Opinião

O planejamento do direito à educação e a agenda ODS 2030

Autor

  • Mário Augusto Silva Araújo

    é advogado mestre em Constituição e Garantia de Direitos e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor de Direito Administrativo e Financeiro.

2 de dezembro de 2021, 18h20

A Emenda Constitucional nº 109/2021 estabelece à Administração Pública a obrigação de mensuração de resultados em relação às políticas públicas, nos termos do agora artigo 37, §16, para quem "os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei".

Um dos parâmetros para a mensuração do gasto público é a eficiência administrativa e, conforme alerta Flávio Garcia Cabral, aquele mandamento vincula a atuação estatal, sob pena de responsabilidade extracontratual: "Sendo dever do Estado se comportar de maneira eficiente no exercício da função administrativa, de acordo com a norma jurídica correlata, caso assim não o faça e de tal conduta haja danos jurídicos e determinados ocorridos em razão da ineficiência, não havendo igualmente nenhuma hipótese excludente de responsabilidade, clarividente fica a configuração da responsabilização estatal extracontratual decorrente de ato ilícito" [1].

Dessa maneira, a formação de agenda de uma política pública não deve ser considerada uma nau à deriva e o gestor público deve indicar parâmetros de atuação na condução das suas escolhas alocativas, já que o orçamento é uma ferramenta de desenvolvimento cada vez mais escassa, diante de tantas obrigações institucionais demandadas pela sociedade à administração pública.

Em relação à escassez de recursos, o Supremo Tribunal Federal encampa a teoria das escolhas trágicas, para quem a escolha alocativa do gestor deve levar em consideração um juízo de ponderação que o leva a "proceder a verdadeiras escolhas trágicas, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental" [2].

O planejamento de uma ação estatal deve levar em consideração arranjos institucionais, considerados como uma engrenagem entre os órgãos administrativos de modo a atuarem de maneira transversal na institucionalização do direito.

O funcionamento daquelas construções institucionais pode ser caracterizado como políticas públicas, cujo conceito são ações interventivas através das quais a Administração Pública deve alterar uma situação fática com base em evidências técnicas que levem em consideração aspectos econômicos, inclusão social, combate à desigualdade e conceitos a respeito de sustentabilidade.

Dessa maneira, políticas públicas são muito mais do que meras determinações legais, e, como pensa Amauri Feres Saad: "Políticas públicas, a rigor, não são normas, mas estruturas normativas unificadas por uma materialidade orgânica que reflete objetivos, previamente definidos, a serem, com elas, atingidos. Não sendo normas, são um modo de compreender normas  diferença fundamental" [3].

Estruturado por um forte regime de colaboração intrínseco ao federalismo brasileiro, o direito à educação deve ser efetivado por intermédio de uma lei de caráter decenal, consoante dispõe o artigo 214 da Constituição Federal: o Plano Nacional de Educação (PNE).

O eixo de planejamento do PNE se baseia nas seguintes diretrizes, constitucionalizadas por aquele artigo: 1) erradicação do analfabetismo; 2) universalização do atendimento escolar; 3) melhoria da qualidade do ensino; 4) formação para o trabalho; 5) promoção humanística, científica e tecnológica do país; e 6) estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.

Atualmente regido por intermédio da Lei nº 13.005/2014, o atual PNE possui 20 metas e 254 estratégias que direcionam a forma pela qual o direito à educação deve ser planejado e isso quer dizer, em outras palavras, que aquele referencial normativo vincula a atuação da gestão pública educacional.

É, portanto, o principal instrumento de planejamento no que diz respeito à articulação entre a União e os entes subnacionais com o objetivo de fomentar o processo criativo em relação à construção de agenda de políticas públicas na seara educacional.

Além disso, existe um microssistema que impõe planejamento financeiro à indexação orçamentária porque vincula uma aplicação mínima de recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos do artigo 212, caput, da Constituição Federal.

Ainda em relação ao custeio de políticas educacionais, é sempre bom lembrar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é "uma fonte de recursos que objetiva reforçar os cofres dos entes federados com o intuito de lastrear ações correlatas à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica e à valorização dos profissionais da educação, o que também inclui a sua remuneração" [4].

Assim, no âmbito da educação brasileira, existe o planejamento programático nos termos do PNE e o planejamento financeiro em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, por aquela indexação orçamentária mínima, bem como o Fundeb.

Enquanto aquele índice orçamentário é monitorado pelos respectivos Tribunais de Contas e o próprio Tribunal de Contas da União, o acompanhamento do PNE é realizado por uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação: o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Por determinação do artigo 5º, §2º, do PNE, a cada dois anos o Inep deve publicar estudos para aferir a evolução no cumprimento das suas metas, com informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito nacional, tendo como referência os estudos e pesquisas específicos a respeito do censo demográfico e os censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados.

O monitoramento bienal do PNE é uma estratégia de aperfeiçoamento que possibilita uma política de governança estratégica com ênfase no sistema PDCA de planejamento administrativo.

O ciclo PDCA é um sistema de retroalimentação que representa o esforço concomitante de planejar, fazer, monitorar e agir e ao se debruçar sobre a matéria, o Tribunal de Contas da União (TCU) assenta a sua importância sob o seguinte panorama: "O monitoramento da implementação da estratégia por parte da alta administração é fundamental para a correção de erros. É por meio do monitoramento que a liderança reavalia o plano inicialmente traçado, realinhando a entidade rumo ao alcance dos seus objetivos. As deficiências do monitoramento prejudicam o aperfeiçoamento da organização, pois o ciclo PDCA" [5].

Além do PNE, em decorrência do sistema correlato ao federalismo educacional brasileiro, os entes subnacionais devem editar, em virtude da sua autonomia, os seus respectivos planos, razão pela qual é possível afirmar a existência de outros normativos específicos de condução de políticas públicas, a teor dos planos estaduais e planos municipais de educação.

Em relação ao monitoramento e controle, os respectivos tribunais de contas, respeitados os seus limites de competência, são responsáveis por mensurar aquelas políticas setoriais.

Embora existam normativos específicos que molduram a atuação dos órgãos de controle e induzam o aperfeiçoamento de uma política de governança, aqueles parâmetros de mensuração de resultados não se esgotam em si, porque o direito administrativo acompanha a implementação da agenda ODS 2030, iniciativa encampada pela Organização das Nações Unidas (ONU), estratégia global que objetiva erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável do planeta.

Aquele marco, no entendimento de Mara Gabrilli, é fruto de um amadurecimento ao longo do tempo: "Na última década, esse desenvolvimento sustentável que tanto almejamos materializou-se na Agenda 2030 da ONU, fruto de um processo de consulta com seus quase 200 Estados-Membros e com intensa participação da sociedade civil. Aprovada em 2015, a agenda traz como base seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas distribuídas em cada um deles" [6].

Em relação à educação, a Meta 4 da agenda ODS 2030 estabelece a educação de qualidade balizada por 22 estratégias aptas a garantirem o desenvolvimento sustentável e ao pesquisar sobre o tema, Élida Graziane Pinto aponta faz uma correlação com o PNE: "Ambos, ODS 4 e PNE, arrolam metas que integram as três dimensões primordiais do direito à educação: universalidade, qualidade e equidade" [7].

Assim, existe um microssistema de planejamento voltado especificamente às políticas públicas correlatas à educação que possibilita ao gestor público garantir a concretização dos princípios da prevenção e da precaução no âmbito da Administração Pública.

Embora aqueles princípios sejam correlatos ao direito ambiental, Juarez Freitas importa aquela teoria ao Direito Administrativo quando escreve sobre controle dos atos administrativos.

Para ele, o princípio da prevenção, no âmbito do Direito Administrativo, implica que a Administração Pública, "tendo certeza de que determinada atividade implicará dano injusto, encontra-se na obrigação de evitá-lo, desde que no rol de suas atribuições competenciais e possibilidades orçamentárias".

Por sua vez, o princípio da precaução "estabelece o dever de a Administração Pública motivadamente evitar, nos limites de suas atribuições e possibilidades orçamentárias, a produção de evento que supõe danoso, em face de fundada convicção (juízo de verossimilhança e de forte probabilidade) quanto ao risco de, se não interrompido intempestivamente o nexo de causalidade, ocorrer prejuízo injusto, indisputavelmente superior aos custos da eventual atividade interventiva" [8].

Dessa maneira, a alimentação específica no sistema do PDCA no âmbito do direito à educação deve levar em consideração os parâmetros constitucionais estabelecidos entre os artigos 206 a 214, o PNE e a agenda ODS 2030.

Assim, são esses os parâmetros para a criação da agenda de políticas públicas educacionais, bem como da atuação dos órgãos de controle, que deve ter ênfase no controle de qualidade por intermédio de resultados, por determinação do artigo 37, §16, da Constituição Federal.

 

Referências bibliográficas
ARAÚJO, Mário Augusto Silva. O Fundeb permanente e o direito financeiro da educação. Revista Digital Consultor Jurídico. Janeiro de 2021.

BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 693337 AgR. Relatoria do Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 23/08/2011. Data da Publicação: 15/09/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma.

________, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, Acórdão 2699/2018-Plenário. Relatoria do Ministro Bruno Dantas. Data da Sessão: 21/11/2018.

CABRAL, Flávio Garcia. O conteúdo jurídico da eficiência administrativa. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2019.

FREITAZ, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo/SP: 2013, Malheiros Editores, 5ª edição.

GABRILI, Mara. In Políticas Públicas e os ODS da Agenda 2030. WARPECHOWSKI, Ana Cristina Moraes; GODINHO, Heloísa Helena Antonacio Monteiro e LOCKEN, Sabrina Nunes (Coord.). Belo Horizonte/MG: Editora Fórum, 2021.

PINTO, Élida Graziane. Em busca do alcance do ODS 4 no Brasil por meio do controle do cumprimento tempestivo das metas e estratégias do PNE. In: WARPECHOSKI, Ana Cristina Moraes; GODINHO, Heloísa Helena Antonacio Monteiro; LOCKEN, Sabrina Nunes (Coord.) Políticas Públicas e os ODS da Agenda 2030. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

SAAD, Amauri Feres. Regime Jurídico das políticas públicas. São Paulo: Malheiros editores, 2016

 


[1] CABRAL, Flávio Garcia. O conteúdo jurídico da eficiência administrativa. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2019: p. 228.

[2] ARE 693337 AgR. Relatoria do Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 23/08/2011. Data da Publicação: 15/09/2011. Órgão Julgador: Segunda Turma.

[3] SAAD, Amauri Feres. Regime Jurídico das políticas públicas. São Paulo: Malheiros editores, 2016, p.40

[4] ARAÚJO, Mário Augusto Silva. O Fundeb permanente e o direito financeiro da educação. Revista Digital Consultor Jurídico. Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-03/araujo-fundeb-permanente-direito-financeiro-educacao#_ftn3 acesso em 30/11/2021.

[5] Acórdão 2699/2018-Plenário. Relatoria do Ministro Bruno Dantas. Data da Sessão: 21/11/2018.

[6] GABRILI, Mara. In Políticas Públicas e os ODS da Agenda 2030. WARPECHOWSKI, Ana Cristina Moraes; GODINHO, Heloísa Helena Antonacio Monteiro e LOCKEN, Sabrina Nunes (Coord.). Belo Horizonte/MG: Editora Fórum, 2021, p. 21.

[7] PINTO, Élida Graziane. Em busca do alcance do ODS 4 no Brasil por meio do controle do cumprimento tempestivo das metas e estratégias do PNE. In: WARPECHOSKI, Ana Cristina Moraes; GODINHO, Heloísa Helena Antonacio Monteiro; LOCKEN, Sabrina Nunes (Coord.) Políticas Públicas e os ODS da Agenda 2030. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 99-119.

[8] FREITAZ, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo/SP: 2013, pp. 122-124. Malheiros Editores, 5ª edição.

Autores

  • é advogado, mestre em Constituição e Garantia de Direitos, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor de Direito Administrativo e Financeiro.

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