Opinião

Os provedores de pesquisa e a concorrência desleal

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1 de dezembro de 2021, 16h05

Configurada no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal, a livre concorrência é um dos princípios da ordem econômica destinados a reprimir o abuso de poder econômico que objetive a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

Assim, a liberdade e a valoração da livre iniciativa são requisitos para que se tenha um ambiente concorrencial saudável, com obtenção de lucro de forma moral, lícita e leal. Quando, por alguma razão, a livre iniciativa promove desigualdades ilícitas nas relações econômicas, o próprio Estado pode intervir para restabelecer a condição isonômica no mercado afetado.

A prática anticoncorrencial, por sua vez, é qualquer ação adotada por um agente econômico que possa, ainda que potencialmente, causar danos à livre concorrência, mesmo que sem a intenção de prejudicar o mercado [1].

A conduta anticompetitiva é cada vez mais comum, sobretudo no que diz respeito às práticas comerciais via internet. Hoje, para garantir presença no mercado e obter impulsionamento na prospecção de clientes e novos negócios, a atuação no meio eletrônico é condição sine qua non.

Existente desde sempre no ambiente físico, a concorrência parasitária — desvio da clientela de uma empresa para outra, com proveito da reputação da empresa líder de mercado — se potencializou no meio eletrônico pelo uso dos chamados links patrocinados.

Os links patrocinados são uma forma de publicidade online por meio da qual empresas pagam aos provedores de busca para que, na pesquisa dessa ou daquela palavra, o link da empresa que "patrocinou" a palavra apareça em destaque. O pagamento aos provedores de busca se dá pela quantidade de palavras-chave escolhidas pela empresa. Por exemplo: a empresa "XYZ Limpeza" paga ao provedor de busca para que, sempre que haja a pesquisa da palavra "detergente cristal" (aqui admitido, para fins de exemplo, como um nome registrado no INPI e de propriedade da anunciante), o link de seu site apareça em primeiro lugar no resultado de tal pesquisa.

É importante destacar que a utilização dos links patrocinados do modo como exemplificado é perfeitamente legal. No entanto, o que se vê é o uso desse meio de publicidade online de forma desleal, ao passo que empresas pagam os provedores de busca para que deem destaque a seus sites quando da pesquisa do nome de seus concorrentes, ou de produtos cujos nomes e marcas são registrados e pertencem a terceiros (comumente concorrentes do anunciante).

Nesse segundo cenário, imagine-se, em comparação à primeira hipótese, que a empresa ABC Produtos de Limpeza tivesse pago ao provedor de busca para que, quando da pesquisa da expressão "detergente cristal" — sabidamente relativa a um produto e marca de sua concorrente, a empresa XYZ Limpeza —, o site da ABC Produtos de Limpeza apareça em primeiro lugar, em detrimento do site da empresa proprietária daquele ativo buscado.

No âmbito civil, a jurisprudência já é bastante pacificada quanto à responsabilidade das empresas que utilizam de forma anticompetitiva os links patrocinados por eventuais danos causados pelo uso indevido do nome de seus concorrentes e desvio de clientela. Os prejuízos indenizáveis podem se configurar em danos materiais, indenização por enriquecimento indevido (ilícito lucrativo) e danos morais.

O dano material pode se caracterizar como lucro cessante — já que a empresa prejudicada pode ter deixado de auferir lucro na venda para consumidores que, por indução maliciosa do concorrente, foram atraídos para outro site, muitas vezes pensando estarem comprando da primeira empresa — e danos emergentes (estes demandam provas mais robustas para sua concessão). A condenação por enriquecimento indevido visa a retirar da parte infratora qualquer proveito econômico que possa ter tido com a conduta ilegal, competindo ao julgador, no caso concreto, cuidar para que a condenação sob essa rubrica não represente uma condenação em duplicidade com as demais (bis in idem). Os danos morais costumam ser reconhecidos como implícitos nos casos de uso indevido do nome e demais ativos intangíveis (marca, nome etc.), por se presumir que tal ofensa tenha potencial de arranhar a boa reputação da empresa vítima.

As discussões travadas nos tribunais ainda não alcançaram o mesmo grau de maturidade com relação à responsabilidade dos provedores de pesquisa nesse contexto. Presume-se que os provedores de pesquisa lucrem com a venda de serviços como os links patrocinados. Caso adotada de forma ilegal, enquanto prática de concorrência parasitária das empresas anunciantes, poder-se-ia concluir, em princípio, que os provedores de pesquisa estariam a lucrar com o ato ilícito de terceiros.

A reflexão inevitavelmente leva ao questionamento: provedores de busca como o Google deveriam, então, ter o dever de certificar que as palavras-chave contratadas pelos anunciantes não estariam violando direito de outrem? Dada a grandeza de tais provedores de busca (sob os aspectos econômico, jurídico e técnico-operacional), seria demasiado presunçoso dizer que eles são capazes de identificar potenciais práticas anticoncorrenciais e, com isso, preveni-las? E se a resposta for positiva, por qual razão não o fazem (se é que não o fazem)?

Essa discussão, se estressada ao limite, para além do objetivo deste artigo, leva a reflexões maiores do que somente matérias concorrenciais. O que se pretende questionar é se há uma iminente necessidade de se impedira ocorrência de práticas anticoncorrenciais facilitadas por provedores de busca.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2008, julgou o primeiro caso judicial envolvendo a utilização de links patrocinados (diga-se que, dada a delonga do Direito em alcançar as evoluções da sociedade, o julgado do TJ-RJ é relativamente recente). Ainda que de forma residual, de lá para cá tem-se visto mais e mais discussões judiciais a respeito do tema. Tribunais de diferentes instâncias (STJ e STF) possuem julgados recentes no sentido de que provedores de busca podem — e devem — ser demandados como corréus em ações judiciais por prática de concorrência desleal no uso de link patrocinado [2] por empresas concorrentes, uma vez que existe, de forma evidente, relação contratual onerosa que não isenta os provedores de efeitos gerados na esfera jurídica de terceiros [3] a partir daquela relação entre provedor e anunciante.

Nesses casos, em razão do lucro obtido pelos provedores a partir da prática anticoncorrencial dos anunciantes, o que se vê é a condenação subjetiva e solidária dos provedores no pagamento de indenização às empresas prejudicadas — ou potencialmente prejudicadas — em danos morais e materiais.

 

[1] Artigo 36 da Lei 12.529/2011.

[2] ARE no RE nos EDcl no REsp 1.804.035; REsp 1.606.781.

[3] TJ-SP, Apelação Cível 1085064-25.2018.8.26.0100.

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