mudança jurisprudencial

Veto a condenação com base só no inquérito vale para Tribunal do Júri, diz STJ

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4 de dezembro de 2021, 7h34

O artigo 155 do Código de Processo Penal, que proíbe que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial, tem plena aplicação às sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri.

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Ainda que não seja possível saber quais provas motivaram a decisão dos jurados, é viável saber em quais delas o Tribunal se baseou para manter o veredicto condenatório

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de um homem que, condenado por homicídio, pedia a cassação da sentença por ser manifestamente contrária à prova dos autos.

O réu foi condenado à pena de 14 anos e seis meses pela morte de um homem — supostamente encomendada pela mulher da vítima. Os jurados reconheceram a ocorrência das qualificadoras do motivo fútil e do uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

O réu defendeu que não havia provas nos autos capazes de sustentar a existência dessas majorantes de pena. Isso porque apenas um depoimento, dado à polícia, teria confirmado o que foi alegado pela acusação, mas a referida testemunha retratou-se em juízo quanto a esse ponto.

Ou seja, os jurados só podem ter concluído exclusivamente com base nos elementos informativos colhidos na investigação, o que é vedado pelo artigo 155 do CPP.

A jurisprudência do STJ, no entanto, se orienta pela não incidência dessa regra às condenações pelo Tribunal do Júri, uma vez que são norteadas pela livre convicção íntima dos jurados, que não precisam justificar suas escolhas. Basta votarem "sim" ou "não" nos quesitos formulados para o julgamento.

O que o relator do caso — ministro Ribeiro Dantas — propôs foi uma guinada jurisprudencial. A partir de agora, o artigo 155 do CPP aplica-se à sentença do Tribunal do Júri.

A violação dessa regra pode ser analisada em sede de apelação, quando caberá ao Tribunal de Justiça estadual analisar quais foram as provas produzidas nos autos que demonstram a autoridade e a materialidade delitivas, bem como eventuais qualificadoras. Se isso não ocorrer, haverá negação de prestação jurisdicional.

Se o tribunal encontrar alguma prova judicializada idônea para manter a conclusão dos jurados quanto a cada elemento essencial do crime, a condenação permanece.

Se não houver prova judicializada, significa que os jurados decidiram com base em elementos colhidos na investigação, o que ofende o artigo 155 do CPP.

"Ainda que não seja possível saber quais provas motivaram a decisão dos jurados, é plenamente viável saber em quais delas o Tribunal de origem se baseou para manter o veredicto e, por conseguinte, exigir que o acórdão local respeite o artigo 155 do CPP", disse o relator.

"Apesar de os jurados não precisarem motivar sua decisão, o Tribunal de apelação precisa fazê-lo", resumiu.

Emerson Leal
Posição do ministro Ribeiro Dantas é uma evolução da jurisprudência recente da 5ª Turma do STJ sobre o tema
Emerson Leal

E por que isso?
A proposta se baseia no fato de o inquérito judicial ser procedimento administrativo conduzido de forma unilateral pela autoridade policial, sob controle externo do Ministério Público. Ou seja, não há contraditório. Assim, sequer existe produção prova, apenas indícios para formar a convicção da acusação, que decidirá se oferece ou não denúncia.

É por isso que condenação pautada em indícios é nula. Além da ofensa ao artigo 155 do CPP, passa por cima também do artigo 386 do mesmo código, pois condena o réu sem provas.

Ainda assim, não há vedação ao uso de elementos descobertos durante o inquérito para condenar alguém. O que a lei veda é a condenação baseada exclusivamente neles.

Portanto, o ministro Ribeiro Dantas destacou que aplicar o artigo 155 do CPP às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não geraria onda de impunidade nem tornaria impossível o trabalho dos órgãos acusadores.

"A bem da verdade, somente as condenações sem nenhuma prova (adiciono, talvez de forma redundante, judicializada) dos elementos essenciais do crime é que seriam afetadas pela tese que ora proponho, o que concorreria para evitar um enorme risco de sentenças injustas contra pessoas inocentes", defendeu.

Além disso, a jurisprudência do STJ já admite a aplicabilidade do artigo 155 à decisão de pronúncia do réu. Logo, não faz sentido oferecer um standard probatório mais alto a uma decisão que sequer exige juízo de certeza sobre os fatos, mas o negar ao caso da condenação final do réu.

A nova posição adotada pela 5ª Turma, aliás, é uma evolução jurisprudencial a partir desse precedente, registrado no HC 560.552. Posteriormente, no AREsp 1.803.562, o colegiado delimitou as hipóteses de apelação contra condenação do Júri contrária às provas. Foi quando definiu que o Tribunal tem o dever de avaliar se, para cada elemento essencial do crime, existe pelo menos alguma prova apta a demonstrá-lo.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.916.733

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