Aspectos práticos da conversão da multa ambiental na audiência de conciliação
12 de dezembro de 2021, 7h13
A audiência de conciliação ambiental foi introduzida no Decreto Federal 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração dessas infrações, com a edição do Decreto 9.760/2019, que trouxe significativas mudanças no rito processual, sobretudo em relação à celeridade tanto no processo como na recuperação dos danos ambientais.
Constatando a ocorrência de infração administrativa ambiental, o agente ambiental designado para atividades de fiscalização deve lavrar o auto de infração, ocasião em que indicará as sanções previstas no artigo 72 [1] da Lei 9.605/08, cumulativas ou não, de advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; e restritiva de direitos.
No mesmo ato, o agente ambiental pode aplicar medidas administrativas cautelares, quais sejam: apreensão; embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; demolição; suspensão de venda ou fabricação de produto; e suspensão parcial ou total de atividades.
Nota-se que as medidas cautelares se diferenciam das sanções indicadas pelo agente ambiental, tão somente em razão do momento em que são aplicadas. Enquanto aquelas são dotadas de autoexecutoriedade e têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, estas dependem da confirmação da autoridade julgadora ambiental após o devido processo legal.
Pois bem. Lavrado o auto de infração, com a identificação do infrator, a descrição clara e objetiva da infração administrativa constatada e a indicação dos respectivos dispositivos legais e regulamentares infringidos e a sanção cabível, instaurar-se-á o processo administrativo para apuração de infração ambiental.
Por vezes, o processo administrativo é instaurado antes mesmo da ciência do autuado, para a posteriori o auto de infração ser encaminhado por via postal com aviso de recebimento. Isso é muito comum, por exemplo, em infrações de supressão de vegetação detectadas através de imagens de satélite, ou quando o órgão ambiental notifica o administrado para prestar esclarecimentos, documentos e demais informações acerca de eventual fato, e, se convencendo da existência de infração, lavra o auto e envia ao autuado.
Noutras vezes, o autuado é notificado da lavratura do auto de infração e dos demais atos do processo, pessoalmente; por seu representante legal; por mensagem eletrônica; por edital; ou, qualquer outro meio que assegure a certeza da sua ciência.
No processo administrativo federal, lavrado o auto de infração, se o autuado estiver presente ou seu representado legal, será notificado no ato da fiscalização para comparecer, caso queira, à audiência de conciliação ambiental, a qual é agendada automaticamente para o máximo de 30 dias após a notificação. Por outro lado, estando ausente, o autuado é notificado para manifestar sua concordância com a realização da audiência, o que deverá fazer através de petição nos próprios autos. Não o fazendo, iniciar-se-á o prazo para o oferecimento da defesa no primeiro dia útil subsequente à data agendada.
Observe-se que, no processo administrativo federal, o oferecimento de defesa fica suspenso pelo agendamento da audiência de conciliação e o seu curso se inicia da data de sua realização, independe do comparecimento do autuado, mas aqui é importante destacar que cabe ao autuado, no prazo de 30 contados da autuação, requerer a designação de data para realização da audiência, não o fazendo, findo o prazo, iniciam-se os 20 dias para oferecimento da defesa. Também é possível renunciar ao direito de participar da audiência, mediante declaração escrita ou manifestação pessoal do infrator no ato da fiscalização, ocasião em que se inicia o prazo para oferecer a defesa.
Na hipótese de o autuado participar da audiência de conciliação ambiental, que pode ser realizada, inclusive, por meio eletrônico, serão apresentadas soluções possíveis com vistas a encerrar o processo administrativo de apuração de infração ambiental, excetuadas as medidas administrativas cautelares, isto é, a audiência de conciliação se resume ao pagamento, com desconto, da sanção de multa, não abrangendo as sanções acautelatórias, a exemplo do embargo, suspensão, interdição ou apreensão.
Outro ponto importante é que na audiência de conciliação não cabe a produção de provas pelo autuado, com ressalva a existência de eventuais vícios sanáveis ou insanáveis verificáveis de plano, a exemplo da prescrição ou auto de infração lavrado em duplicidade, sendo cabível a reunião de processos e autuações para análise em conjunto.
A audiência de conciliação é de competência do Núcleo de Conciliação Ambiental (ou Nucam) da unidade administrativa onde se originou o auto de infração, sendo pautada pelos princípios da informalidade, oralidade, imparcialidade, respeito à livre autonomia do autuado, economia processual e celeridade.
A condução da audiência é feita por dois servidores designados para esta atividade. O primeiro é o conciliador presidente, responsável por explanar ao autuado as razões de fato e de direito que ensejaram a lavratura do auto de infração; decidir sobre questões de ordem pública; apresentar as soluções legais possíveis para encerrar o processo, tais como o desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente e homologá-las no caso de êxito. Já o segundo é o conciliador relator, que reduzirá a audiência a termo independente do resultado.
Um dos maiores benefícios da audiência de conciliação é a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, instituída pelo Programa de Conversão de Multas Ambientais, previsto nos artigos 139 e seguintes do Decreto nº 6.514/2008, alterado pelo Decreto nº 9.760/2019, que, caso deferida na própria audiência — pois se trata de ato discricionário —, implicará no desconto de 60% do valor da multa consolidada, facultando-se ao autuado a escolha pela modalidade de conversão, se direta ou indireta.
Na modalidade direta, o autuado presta o serviço diretamente, elaborando, apresentando e executando, por meios próprios, o projeto que contemple serviço de conservação, preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, como por exemplo escolher um dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) para destinação de suprimentos. Na prática, o Cetas entrega ao autuado uma lista de produtos, materiais ou suprimentos que necessite, cabendo ao autuado adquiri-los e entregá-los no local e prazo assinalado. Nessa modalidade, o valor dos bens adquiridos para o Cetas pode ser inferior ou superior ao valor da multa convertida, e as despesas com a entrega também são do autuado.
Já na modalidade indireta o autuado escolhe um projeto que contemple serviço de conservação, preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente e indica a quantidade de parcelas mensais e sucessivas desejadas para o pagamento do valor devido da multa convertida, que pode ser feito em até 24 vezes. Na prática, o autuado fará depósito em dinheiro, seja à vista ou parcelado, até o montante do valor da multa convertida para o projeto de sua escolha.
Um ponto que gera dúvidas, muitas vezes, é o próprio valor final a ser pago pelo autuado. No caso de a conversão da multa ser deferida na audiência de conciliação, será aplicado um desconto de 60% do valor da multa consolidada, isto é, o autuado pagará a multa que foi consolidada após a aplicação das agravantes e atenuantes, se existentes, acrescida de juros e correção monetária, sendo que os juros incidem desde o prazo fixado para pagamento do valor atribuído no auto de infração, o qual é de 20 dias contados da ciência da autuação, e atualização monetária desde a lavratura do auto de infração até seu efetivo pagamento.
Para melhor compreensão, tomemos como exemplo uma multa consolidada no valor de R$ 10 mil após análise das agravantes e atenuantes. Aplicando-se o desconto de 60%, o valor total a ser pago pelo autuado será de R$ 4 mil em serviços de conservação, preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, seja na modalidade direta, seja na modalidade indireta. Nenhum valor a mais será devido pelo autuado.
Outro ponto que gera dúvidas é se a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente faz coisa julgada. A resposta é sim, e, portanto, pode acarretar em agravamento por reincidência se nova infração, genérica ou específica, for cometida no período de cinco anos, contados da lavratura de auto de infração anterior devidamente confirmado pela autoridade julgadora de primeira instância administrativa.
Importante destacar que a audiência de conciliação não aborda as medidas cautelares e demais sanções porventura aplicadas, isto é, eventual conversão da multa aceita em audiência de conciliação se limita a sanção pecuniária, não retirando o direito do autuado de ingressar com defesa parcial contra as medidas cautelares e outras sanções, até porque tais medidas são acautelatórias e dependem da confirmação ou não da autoridade ambiental competente para se tornaram sancionatórias. Significa dizer que o processo administrativo, se houve indicação de medidas cautelares, necessariamente seguirá para julgamento, independentemente da conversão da multa.
Concluímos, assim, que a audiência de conciliação ambiental é um importante instrumento tanto para a Administração concluir seus procedimentos com eficiência quanto para o infrator autuado reduzir sua penalidade pecuniária em 60%, porém, tal benesse não exclui a obrigação de reparar eventual dano ambiental, o que impõe cautela na aceitação da proposta, que, a depender da infração cometida, pode se tornar excessivamente onerosa e até mesmo inviável.
[1] "Artigo 72 – As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no artigo 6º: I – advertência; II – multa simples; III – multa diária; IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V – destruição ou inutilização do produto; VI – suspensão de venda e fabricação do produto; VII – embargo de obra ou atividade; VIII – demolição de obra; IX – suspensão parcial ou total de atividades; X – (VETADO) XI – restritiva de direitos".
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