Opinião

Os impactos do mundo digital no mercado imobiliário

Autores

  • Martha Leal

    é advogada especialista em proteção de dados pós-graduada em Direito Digital pela Fundação Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul mestre em Direito e Negócios Internacionais pela Universidad Internacional Iberoamericana Europea del Atlântico e pela Universidad Unini México pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade de Brasília—IDP data protection officer ECPB pela Maastricht University certificada como data protection officer pela Exin e pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Comunicação Institucional do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD).

  • João Paulo Leal

    é advogado especialista em Direito Imobiliário professor da Faculdade de Direito da UFRGS e Conselheiro do Conjur/CBCI.

7 de dezembro de 2021, 13h41

O mundo digital cada vez mais está inserido no setor imobiliário provocado pelo uso de novas tecnologias que vão desde a utilização de criptoativos, que são ativos virtuais presentes exclusivamente em registros digitais, como tokens não fungíveis, os denominados NFTs.

Algumas incorporadoras passaram a aceitar criptomoeadas, exemplo mais comum de criptoativo, como pagamento de seus empreendimentos.

Primeiramente, é importante compreendermos que tokens podem ser tanto criptomoedas, a exemplo da bitcoin, como NFTs, que são registros de algo que é único em blockchain.

Portanto, NFT é uma espécie de certificado digital que tem por objetivo atestar a autenticidade de um arquivo. Em outras palavras, trata-se de um código de computador utilizado para assegurar que um determinado arquivo é único. E, nessa toada, em 1º de novembro deste ano o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul regulamentou a permuta de imóveis através do Provimento nº 038/2021  CGJ [1], possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis em contrapartida de tokens e criptoativos e o consequente registro imobiliário, pelos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Rio Grande do Sul, dessas operações. 

De acordo com o provimento [2], somente poderão ser lavradas escrituras públicas de permuta de bens imóveis por criptoativos mediante a satisfação de quatro critérios cumulativos, a saber:

a) Especificação do valor do criptoativo, de comum acordo pelas partes;

b) Declaração das partes de que o criptoativo não representa direitos sobre o imóvel permutado;

c) Equivalência entre os valores do imóvel e do criptoativo; e

d) Que o criptoativo não tenha denominação ou registro em blockchain que dê a entender que o seu conteúdo se refira a direitos de propriedade sobre o imóvel ora permutado [3].

Ainda, há necessidade de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sempre que uma permuta for registrada nos termos do provimento, para fins de observância ao Provimento nº 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça [4].

Esse provimento [5] é uma resposta à consulta realizada neste ano pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg-RS) e do fórum de presidentes das entidades extrajudiciais gaúchas.

Na prática, através dos NFTs cria-se um código em blockchain com dados do imóvel, direitos e deveres de quem compra e vende ou faz permuta, formando-se, assim, os contratos inteligentes e possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de imóveis por token, desde que observados os requisitos acima referidos.

A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak [6] destacou no documento que os criptoativos não representam direitos sobre o imóvel da permuta e que o valor declarado dos tokens necessita ter equivalência em relação à avaliação do imóvel permutado, refugando a doação disfarçada.

Dessa feita, a transação através de NFTs traduz a compra de um direito sobre o imóvel, tal como o direito de receber aluguel sobre o bem, mas não a compra do imóvel em si.

E é por essa razão que se faz de extrema relevância que o registro da transação em blockchain traduza exatamente a relação que se deu na prática, para que não haja dúvidas quanto ao conteúdo do registro, sob pena de não poder ser registrada em cartório.

A primeira compradora no Brasil que adquiriu um direito digital de receber o aluguel em percentual de 20% sobre um imóvel foi uma gaúcha de 82 anos, Lenita Ruschel, inaugurando, assim, uma nova fase de transações no meio imobiliário [7].

 

Referências bibliográficas
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 88/2019. Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça. 03 fev. 2020. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2019/10/01/provimento-no-88-2018-dispoe-sobre-procedimentos-extrajudiciais-no-combate-a-lavagem-de-dinheiro/. Acesso em: 05 dez. 2021.

LAMAS, João Pedro. Idosa de 82 anos usa NFT para comprar 20% de apartamento no RS; entenda como funciona o sistema. G1, 23 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/23/professora-de-82-anos-de-porto-alegre-compra-primeiro-apartamento-digitalizado-do-brasil.ghtml. Acesso em: 05 dez. 2021.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 – CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.

 

[1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021  CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.

[2] Ibidem.

[3] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 – CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 88/2019. Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça. 03 fev. 2020. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2019/10/01/provimento-no-88-2018-dispoe-sobre-procedimentos-extrajudiciais-no-combate-a-lavagem-de-dinheiro/. Acesso em: 05 dez. 2021.

[5] Ibidem.

[6] RIO GRANDE DO SUL, loc. cit.

[7] LAMAS, João Pedro. Idosa de 82 anos usa NFT para comprar 20% de apartamento no RS; entenda como funciona o sistema. G1, 23 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/23/professora-de-82-anos-de-porto-alegre-compra-primeiro-apartamento-digitalizado-do-brasil.ghtml. Acesso em: 05 dez. 2021.

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    é advogada especialista em Privacidade e Proteção de Dados, Data Protection Expert pela Universidade de Maastricht, fellow do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD) e sócia da JP Leal Advogados.

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    é advogado, especialista em Direito Imobiliário, professor da Faculdade de Direito da UFRGS e Conselheiro do ConJur/CBCI.

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