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Lei anti-pornô de vingança não vale para ensaio em revista vazado na internet

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7 de dezembro de 2021, 16h23

A norma do Marco Civil da Internet que confere às vítimas da chamada pornografia de vingança (revenge porn) a possibilidade de retirar da rede fotos e vídeos íntimos não se aplica ao caso da modelo que produz ensaio sensual para uma revista, mas tem as fotos vazadas e publicadas sem a sua autorização em blogs.

Reprodução
Ensaio sensual para revista foi publicado por blogs sem autorização da modelo Reprodução

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pelo Google, que não será responsabilizado pela demora em derrubar as páginas que hospedavam as fotos vazadas da modelo.

O processo trouxe discussão inédita envolvendo a aplicação do artigo 21 do Marco Civil da Internet, que institui a regra anti-revenge porn. O julgamento, que teve placar de 3 a 2, foi encerrado nesta terça-feira (7/12), com voto de desempate do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

O caso trata de uma modelo fotográfica que posou nua para a revista Sexy. O ensaio foi publicado em janeiro de 2017 e estava acessível para pessoas maiores de 18 anos mediante pagamento prévio. A publicação dessas fotos em blogs não foi autorizada e ampliou sensivelmente o alcance delas.

A modelo usou a plataforma do Google de denúncia de violação de direitos autorais, mas as páginas que hospedavam as imagens continuaram disponíveis. O conteúdo só foi derrubado após notificação judicial. Sem resistência, a empresa de tecnologia afirmou ter removido 380 URLs.

Para a maioria apertada encabeçada pelo voto divergente do ministro Marco Aurélio Bellizze, imagens de nudez produzidas com o lícito propósito de lucro e direcionadas a público especifico mediante pagamento pelo acesso das mesmas não podem ser definidas como de caráter privado.

No caso, incidiria a regra do o artigo 19 do mesmo Marco Civil da Internet, que de forma mais geral apenas responsabiliza civilmente provedores como o Google por conteúdo de terceiros apenas quando deixa de remove-los após ordem judicial específica.

O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal, que deve julgar duas ações que questionam o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O objetivo é definir a constitucionalidade da responsabilização de provedores de aplicações de internet por conteúdo produzido por terceiros, exatamente como no caso julgado pela 3ª Turma.

Antes de pautar os Recursos Extraordinários 1.057.258 e 1.037.396, o STF decidiu fazer audiência pública sobre o tema, que estava inicialmente marcada para março de 2020, mas precisou ser suspensa por conta da epidemia. Para o colunista da ConJur, Lenio Streck, o artigo 19 do Marco Civil é constitucional e não viola quaisquer direitos fundamentais.

Lucas Pricken/STJ
Segundo ministro Marco Aurélio Bellizze, Google só precisaria derrubar URLs após decisão judicial específica sobre o caso
Lucas Pricken/STJ

Cabe o artigo 19
A divergência do ministro Bellizze se sagrou vencedora ao ser acompanhada pelos ministros Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino. Para eles, não se aplica o artigo 21 do Marco Civil da Internet porque imagens de nudez produzidas com o lícito propósito de lucro e direcionadas a público especifico mediante pagamento.

"Do contrário, o dispositivo legal não precisaria fazer menção, em seu teor, à expressão 'caráter privado'", ressaltou o ministro Bellizze. "Ilícito é divulgar fotos particulares sem consentimento, o que não é o caso", pontuou o ministro Moura Ribeiro, ainda em outubro.

Nesta terça, o ministro Sanseverino defendeu que o artigo 21, por caracterizar exceção à regra segundo a qual provedores de internet só serão responsabilizados por conteúdos de terceiro se desrespeitarem decisões judiciais de remoção, deve ser interpretado de forma restritiva.

Apontou que o objetivo da norma é permitir à vítima desse tipo de violência digital uma remoção mais célere e simplificada do conteúdo e que sua aplicabilidade não se resume à pornografia de vingança — basta qualquer forma não-consentida de exposição da intimidade sexual.

Ou seja, é essencial que estejam presentes o caráter não-consensual, a natureza privada das imagens compartilhadas e a violação à intimidade. Nenhum desses aspectos se aplica ao caso da modelo.

"A recorrida não é vítima de violência, mas pretende apenas repor o que deixou de ganhar pela utilização não autorizada de suas fotografias em sites. Seu interesse, portanto, é única exclusivamente econômico", concluiu.

Gustavo Lima/STJ
Para ministra Nancy Andrighi, Google deveria ter derrubado URLs quando recebeu a notificação extrajudicial da modelo
Gustavo Lima/STJ

Cabe o artigo 21
Ficaram vencidos a relatora, ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Para eles, o fato de uma pessoa ter consentido em ser fotografada por quem quer que seja é insuficiente para tornar público o conteúdo, que é inegavelmente sensível.

Isso porque a modelo não autorizou a exposição pública indiscriminada das imagens sensuais. Embora tenha consentido o ensaio, a publicação das fotos em blogs caracteriza pornografia não consentida e viola os direitos à imagem, à privacidade e à intimidade.

Por isso, se o Google não atendeu ao pedido de exclusão das URLs formulado na notificação extrajudicial encaminhada, é responsável pelos danos suportados pela modelo.

"O artigo 21 do marco civil não tem a sua aplicação restrita a situações de pornografia de vingança, mas alcança também hipótese de divulgação de foto de nudez tiradas com consentimento da vítima para publicação de determinada revista de acesso restrito, mas veiculadas em outros sites da internet sem sua autorização", concluiu a relatora.

REsp 1.930.256

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