Ação penal de schrodinger

STJ vai avaliar se ação penal originária só deve existir após recebimento da denúncia

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1 de dezembro de 2021, 19h55

Para evitar estigma e restrições suportados por pessoas alvo de denúncias penais no Superior Tribunal de Justiça, a corte decidiu reavaliar a norma regimental que transforma inquéritos em ações penais a partir do oferecimento — e não do recebimento — da denúncia.

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Nabor Bulhões suscitou questão de ordem para apontar distorção na sistemática de classificação de ações penais do STJ
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A proposta foi levantada na manhã desta quarta-feira (1º/12) pelo advogado Nabor Bulhões antes do julgamento da Ação Penal 623, quando a Corte Especial acabou recebendo a denúncia contra desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo por venda de sentenças, loteamentos de cartórios extrajudiciais, nepotismo e fraudes em concursos públicos

Bulhões integrou a defesa do jurista Flavio Cheim Jorge, acusado de assessorar juridicamente os supostos criminosos. Ele foi incluído nas investigações em 2008 e denunciado em 2010. Nesta quarta, o Ministério Público Federal pediu o reconhecimento da prescrição com relação aos ilícitos supostamente praticados por ele.

Ainda assim, Cheim Jorge está há 11 anos como alvo de uma ação penal que, efetivamente, só poderia existir após o recebimento da denúncia — o que só veio ocorrer nesta quarta, mas apenas contra os desembargadores.

"Há uma profunda distorção na sistemática de classificação e de autuação dos inquéritos com denúncias oferecidas. Isso tem enorme impacto sobre o status dignitatis [o direito à lisura de seu nome] dos denunciados", afirmou Bulhões.

A regra em questão está no artigo 67, parágrafo único, inciso V do Regimento Interno do STJ, segundo a qual os inquéritos só passarão à classe ação penal "após oferecimento da denúncia ou queixa".

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Presidente da comissão de regimento interno do STJ, ministro Mauro Campbell vai levar o tema a estudo para reavaliação
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Nabor Bulhões destacou que a Lei 8.038/1990, que institui normas procedimentais para processos perante o STJ, define nos artigos 4º a 6º que, uma vez concluído o inquérito e oferecida a denúncia, estabelece-se um contraditório preambular.

Ao contrário dos demais tribunais brasileiros, apenas o STJ chama esse momento processual de "ação penal".

"Meu cliente, hoje, está com a extinção da punibilidade reconhecida e declarada. Por 11 anos, ele não pôde tirar certidão negativa, porque estaria sendo processado, mesmo sem processo. Um grande jurista nacional que foi indevidamente denunciado", disse. "Ele esteve submetido a uma ação penal que nunca existiu desde 2010 até 2021", criticou.

A questão de ordem foi bem recebida pelo presidente do STJ, ministro Humberto Martins, que decidiu encaminhá-la para a comissão de regimento interno da corte. "Acho por demais procedente", afirmou.

Presidente da comissão, o ministro Mauro Campbell afirmou que ele próprio sugeriria essa alteração, já que mudanças regimentais só podem partir de ministros do STJ. Sua aprovação deve passar pelo Pleno, composto por todos os 33 ministros.

Apn 623

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