Portas abertas para o futuro

TJ-RJ volta ao atendimento presencial com práticas mais modernas de serviço

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2 de dezembro de 2021, 8h30

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2021. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

Depois de 19 meses de portas fechadas por conta da epidemia de Covid-19, a Justiça estadual do Rio de Janeiro decidiu reabrir, retomando integralmente o trabalho presencial. Desde 25 de outubro, os servidores que em razão da crise sanitária passaram a atuar em trabalho remoto, retornaram ao trabalho presencial. Até então, havia um rodízio em que 50% do pessoal ficava no sistema remoto.

A direção do tribunal, por meio de ato normativo, liberou o acesso ao prédio como no período pré-epidemia, mas segue medindo a temperatura dos frequentadores. Também foram mantidas as medidas de protocolo sanitário, como o uso de máscara, o distanciamento mínimo e a apresentação de comprovante de vacinação ou teste PCR negativo. O atendimento ao público é das 11h às 18h.

Para o Departamento de Saúde do TJ-RJ, com essas precauções o retorno ao funcionamento normal do Poder Judiciário não acarreta aumento de risco se o cenário epidemiológico se mantiver.

Mailson Santana / Anuário da Justiça

Durante o período de recolhimento – que durou 19 meses, de março de 2020 a outubro de 2021 –, a Justiça do Rio de Janeiro manteve o ritmo de trabalho de antes. Em 2019, os desembargadores julgaram 308 mil processos, contra 305 mil em 2020 e 156 mil no primeiro semestre de 2021; foram distribuídos 208 mil casos em 2019, 206 mil em 2020 e 107 mil até junho de 2021; o acervo, que foi de 130 mil em 2019, subiu para 142 mil em 2020 e atingiu 153 mil em junho de 2021.

O primeiro grau também conseguiu julgar além da distribuição. Em 2019, foram recebidos 1,6 milhão de novos processos e julgados 2,2 milhões. Em 2020, houve redução na distribuição – 1,2 milhão de casos – e nos julgamentos – 1,9 milhão de sentenças –, que mesmo assim superaram amplamente o número de novos processos. Em 2021, até junho, foram 567 mil ações distribuídas e 885 mil sentenças. Os dados colocam o Rio de Janeiro como o Judiciário mais produtivo do país pelo 12º ano consecutivo, segundo o relatório Justiça em Números 2021, do CNJ.

O que mais impressionou no primeiro grau foi a redução do acervo: foram 2,1 milhões de processos a menos – de 9,5 milhões em 2019 para 7,4 milhões em 2021. De acordo com o tribunal, a redução significativa se deveu à atuação da alta administração no sentido de reduzir o número de processos de dívida ativa. O tribunal buscou convênios com o governo do estado e as prefeituras e deu apoio aos juízes dessa área.

O tribunal estabeleceu metas para impulsionar ou arquivar processos paralisados há mais de 500 dias (em um primeiro momento) e 1.000 dias. Fez um verdadeiro pente-fino dos casos seguido de limpa nos cartórios de execução fiscal. Conforme diz a Lei de Execução Fiscal, passado o prazo máximo de um ano sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. Encontrados, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

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As normas editadas pelo tribunal também consideraram recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.340.553/RS, que autorizou o arquivamento definitivo dos autos de execuções fiscais nas hipóteses do artigo 40, parágrafo 2º, da Lei 6.830/1980, de forma automática, independentemente de determinação judicial.

Após seguir os prazos legais, as execuções fiscais são suspensas por um ano, arquivadas e extintas após cinco anos.

A Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas com Competência em Dívida Ativa desenvolveu políticas internas e agregou ferramentas de informática, visando à modernização e ao aprimoramento da estrutura na área de dívida ativa, com impacto direto na melhoria da taxa de congestionamento e na diminuição do acervo geral.

A Codat expediu ofícios à Procuradoria-Geral do Estado e às procuradorias municipais solicitando a adoção da boa prática de fornecer, mensalmente, a varas, centrais e núcleos de dívida ativa, a listagem de CDAs com parcelamento, quitadas ou canceladas, o que permite aos cartórios gerenciar melhor seu acervo, com a consequente extinção das execuções fiscais cujo crédito já foi satisfeito.

A Corregedoria-Geral apresentou plano de trabalho que prevê o arquivamento dos processos paralisados há mais de três anos e determinou a baixa de processos paralisados há mais de 500 dias. A medida permitiu aos cartórios identificar milhares de processos que haviam sido distribuídos no sistema, porém sem que tivesse havido entrega física da documentação pertinente, ou seja, petição inicial e documento de débito. Com esse diagnóstico, o TJ extinguiu ou arquivou milhares de processos que não existiam fisicamente, mas constavam no sistema.

As câmaras do tribunal logo se adaptaram aos julgamentos por videoconferência, que passaram a substituir as sessões presenciais durante a epidemia. Não obstante, oito câmaras da Seção Cível já voltaram aos julgamentos no próprio tribunal. A maioria pretende retornar no início de 2022. Os colegiados pensam em adotar um modelo de revezamento entre os três formatos.

Paulo Sérgio Prestes, desembargador da 2ª Câmara Cível, entende que os julgamentos por videoconferência e os virtuais devem permanecer porque foram um avanço na otimização da prestação jurisdicional. Para seu colega Rogério de Oliveira, da 6ª Câmara Cível, “o tempo das grandes ‘catedrais da Justiça’ é coisa do passado”. Para Luiz Felipe Francisco, da 9ª Câmara Cível, “a tecnologia que nos salva no isolamento é a mesma que irá iluminar os caminhos após a crise”.

“A sessão por videoconferência permite julgamento de número menor de processos em relação à sessão presencial. Todavia, permite ao advogado acompanhar o julgamento e usar da palavra de qualquer local onde se encontre, sem necessidade de deslocamento”, comenta a desembargadora Natacha Nascimento, da 26ª Câmara Cível.

Foi a Covid-19 que fez com que praticamente todas as 35 câmaras do tribunal passassem a fazer sessões virtuais, nas quais são julgados casos em que não há sustentação oral ou pedido de preferência. Os desembargadores trocam votos internamente ao longo de vários dias e, no dia da sessão, julgam uma grande quantidade de feitos de uma só vez. Das oito câmaras criminais, sete adotaram a sistemática na epidemia. Apenas a 6ª Câmara não realiza sessão virtual. Na Seção Cível, 20 dos 27 colegiados passaram a fazer sessão virtual de julgamento.

“A adaptação aos julgamentos virtuais e por videoconferência foi ótima, sem nenhum percalço. Dentre as vantagens, cito oportunidade de participação efetiva de patronos, mesmo de lugares longínquos, sem necessidade de deslocamentos. Quanto às desvantagens, a única seria talvez a intermitência do sinal (que ocorreu apenas em raríssimos casos)”, afirma Maria Angélica Guedes, da 7ª Câmara Criminal. “Sem dúvida, o modelo hoje existente poderá ser mantido mesmo após o término do período de emergência sanitária”, destaca.

Além do atendimento remoto pelos cartórios e as secretarias de segunda instância, desde setembro de 2021 o tribunal tornou disponível em seu site o “Balcão Virtual Gabinete”, em que é possível o agendamento para contato remoto com desembargadores e juízes pela ferramenta Teams. É mais uma facilidade para os advogados que deve permanecer.

Presidente do TJ-RJ, desembargador Henrique Figueira TJ-RJ

A nova direção do tribunal assumiu em fevereiro de 2021. A cerimônia foi feita presencialmente, mas com um número bem reduzido de pessoas e com todos os protocolos sanitários respeitados. O investimento em tecnologia é o principal objetivo da gestão do desembargador Henrique Figueira, o atual presidente da corte. “Com milhões de processos para decidir, o uso da tecnologia mais avançada, desde que supervisionada pelo julgador, será de enorme auxílio na prestação jurisdicional. A meta é deixar o tribunal totalmente digital ao final desta gestão”, diz ele.

São diversos os projetos já implementados ou em continuação. Um deles é o convênio com o Conselho Nacional de Justiça, feito no final da gestão do desembargador Milton Fernandes de Souza, no qual se estabeleceu um prazo para o TJ-RJ migrar os sistemas locais, que hoje são três, para o sistema PJe. “É um trabalho difícil, complicado, demorado, mas espero concluí-lo até o final da minha gestão”, diz.

Em outubro de 2021, o PJe chegou a todos os juizados especiais cíveis. Outra meta da atual gestão é terminar a digitalização e a virtualização dos processos físicos, que está em 18% – a maior parte são execuções fiscais, que a Procuradoria-Geral do Estado, por meio de um convênio, está digitalizando. No segundo grau, 100% dos processos são digitais.

Henrique Figueira diz que buscará conciliar o trabalho remoto, implementado durante a epidemia da Covid-19, com o presencial. “A epidemia mostrou que temos de mudar o sistema de trabalho, de organização. O home office aparentemente veio para ficar. É possível colocar pessoas de qualquer lugar do estado trabalhando em qualquer vara do estado. Temos muito mais mobilidade, esse é o ponto que o home office nos oferece de positivo”, avalia Figueira.

O corregedor-geral, Ricardo Rodrigues Cardozo, também entusiasta da modernização do tribunal, vai na mesma linha: “O trabalho remoto é uma via sem volta”, diz. “Estamos atentos aos novos rumos da Justiça, no sentido da modernidade e de uma Justiça cada vez mais digital.”

Um mês após sua posse, Figueira assinou acordo de cooperação técnica com o Programa Justiça 4.0, do CNJ, que quer potencializar o meio digital em prol da Justiça. Doze varas da Capital, de Niterói, de Maricá e de Campos de Goytacazes foram colocadas no projeto piloto do Juízo 100% Digital.

Em setembro, foi assinado convênio com o STJ para uso do Sistema Athos, ferramenta que utiliza inteligência artificial e auxilia os tribunais agregando iniciativas que maximizam resultados com redução de custos. Em outra ponta, a PUC-Rio está desenvolvendo para o TJ-RJ um sistema com base em inteligência artificial para resolução de conflitos on-line, que proporcionará redução de custos e maior celeridade e segurança sem necessidade de um processo judicial.

No sistema proposto, ao iniciar um processo, o advogado terá, como opção, o sistema de mediação on-line. Ao optar pela nova ferramenta, receberá alternativas que facilitarão o acordo. O interessado recebe informações extraídas do banco de dados da jurisprudência para tomadas de decisão. A cada etapa de negociação, a possibilidade de acordo está previamente validada pela empresa participante, permitindo uma solução antecipada, baseada em decisões anteriores do Judiciário fluminense. Alcançado o acordo, o termo é elaborado pelo sistema e homologado, tornando-se válido como título executivo judicial. Caso o acordo não seja obtido, serão informados aos interessados os dados necessários à continuidade do processo por via judicial.

“Pretendemos que as pessoas tenham a chance de resolver as pendências independentemente de processo, de forma satisfatória para ambas as partes”, destaca Cesar Cury, presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec).

As ações na área do Direito do Consumidor são a principal causa de litigância na Justiça fluminense e o tribunal aposta na plataforma de conciliação inovadora para evitar processos, cujo tempo médio está em quatro anos e meio. Dados da corte indicam que 40% do seu acervo são de demandas padronizadas, como as de consumo. Além dos problemas nas relações de consumo, são muito recorrentes ações de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, que invariavelmente terminam em pedidos de indenização por dano material e moral.

Na área criminal, a maior parte dos casos julgados em 2020 e 2021 diz respeito a critérios para aplicação de pena. Outros assuntos que as câmaras criminais mais julgam são casos de tráfico de drogas e associação para o tráfico e o crime de roubo. Violência doméstica contra a mulher também é sempre frequente.

A Covid-19 figurou na lista de assuntos mais julgados. Os desembargadores foram criteriosos nos exames de Habeas Corpus e permitiram a prisão domiciliar somente a presos do grupo de risco de contaminação pelo coronavírus, conforme Recomendação 62/2020 do CNJ. Para os desembargadores, a epidemia, por si só, não autoriza a prisão domiciliar, sendo necessário o exame do risco concreto à vida do detento e à segurança pública para o abrandamento. A Covid também esteve presente em discussões na Seção Cível em demandas contra a rede de saúde pública e particular sobre tratamentos e medicamentos, revisão de contratos de locação comercial, relaxamento de execução de dívidas e diminuição do valor de mensalidades educacionais.

O tribunal está com um déficit de 200 juízes e três mil servidores. Dois concursos para preencher essas vagas voltaram a andar. “No total, estamos oferecendo 132 vagas, e a ideia é dar posse aos aprovados no início de 2022”, lembra o presidente. Proposta de criação de dez novos cargos de desembargador foi aprovada pelo Órgão Especial e transformada em lei pela Assembleia Legislativa. O tribunal deve ainda reavaliar a composição das seções. Henrique Figueira pensa numa divisão semelhante à do STJ, entre público, privado e criminal e a criação de câmaras especializadas em Direito da Família e Empresarial.

No dia 30 de abril de 2021, o impeachment do governador Wilson Witzel foi selado pelo tribunal misto do Rio de Janeiro. Conduzido em boa parte pelo ex-presidente do tribunal, Claudio de Mello Tavares, o tribunal foi composto de cinco desembargadores e cinco deputados. Foi a primeira vez na história do estado que o grupo foi formado para decidir sobre o afastamento de um governador. Witzel foi condenado por unanimidade por crime de responsabilidade, acusado de chefiar esquema de desvios de recursos públicos na epidemia de Covid-19.

Dois desembargadores seguem afastados de suas funções na corte desde 2020. Siro Darlan e Mário Guimarães Neto respondem a processos no STJ. Guimarães foi denunciado pela PGR pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Já Darlan é acusado pela PGR de receber dinheiro para conceder Habeas Corpus. Em outubro de 2021, o ministro Edson Fachin, do STF, decidiu trancar a ação penal contra Darlan, por nulidade das provas apresentadas. Ele ainda não voltou à corte porque há um HC pendente de julgamento pelo STF. Também acusado de venda de HCs, Guaraci Vianna voltou a atuar na Seção Cível em outubro de 2021. Todas as investigações partiram de delações premiadas. Os desembargadores negam as acusações e dizem que irão provar sua inocência.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA RIO DE JANEIRO 2021
ISSN: 2178346-2
Edição: 2021
Número de Páginas: 164
Editora: Consultor Jurídico
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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