Retrospectiva 2021

A resiliência da advocacia pública em tempos de incertezas

Autor

  • Vicente Martins Prata Braga

    é presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape) advogado procurador do estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP).

9 de dezembro de 2021, 10h01

Chega a hora de nos despedirmos de 2021. Ao fim de cada ciclo, somos levados à reflexão e, após quase dois anos em uma pandemia, temos no horizonte enormes desafios. A resiliência do povo brasileiro está entre as suas melhores qualidades e, apesar dos efeitos devastadores da crise sanitária, o Brasil mostrou que é capaz de sair ainda mais forte dessa experiência. Por isso, o foco para este novo ano está na recuperação.

Reprodução
Não foi um ano fácil. As instituições públicas tiveram de se adaptar a cenários inconstantes. Nesse contexto, o trabalho desenvolvido pelas advocacias públicas estaduais é motivo de orgulho. Advogados públicos em todo o país permitiram aos gestores legitimamente eleitos tomarem as melhores decisões para o resguardo da saúde pública. Um trabalho que evitou irregularidades nas contratações diante do desafio de chegar de forma célere a respostas judiciais mais adequadas para as latentes necessidades da população.

Para além da pandemia, a advocacia pública enfrentou desafios importantes no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Batalhas com um principal objetivo: a proteção dos interesses da sociedade. Na Suprema Corte, estivemos vigilantes ao princípio da unicidade. Constantemente, estados aprovam leis criando cargos de assessoria jurídica a serem ocupados por pessoas que não são procuradores estaduais aprovados em concurso público de provas e títulos.

Existe um órgão público responsável pela representação judicial dos entes federados, que favorece a busca de soluções jurídicas técnicas, baseadas em regras livres de influências negativas. Os advogados públicos são os advogados da democracia. Afinal, toda e qualquer política pública para ser concretizada precisa da análise de viabilidade jurídica, e isso deve ser feito por advogados públicos concursados, como determinam o artigo 132 da Constituição Federal e a jurisprudência pacífica do STF.

No Congresso Nacional, o ano foi de intensa mobilização. Por meses, parlamentares debruçaram-se sobre a proposta de reforma administrativa. A modernização da Administração Pública é necessária para que possamos oferecer à população brasileira o atendimento de qualidade que ela merece. Entretanto, o debate ficou centrado na fragilização do serviço público para justificar números incompletos e projeções econômicas irreais. Uma reforma administrativa tem de estar amparada na Constituição Federal, inspirada pelos valores e pelos princípios da República.

Falamos sobre isso na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, especialmente sobre a manutenção da estabilidade do servidor. A estabilidade é imprescindível para o bom funcionamento do Estado, pois ela garante a independência. Ela não pertence ao servidor, mas ao cargo, à sociedade. Distorções devem, sim, ser combatidas, mas eliminar a estabilidade seria abrir uma perigosa porta para a corrupção.

Outra batalha foi durante a aprovação da Lei de Improbidade Administrativa. Essencial para o desenvolvimento econômico do país, a legislação, infelizmente, alterou a legitimidade ativa e concedeu exclusividade ao Ministério Público na propositura da ação de improbidade. O texto acabou por retirar da vítima a possibilidade de buscar a reparação do dano e a punição dos atos ímprobos.

Um dos papéis fundamentais da advocacia pública é impedir mandos e desmandos com os recursos do povo. As procuradorias de Estado, como função essencial à Justiça, estão alinhadas nesse propósito de resguardar o bem público. Portanto, é fundamental que o trabalho seja feito de forma autônoma, independente, com estrutura suficiente para garantir lisura nas análises jurídicas. O maior beneficiado é o cidadão brasileiro, que terá a boa condução das políticas públicas resguardada.

Os procuradores de Estado são o meio, não o fim. Mas o meio que conduz à plena consecução dos objetivos da Administração Pública. Portanto, a autonomia é essencial. O que não significa uma emancipação em relação ao Executivo. Ao contrário. Uma autonomia para ter liberdade dentro da lei que permitirá ao Estado ter seu órgão de defesa jurídica 100% compromissado, independentemente de quem ocupe a cadeira de gestor. Os governos são transitórios, o Estado é permanente.

Em tempos de incertezas, o melhor caminho é o que assegura a proteção da sociedade em todos os aspectos, equilibrando as necessidades básicas e os enormes obstáculos econômicos. Os procuradores de Estado apoiam os governantes enquanto advogados públicos e lutam juntos, enquanto cidadãos, por um sonho maior, com políticas que envolvam a diminuição da desigualdade, com crescimento econômico e uma maior eficiência da gestão pública. Nas palavras de Clarice Lispector, "quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado com certeza vai mais longe". Imbuídos desse espírito de união, seguiremos rumo a 2022.

Autores

  • Brave

    é presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), procurador do estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!