Opinião

O poder de requisição da Defensoria: instrumento jurídico em defesa da vida

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5 de dezembro de 2021, 11h25

Como se sabe, o poder de requisição da Defensoria Pública da União (DPU) está sendo atacado em sede de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

O argumento central da ação é que tal prerrogativa legal violaria os princípios da isonomia, do contraditório e do devido processo legal, de modo a gerar um desequilíbrio na relação jurídica processual, tendo em conta que igual prerrogativa não é conferida à advocacia.

A fragilidade do principal fundamento da demanda e sua falta de conexão com a realidade fática e jurídica brasileira, atentando-se para a missão constitucional da Defensoria Pública, saltam aos olhos. Todavia, causa maior perplexidade ainda quando a medida é confrontada com os casos concretos, isto é, com exemplos reais da imprescindibilidade do instituto do poder de requisição da Defensoria Pública para concretizar o direito constitucional do acesso à Justiça aos necessitados.

E é exatamente isso o que o presente artigo pretende demonstrar no contexto da atuação da DPU em demandas urgentes de saúde.

Por força de expressa previsão constitucional (artigo 134 da CF/88), a Defensoria Pública figura como instituição permanente e essencial à administração da Justiça, a quem incumbe promover os direitos humanos, entre os quais o mais importante, sem sombra de dúvida, é o direito à vida. Nesse sentido é que, diuturnamente, aportam na DPU inúmeras demandas de saúde de caráter urgente, em sua maioria emolduradas pelo risco iminente de morte de seus vulneráveis assistidos.

Essas situações têm exigido da instituição a adoção imediata de medidas céleres para instruir os procedimentos instaurados no órgão, inclusive em regime de plantão.

Para exemplificar, entre os anos 2019 e 2021 a DPU, no estado do Acre, propôs dezenas de demandas individuais contra o poder público federal e o estadual, envolvendo pedidos judiciais de tutela de urgência para tratamento fora de domicílio (TFD), sobretudo em favor de crianças recém-nascidas com quadro de cardiopatia grave congênita. O que, inclusive, ensejou também a propositura de ação civil pública sobre o mesmo tema, na qual, recentemente (meados de outubro do corrente ano), obteve-se tutela de urgência favorável no sentido de compelir Estado e União a corrigir a reiterada falha estatal [1].

A instrução adequada e tempestiva dessas ações só foi possível mediante a utilização do poder de requisição da Defensoria Pública, pois a propositura de ações dessa natureza exige acervo probatório robusto, consistente em informações, laudos e prontuários médicos atualizados que as pessoas assistidas pela DPU, naturalmente, não dispõem quando procuram o órgão, pois, geralmente, trata-se de pessoas muito pobres e com pouca, ou praticamente nenhuma, instrução formal.

Portanto, na prática, é a requisição de tais elementos de prova pela DPU que tem viabilizado a obtenção de diversas medidas liminares, muitas vezes em sede de plantão judicial. Garante-se, desta feita, o direito à vida de crianças carentes de tenra idade, por meio do transporte via UTI aérea para hospitais situados em outros estados da federação, os quais são os únicos capazes de prestar o atendimento médico necessário e adequado, de caráter urgente e emergencial, em cada caso concreto.

Nesse tocante, convém ressaltar que as referidas ações foram propostas contra a União e o estado do Acre, entes políticos representados em juízo por suas respectivas procuradorias, que, além de bem estruturadas e constituídas por qualificado corpo técnico de profissionais da área jurídica, contam ainda com a mesma prerrogativa legal do poder de requisição conferida à Defensoria Pública e, ressalte-se, jamais impugnada pela PGR, consoante artigo 4º da Lei 9.028/95, relativamente à Advocacia-Geral da União (AGU), e artigo 56, II, da Lei complementar estadual 45/90, quanto à Procuradoria-Geral do Estado do Acre (PGE/AC).

Portanto, retirar essa prerrogativa legal da Defensoria Pública, diferentemente do que alega a PGR, é reforçar o desequilíbrio processual entre a representação jurídica do empobrecido e a máquina estatal, na medida em que o Ministério Público e os órgãos de procuradoria da União, dos estados e dos municípios gozam da mesma ferramenta, além destes últimos ainda estarem inseridos no contexto administrativo e com livre acesso e obtenção de informações e documentos.

Conclui-se, assim, que a ADI proposta pela PGR configura verdadeiro "gol contra" a sociedade brasileira, na medida em que representa ataque infundado contra os reais destinatários da questionada prerrogativa legal, a saber: o povo brasileiro, que é composto majoritariamente por uma população empobrecida e extremamente vulnerável, especialmente do ponto de vista socioeconômico, e sedenta por um real, adequado e efetivo acesso à Justiça.

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