restritiva, a norma geral deve autorizar essa possibilidade, como é o caso da Lei 7661/88, em seu artigo 5, §1º e 2º. A norma geral, também, pode estipular um valor mínimo, assim, o estado ou município pode ampliar esse valor, ou seja, aumentar a proteção, como é o caso da norma geral que traz largura mínima para a área de preservação permanente.

Explicada a competência normativa, agora, adentraremos na competência administrativa. Esta se divide em preventiva e repressiva. A competência administrativa pode ser denominada, também, de poder de polícia ambiental e está disposta no artigo 23 da CF. A Constituição estabelece que a competência é comum para os entes federativos, mas não estabelece parâmetros para superar o conflito de atribuição entre os órgãos administrativos da União, dos estados e dos municípios, deixando a cargo da lei infraconstitucional essa definição.

A competência administrativa preventiva, ou seja, o licenciamento ambiental, teve sua competência definida só em 2011, com a Lei Complementar 140. Até esse período, sem uma lei complementar organizando as competências, o Conama, órgão consultivo e deliberativo ambiental da União, criou a Resolução 237/97 para preencher essa lacuna. Ele estipulou o processo e as competências administrativas. A resolução, entretanto, é um ato administrativo normativo e não uma lei, ela deveria dar parâmetros para a fiel execução da lei, esta inexistente. Para dar suporte à resolução, os juristas utilizaram o artigo 10 da Lei 6938/81, que estipulava a licença ambiental para os estados e para a união, esta em caso de interesse nacional. A resolução decidiu ir mais afundo e dividiu as competências nos três entes federativos: União, estados e municípios. Por mais que ela não pudesse organizar as competências, já que o artigo 23 da CF exige LC, ela teve aceitação por ter sido feita por um órgão técnico sem argumentos políticos. Desse modo, a competência foi atribuída de acordo com a área de influência direta do projeto, conforme artigo 1, IV. Caso o projeto se limite ao território municipal, a competência é deste, se ele extrapolar esse limite, a competência é do estado, e se ele extrapolar o limite do estado, a competência é da união. Para dar segurança jurídica à matéria tratada na resolução, ela foi transformada na LC 140/2011.

A LC transpôs os artigos da resolução para ela e manteve o critério da área de influência direta do projeto. Ela, ainda, estabeleceu que quem determinará o que é impacto ambiental local serão os estados, por meio de um critério técnico do Conema. Ademais, a LC, em seu artigo 8, XIV, traz a competência residual para os estados. Ela não pontua o que cabe aos estados, apenas estipula as competências para a União e para os municípios. O Estado, porém, não perdeu relevância, já que não houve mudança nos parâmetros dos demais entes, eles continuam os mesmos. O Estado continua, dessa forma, sendo o principal licenciador ambiental. A lei, ainda, trouxe a obrigatoriedade de a autorização ser feita por um único ente federativo, em conformidade com a divisão. Entretanto, o ente federativo só terá competência administrativa se tiver a estrutura necessária para tal. Destarte, caso não possua, prevalecerá a competência supletiva, vejamos. Caso estado/DF não possa utilizar de sua competência, caberá a União, assim como se o estado ou município também não a usufruírem. Nesse mesmo sentido, caso o município não tenha a estrutura necessária, caberá ao estado a competência administrativa.

A competência administrativa repressiva, que seria o poder de lavrar auto e aplicar sanção, também, iniciou-se utilizando outra lei para preencher a lacuna legislativa. A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98), do artigo 70 ao 76, foi utilizada de parâmetro durante esse período. Assim sendo, o artigo 76 estipulava que se o município ou o estado já tivesse aplicado sanção, a União declinaria do seu dever de sancionar, melhor dizendo, ela é substituída, nos casos de mesma hipótese de incidência. Essa lei, entretanto, não resolvia o problema inverso, em que a União aplica a sanção e depois o município e/ou o estado aplicam, também. Ademais, o artigo 73 elenca que os valores arrecadados seriam revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente do órgão aplicador da sanção. O artigo visa diretamente aos municípios que não possuam estrutura necessária para arrecadar os valores, assim, eles estariam impedidos de exercer seu poder de polícia. Esse valor arrecadado, além disso, só pode ser destinado a gastos na área que justificou a criação do fundo, digo, na área ambiental. Ainda, essa pecúnia não seria destinada para recuperar o dano, já que esse dever é do causador.

A Lei Complementar 140/2011, em seu artigo 17, trouxe a segurança jurídica necessária para o poder de polícia ambiental repressivo. O artigo definiu que quem licencia deve sancionar. Em consonância com o artigo 23 da CF. Todavia, caso o licenciador não sancione, os demais entes podem sancionar, e, em todos os casos, todos os entes federados podem fiscalizar. O §3º do artigo 17 da LC 140/2011, dessa forma, estipulou que a competência de fiscalizar é comum a todos os entes federativos. Então, a não aplicação da sanção não impede o ente de fiscalizar. Diante disso, prevalecer-se-á a sanção do licenciador, caso haja sanção de outros entes federativos. Exemplo para o exposto é o caso da barragem em Mariana, o licenciamento foi feito pelo estado de MG, isto é, ele tem a prerrogativa de sancionar. Entretanto, o dano afetou o Rio Doce, que é federal, logo, a omissão do estado de MG possibilitou que a União aplicasse a sanção. Além de trazer a competência jurisdicional para a seara federal.

A competência jurisdicional seguiu o mesmo parâmetro disposto. Por conseguinte, ela é definida pelo local onde ocorreu o dano. Em outras palavras, a competência tem como parâmetro o domínio do bem atingido pelo dano ambiental. Se tiver atingido bem da União (artigo 20 CF), a competência será da Justiça federal, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Para os demais bens, a competência será da Justiça estadual, do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil. Caso o dano ambiental afete três estados, a competência será do que apresentar denúncia primeiro, tornando o juízo prevento. Ainda, podemos destacar a competência do Tribunal de Contas, com sua função judicante. O artigo 70 da CF determina ao Tribunal de Contas o controle patrimonial dos bens públicos. Logo, ele poderá defender o bem público via controle patrimonial, já que, segundo a Lei 9985/2000, uma vez criada unidade de conservação, toda sua área é pública, tornando-se bem público afetado pela proteção ambiental. Para complementar, vale ressaltar que a criação da unidade de conservação pode ser feita por qualquer ato público, já sua desafetação é só por lei, conforme §7º do artigo 22 da Lei 9985/2000 (SNUC).

A Lei Complementar 140/11, portanto, trouxe segurança jurídica para as competências ambientais, seja ela normativa, administrativa ou jurisdicional. O desenvolvimento da matéria, principalmente por meio da resolução do Conama, também, foi fundamental para a criação de uma lei abrangente e efetiva, já que a resolução havia passado pela aplicação prática. Assim, a legislação ambiental brasileira avança, cada vez mais, tornando-se protagonista paradigmática da proteção ambiental.

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