Opinião

A problemática do limite de pagamento na nova Lei de Licitações

Autor

  • Fernando Albuquerque

    é advogado atua em questões relacionadas às áreas do Direito Tributário e do Direito Administrativo-Econômico com ênfase em Contratações Públicas e Improbidade Administrativa e membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE.

2 de dezembro de 2021, 7h12

A Lei nº 14.133/2021 adveio no ordenamento jurídico com o propósito de aperfeiçoar as contratações públicas, consolidando em um único instrumento normativo as questões atualmente tratadas na Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações), na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e na Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas), as quais se darão por revogadas em 1º de abril de 2023 [1].

Diferentemente da Lei nº 8.666/93, a qual estabelece prazo máximo de 30 dias para pagamento [2], a novel Lei nº 14.133/2021 não estabelece limite para tanto, a exemplo do que procede atualmente em relação às RDCs [3], para as quais as condições de pagamento devem ser compatíveis com as do setor privado.

Evidentemente que a falta de previsão na Lei nº 14.133/2021 de prazo específico não autoriza que a Administração se exima de prazo para adimplir o contrato [4], sob pena de admitir a sua constituição em mora qualquer momento através do protesto da dívida [5].

Com efeito, o edital deve indicar as "condições de pagamento" (artigo 25) [6], o que inclui a necessidade de indicação do respectivo prazo de pagamento, de modo que, assim não o fazendo, o edital estará sujeito à apresentação de pedido de esclarecimentos.

Se por um lado a Lei nº 14.133/2021 estabeleceu maior capacidade de adequabilidade à situação financeira do ente público contratante e às particularidades de cada objeto, tal aparente discricionariedade tem limitações próprias ao microssistema jurídico envolto às contratações públicas.

Em primeiro plano, precisamos ter em mente que, muito mais do que uma simples formalidade contratual, o prazo para pagamento impacta diretamente no custo financeiro das contratações públicas, notadamente considerando a necessidade de utilização de recursos próprios e/ou de terceiros para fazer face aos custos e despesas decorrentes da contratação.

Dito isso, quanto maior o prazo de pagamento, maior será o custo financeiro a ser suportado pelo contratante, e consequentemente maior será o preço final a ser pago pela Administração, circunstância esta, inclusive, que redunda na obrigação de indicação no edital do prazo de pagamento.

Assim, além de por si só configurar uma violação ao princípio da razoabilidade, a estipulação de prazo desarrazoado para a realização dos pagamentos devidos pela Administração implicaria em violação ao princípio da economicidade e tem o potencial de mitigar o princípio da ampla competitividade em decorrência da redução do universo de interessados e, por consequência, de comprometer o princípio da eficiência da Administração Pública na busca pela proposta mais vantajosa, todos expressos no artigo 5º da Lei nº 14.133/2021.

Em tal hipótese, teremos como cabível a impugnação ao edital (artigo 164), além da possibilidade de apresentar representação (artigo 170, §4º) aos órgãos de controle interno e aos Tribunais de Contas, tudo sem prejuízo ao controle judicial.

Sobre o aspecto prático, a maior problemática reside na classificação daquilo que é ou não razoável em cada situação concreta.

A despeito de possuir aspectos próprios, as contratações públicas devem possuir relativa simetria com as contratações privadas — aspecto sobre o qual a Lei nº 14.133/2021 é expressa [7], justificando-se eventual diferença apenas quando o interesse público assim exigir, sendo vedada a indicação de justificativa genérica.

Tomando-se por parâmetro as regras dispostas na Lei nº 8.666, a qual vigora deste 1993, compreende-se que a estipulação de prazos de até 30 dias são presumidamente razoáveis, uma vez expressam a praxe das contratações públicas.

Com isso, mesmo após a vigência plena da Lei nº 14.133/2021, para situações em que o setor privado comumente realiza o pagamento de forma antecipada, ou imediatamente após a entrega do objeto contratado, ou mesmo poucos dias após a prestação, deve-se manter nas contratações públicas o prazo de pagamento mais próximo dos 30 dias ordinariamente previstos.

Por outro lado, a previsão de prazos de pagamento muito além destes devem ser sempre justificados em razão das características do objeto licitado, especialmente da sua natureza e da forma de execução, os quais não podem se distanciar daqueles usualmente empregados no setor privado e tampouco comprometer a própria execução das prestações contratuais futuras.

Adotando-se novamente como parâmetro os regramentos contidos na Lei nº 8.666/93 para compreender a praxe das contratações públicas, extrai-se facilmente que o contratado não poderá ficar 120 dias sem receber pagamento devido pelo objeto executado, assim considerando o somatório do prazo máximo para pagamento (30 dias) com o prazo máximo de inadimplência (90 dias) [8].

Na conjuntura da Lei nº 14.133, o prazo máximo de inadimplemento por parte da Administração é de dois meses (artigo 137, §2º, inciso IV), de modo que, considerando os mesmos 120 dias atualmente aceitos nas contratações públicas em razão da aplicação da Lei nº 8.666/93, temos que o prazo para pagamento na vigência plena daquela não poderá exceder à aproximados 60 dias, ressalvados, naturalmente, a existência de parâmetro superior no setor privado para contratações com características semelhantes.

Importante frisar que, enquanto tutora da confiança legítima, a Administração Pública não pode agir com excessos, sobretudo quando potencialmente danosos aos valores por ela defendidos, o que redunda nos deveres de probidade e eficiência, amplamente aplicáveis no microssistema das contratações públicas.


[1] Por força o artigo 191 da Lei nº 14.133/2021, e até que se opere a revogação total da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 12.462/2011 (artigo 193, inc. II), a Administração poderá adotar o regime estabelecido nestas ou naquela.

[2] "Artigo 40 — O edital (…) indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (…) XIV – condições de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela".

[3] "Lei nº 12.462/2011, Artigo 4º — Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: IV – condições de aquisição, de seguros, de garantias e de pagamento compatíveis com as condições do setor privado, inclusive mediante pagamento de remuneração variável conforme desempenho, na forma do artigo 10".

[4] Sobre a obrigatoriedade da indicação do prazo para pagamento, Marçar Justen Filho afirma: "§ O ato convocatório deve disciplinar as condições de adimplemento e consequências de inexecução, tanto no tocante ao particular como à própria Administração. Omitir disciplina da conduta estatal é um desvio de óptica, incompatível com o Estado Democrático de Direito. A ideia de democracia exige a submissão do Estado e de seus agentes à observância dos princípios jurídicos fundamentais. Entre esses princípios, está o da obrigatoriedade das convenções e da vedação à impunidade. Não é cabível que o Estado pretenda, através da omissão de regras sobre consequências de inadimplemento, assegurar a si próprio regime excludente de sanções em caso de infração ao Direito. Aliás, há dispositivo constitucional explícito submetendo o Estado a responsabilidade por atos ilícitos (contratuais ou não). § Significa que, omisso o edital acerca do tema, qualquer particular pode provocar a Administração e exigir esclarecimentos. Destaque-se que essa disciplina não é facultativa, mas obrigatória". (Comentário à lei de licitações e contratos administrativos. 17ª ed. São Paulo: Dialética, 2016, p. 887).

[5] "Lei nº 9.492/97. Artigo 40 — Não havendo prazo assinado, a data do registro do protesto é o termo inicial da incidência de juros, taxas e atualizações monetárias sobre o valor da obrigação contida no título ou documento de dívida".

[6] A necessidade de indicação dos critérios de pagamento também é disposta nos artigos 6º, inciso XXIII, alínea "g", 18, inciso III, e artigo 92, incisos V e VI, todos da Lei nº 14.133/2021.

[7] "Artigo 40 — O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte: I – condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado".

[8] "Lei nº 8.666/93, Artigo 78 — Constituem motivo para rescisão do contrato: (…) XV – o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração (…)".

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